sábado, 10 de novembro de 2018

CAIPIRA GABOLA

- Boa tarde, Onofre. Como vão as coisas?
- Batarrde, Quinzinho. As coisa vão bem. Cansado das viaje.
- O compadre tem viajado muito?
- Muintxo. 
- Por esse Brasil?
- Oropa. Ando por lá tudo. As veis, pego frio de gelá a arma.
- Os hotéis são caros?
- Barato que num é. Só fico em hotér de muintxa estrela.
- Ah! Sim, com banheiro no quarto.
- Quequéisso compadre? E quarto é lá pra tê banhêro? Quarto é pra tê cama, guarda-rôpa, tapete, coberta, travessêro, mesa pequena quenem de criança e cadêra. No finar do corredô, fica o banhêro. No hotér de muintxa estrela, tem dois banhêro em cada andárr, um pros óme e ôtro pra muié. Só usa os hóspe do mesmo andárr, o que tá no mesmo chão, o que tá no mesmo piso, o que tá....
- Está bem compadre, já entendi. Nenhum hóspede do andar de cima ocupa os banheiros do andar de baixo e vice-versa. 
- As veis.
- Às vezes como, Onofre?
- As veis, tem hóspe que versa, tem òtro que canta, mais o mais comum é ninguém versejá ou cantá quando tão no banhêro. 
- Já sei, compadre: só galinha é que canta quando bota ovo.
- Isso mesmo, Quinzinho. As veis, os hóspe resórve ir tudo na mesma hora no banhêro. Aí tem que esperá um pôco e entonces a gente conversa na fila.
- Caramba! Imagine então, Onofre, a espera em hotel de pouca estrela.    
- Por isso que num góstio. Tem um só banhêro no finar do corredô. Muintxo hóspe esperando. No hotér de muintxa estrela tem disso não, compadre. De prantão, do lado de fora do banhêro, tem uma empregada e um empregado, os dois com rôpa do hotér, muintxo xique. Eles abre a porta pros hóspe entrá e despois que os hóspe fais o que tem de fazê e sai, eles fecha a porta. 
- Então, pelo visto, está tudo bem organizado.
- Uma beleza! Quase num tem fila. As veis, quando tem fila, pra apressá, entra dois de cada veis, duas muié no banhêro das muié e dois óme no banhêro dos óme. Lá num tem mistura de óme e muié no mesmo banhêro. A Oropa é educada, muintxo fina.
- Desse modo, os banheiros são logo desocupados abrindo lugar para quem espera do lado de fora. Boa administração hoteleira. Evita irritar os hóspedes. País civilizado. 
- Isso mesmo, Quinzinho. Mais, as veis, num dá muintxo certo.
- Ué! Mas por que, Onofre?
- Há gente que demora, mesmo de dois em dois. Entra lá e fica um tempão. Despois sai com as cara alegre de quem bebeu a marvada da branquinha.
- Tanto os homens como as mulheres?
- Isso mesmo. Acho que um ajuda otro, óme ajuda óme, muié ajuda muié, pra fazê as necessidade e despois se arrumá.
- Incontinência urinária, intestino preso, dificuldade de evacuar, sabe-se lá o quê, não é isso Onofre?       
- Óia compadre, te conto uma coisa. Eu só falo o que é certo. Ocê sabe disso.
- Claro compadre. Mentir e enganar não é a tua praia.
- Isso! Eu sou da montanha. Entonces, te conto: enquanto eu tava lá na Oropa, o hotér nunca precisô evacuá, nenhum hóspe foi preso e se prestaro continência urdinária eu num vi. Bombêro, poliça, sordado, nada disso apareceu. Drento do banhêro, os hóspe inté fais amizade. As veis, eles sai abraçado do banhêro e nem aquele xêro a gente sente, ocê sabe qual é, compadre. Pois é. O que a gente sente é perfume dos caro. Franceis. Te conto e ocê num vai acreditá, Quinzinho.
- Não precisa fazer essa cara, Onofre. Conte. Não se arreceie. Desembuche. 
- Pois num é que eu vi saindo de lá do banhêro inté óme bejando óme e muié bejando muié, de tão contente que eles tava. Coisa bonita de se vê, compadre.
- Verdade, Onofre. Gestos bonitos de amizade. Algumas pessoas não demonstram afeto mútuo em público por serem encabuladas ou por serem comedidas no ambiente interno ou externo em que se encontram. Valorizam mais a privacidade. Em tempos conflituosos como estes nos quais vivemos, manifestar intimidades em locais públicos é perigoso. As pessoas do mesmo sexo que se agradam publicamente correm o risco de ser agredidas e mortas por gente fanática do tipo nazista e/ou adepta da igreja evangélica, da fé judaica ou da fé maometana.  
- Cruis crédo, Quinzinho! Vire essa boca prá lá, óme do céu! Nazista, eu num sei. Só o que sei é que na tar igreja e nas fézes que ocê falô também óme beja óme e muié beja muié.
- Certo. Há troca de carinho, bolinação e transa sexual. Mas, o que estou dizendo, Onofre, é que há lugares públicos ou privados nos quais as pessoas não devem exibir os seus mútuos afetos, principalmente se forem beijos calorosos e eróticos. Quando o povo é educado, o decoro faz parte das relações sociais e da conduta das autoridades.   
- Me descurpe, compadre, mais nisso eu discordo de ocê. Que mar tem as pessoa se bejá na privada? Ocê mesmo concordo comigo que é bonito as pessoa se bejá no banhêro. Despois, eu num sei o que decorá tem com isso. Ocê acredita que inté hoje eu num consigo decorá a tabuada intêra? É muintxo número. Eu me atrapaio todo. Só sei a tabuada do um, mais um pouco do... 
- Um momento, Onofre. Olhe para mim.
- Êiiia...tá me estranhando, compadre?
- Nada disso. Eu só quero que você preste atenção no que vou dizer. O que eu falei tem a ver com a vergonha e não com a memória. Eu me referi ao decoro substantivo e não ao verbo decorar, ou seja, não me referi à capacidade de alguém reter coisas na memória, aprender de cor. O decoro substantivo refere-se à decência, ao pundonor, à dignidade moral, ao respeito da pessoa por si mesma e pelos outros.
- Aaah bão! Mais agora nóis vai é tomá um café gordo prá descansá a molera.

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