terça-feira, 22 de maio de 2018

INSEGURANÇA JURÍDICA

Arte do bom e do equitativo, conjunto de normas derivadas da experiência social e da razão consagradas pelo costume ou postas pela autoridade pública segundo valores prevalecentes na civilização, o direito tem por escopo: [1] regular a conduta humana segundo a ideia e o sentimento de justiça, visando a paz social e a realização do bem comum [2] garantir formalmente as condições necessárias à manifestação das potencialidades humanas e ao desenvolvimento da nação [3] proporcionar segurança às relações de natureza política, econômica e social [4] dar estabilidade às instituições e vigor aos preceitos éticos essenciais à convivência e à coexistência [5] organizar a sociedade e o estado sob forma autocrática ou democrática segundo a primazia da autoridade em face da liberdade ou a primazia da liberdade em face da autoridade [6] conciliar: (i) capital e trabalho (ii) domínio e servidão (iii) elite e massa (iv) interesse privado e interesse público.   
Para assegurar a eficácia das normas jurídicas, constituiu-se o aparelho de segurança do estado composto de policiais, fiscais e juízes, além da burocracia e do exército. A organização jurídica (substancial e instrumental) só por si não acaba com as divergências tanto nas relações internacionais como nas domésticas, porém abre caminhos para a solução pacífica. Normalmente, as divergências são resolvidas sem apelo às instâncias judiciárias. No âmbito doméstico, inconteste a superior importância da função pacificadora e conservadora dos juízes e tribunais. Por isto mesmo, a disfunção judicial é altamente nociva. Acarreta insegurança jurídica. O povo perde a confiança na instituição judiciária. A nação fica desorientada em consequência da volubilidade dos juízes e tribunais. No meio social brotam as contestações, a desobediência, a desordem, a barbárie, a justiça individual realizada pelas mãos e razões dos contendores, as doutrinas e práticas nazifascistas.
Atualmente, esse fenômeno social ocorre no Brasil (2001/2018). Juízes e tribunais, por motivo político partidário, bem como para satisfazer interesses de setores privados da economia e das comunicações, fazem tabula rasa de cláusulas pétreas e distorcem o real sentido das normas constitucionais e legais, inclusive na esfera dos direitos e garantias individuais. Mesmo sem competência legislativa, juízes e tribunais inovam no ordenamento jurídico, inclusive importando modus operandi estranho ao direito brasileiro. Desprovidos de escrúpulo, invadem a competência do Congresso Nacional, violando a regra constitucional da separação dos poderes.
A operação lava-jato exemplifica bem esse fenômeno. O Judiciário parece acatar a ordem do presidente da república Michel Temer: “Tem que manter isso, viu?” A sujeira feita pelo inquisidor curitibano, endossada e ampliada pelos inquisidores gaúchos, “tem que ser mantida (viu?)” pelos tribunais superiores. Trata-se de corporativismo na sua mais nefanda e indecorosa expressão (apoio às ilicitudes praticadas pelos membros da corporação). No Supremo Tribunal Federal há exemplos desse comportamento retrógrado, imoral e antijurídico.
Sessão do dia 16.05.2018. Recurso Extraordinário (RE) 193924. Embargos Infringentes. Relator: ministro Edson Fachin. Em determinado trecho da exposição oral do seu voto, o relator menciona a diferença entre conhecimento e provimento. Menção aparentemente anedótica. Acontece que em sessão anterior, no julgamento do habeas corpus impetrado pelo ex-presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva, esse ministro, por ignorância ou má-fé, confundiu conhecimento da causa com provimento da pretensão deduzida em juízo, ao votar pelo “não conhecimento” da garantia constitucional, apesar de presentes os pressupostos processuais e as condições da ação. Erro crasso do qual agora, no retro citado RE, procura se redimir.
No caso do habeas corpus, o correto era o conhecimento da ação judicial seguido do deferimento ou do indeferimento do pedido. O relator (Fachin) não percebeu que: [1] o formalismo jurídico não é óbice ao conhecimento dessa garantia constitucional da liberdade do cidadão [2] a ordem de habeas corpus pode ser requerida até oralmente perante o juiz, ou o tribunal, que depois de observadas as cautelas de estilo (lavratura do termo, requisição de informações), poderá concede-la ou não.
No vocabulário bíblico, conhecer significa relacionamento sexual. Aos 90 anos de idade, Sara referia-se à sua inapetência sexual e duvidava da sua fertilidade. “Velha como sou, conhecerei ainda o amor? Será verdade que eu teria um filho, velha como sou”? (Bíblia, Antigo Testamento, Gênesis 18: 12/13). José & Maria, sobre o nascimento virginal: “E sem que ele a tivesse conhecido, ela deu à luz o seu filho, que recebeu o nome de Jesus”. (Bíblia, Novo Testamento, Mateus 1: 25). Diferente do bíblico, no vocabulário jurídico conhecer significa admitir o exame da causa, não o relacionamento íntimo do juiz com o postulante e tampouco o deferimento do pedido.
Naquela anterior sessão, Fachin não esqueceu que a ordem de habeas corpus pode ser dada mesmo não sendo pedida, ou seja, na ausência de requerimento formal. Quando, no curso de algum processo que esteja examinando, o juiz, ou o tribunal, verificar que alguém sofre coação ilegal, ou está na iminência de sofrê-la, poderá – de ofício (fundado exclusivamente na autoridade do cargo) – expedir ordem de habeas corpus. Entretanto, Fachin decidiu que nem de ofício a ordem devia ser concedida. Antes, não conheceu do pedido porque formulado pelo paciente. Depois, de ofício, examinou a matéria para negar liberdade ao réu. Marco Aurélio comentou e riu da lambança.
O preceito legal não autoriza o juiz, ou o tribunal, a negar de ofício e sim a conceder de ofício a ordem de habeas corpus (CPP 654, 2º). Do ponto de vista lógico e cronológico, no campo do direito, primeiro é necessário que alguém tenha feito algum pedido para depois o juiz negar provimento. Nemo iudex sine actore = sem autor (postulante) não há juiz. Esta é a regra geral. Entretanto, a lei processual penal abre exceção a essa regra para garantir a liberdade de quem está sofrendo, ou na iminência de sofrer, coação ilegal, ainda que o paciente não tenha pedido a ordem expressamente. Ne procedat iudex ex officio = juiz não procede (não deve proceder) de ofício. Esta é a regra geral. A tutela jurisdicional deve ser prestada só depois de invocada pela parte (postulante). Todavia, como garantia da liberdade do cidadão, a lei abre exceção a essa regra geral e permite que o juiz, ou o tribunal, expeça de ofício ordem de habeas corpus. A exceção é para o magistrado conceder e não para negar a ordem.         
Moral da história. Os brasileiros estão ferrados se a liberdade de cada um depender da imparcialidade, do senso de justiça e da fidelidade dos ministros do Supremo Tribunal Federal à Constituição, às normas e aos princípios gerais de direito. Summum iudicium saepe summa malitia est = juízo supremo às vezes é malícia suprema.
Sessão do dia 17/05/2018. ADI 2332. Relator: ministro Roberto Barroso. Discutiu-se a incidência dos juros compensatórios nas desapropriações feitas pelo estado, criados pela jurisprudência e depois formalizados em lei. Destinam-se a compensar o dono do imóvel exclusivamente pela renda perdida durante o período compreendido entre a imissão do estado na posse do imóvel e o pagamento final ao proprietário. A lei exige que essa perda seja comprovada. O estado paga (com o dinheiro do contribuinte) o valor do imóvel apurado na perícia e fixado na sentença, acrescido dos juros de mora e correção monetária. Os juros compensatórios são um plus que supõe a existência de uma relação econômica, qual seja: a de o imóvel desapropriado gerar renda ao tempo da desapropriação (aluguel, produção pecuária, agronegócio). Sem essa prova, os juros compensatórios não devem ser pagos. Esse tipo de juro sangra o erário de modo abusivo como bem demonstrado pela Advocacia Geral da União na referida sessão. Contudo, alguns ministros sensibilizam-se mais com os interesses dos proprietários e advogados que ganham quase o dobro do valor atualizado do imóvel.

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