sábado, 27 de fevereiro de 2016

CORRUPÇÃO COLOSSAL



Quando o Brasil era presidido pelo teuto-franco-brasileiro (berlinense de nascimento, parisiense por opção, carioca pelo registro civil, paulista pelo domicílio, nordestino pela buchada de bode e pelo pé na cozinha), o fauno meliante incomodava-se com a existência de cláusulas pétreas na Constituição da República. Delas zombava. Menosprezava o direito; não assimilou o fracasso no vestibular. Ignorava a garantia que as cláusulas pétreas representam para a estabilidade institucional, postas pelo legislador constituinte originário com o propósito de limitar a ação dos poderes constituídos e assegurar as liberdades públicas e os fundamentos republicano, federativo e democrático do Estado brasileiro (CR 60, §4º).
A Constituição expressa a vontade, idéias e interesses dos representantes dos diversos segmentos do povo reunidos em assembléia constituinte. Proporciona segurança jurídica. A sua eficácia depende da estrutura moral e da maturidade política dos governantes e governados. Entretanto, há os de caráter deficiente, insensíveis aos princípios morais e jurídicos. No pensar e no sentir dessa grei, tais princípios vigoram apenas para a massa popular ignara. Velhacos não respeitam limites éticos e jurídicos, ainda que sejam cláusulas pétreas da Constituição.
“Todos compreendem como é digno de encômios um Príncipe quando cumpre a sua palavra e vive com integridade e não com astúcia” (Nicolau Maquiavel).
Fernando Henrique Cardoso ostentava o anacrônico e presunçoso título de Príncipe dos Sociólogos Brasileiros macaqueando o Príncipe dos Barrocos Franceses [François Rabelais (1483-1553), frade, professor, cientista, jurista, romancista satírico]. Ao presidir a república brasileira, o “príncipe” rogou que esquecessem o que escrevera. Parcela do povo observara o descompasso entre a conduta do político e a literatura do pernóstico sociólogo. Ao expor idéias alheias como próprias, o escritor se arrisca a esse tipo de contradição e a ser desmascarado publicamente.
A compra de votos de parlamentares não é invenção tupiniquim. Houve época no parlamento britânico (século XVIII = 1701/1800) em que os deputados vendiam seus votos e consciências aos ministros. Radicado na Inglaterra, o brasileiro Hipólito da Costa (1774-1823) fundou, em Londres, o “Correio Braziliense”, periódico mensal (jornal/revista), onde censurava os hábitos imorais dos políticos luso-brasileiros. Essa compra e venda notabilizou-se no governo Cardoso. Visava a obter apoio da maioria parlamentar aos seus projetos, inclusive o da reeleição. O mesmo acontece agora para aprovação do projeto do senador José Serra (PSDB) que pretende abrir o pré-sal às petroleiras estrangeiras. Para estas companhias, 300 milhões de dólares destinados às propinas são excelente negócio; para a maioria parlamentar, fabulosa renda extra; para a nação brasileira, imenso infortúnio. Os vendilhões são apátridas e amorais.      
A corrupção e a hipocrisia na sociedade brasileira são temas de obras literárias desde Bernardo Guimarães (1825-1884), de peças teatrais, de programas humorísticos de rádio e televisão, de letras de músicas. O povo assim expressava, jocosamente, a calamidade moral na esfera pública: “Se gritar: pega ladrão! Não sobra um meu irmão” (expressão que o compositor Chico Buarque aproveitou em uma das suas canções). O descalabro ao patrimônio nacional e o desbarato do dinheiro público indispõem o brasileiro comum a pagar tributos e incentivam a sonegação fiscal.
Sabia-se da corrupção no governo Cardoso (1995/2002), mas desconhecia-se o tamanho da safadeza. Informação prestada por protagonistas da compra de uma empresa de energia na Argentina, então governada por Carlos Menem, relata que o governo Cardoso embolsou 100 milhões de dólares em propina! A venda das empresas estatais brasileiras também propiciou outros milhões de dólares à súcia [“comissão pra cá, comissão pra lá” (comissão = propina), desabafo do então ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros]. De lambujem, antes de passar a faixa presidencial e a pretexto de fundar um instituto privado, Fernando Henrique angariou mais alguns milhões entre os empresários que compareceram a um jantar.   
A corrupção é fenômeno natural. Ao fluir o tempo, todos os seres da natureza corrompem-se, passam por contínua mudança física. Da esfera natural, o conceito corrupção estende-se para a esfera cultural, do campo biológico ao campo moral, significando deterioração do caráter da pessoa no curso da vida social até a plena insensibilidade ética (amoralidade). O vírus da corrupção moral penetra no espírito humano a qualquer momento, esteja o corpo físico na infância, na adolescência ou na maturidade. Na associação de pessoas, o vírus se oculta no ato da fundação. Enquanto a pessoa moralmente corrupta viver, existe a possibilidade de reabilitação, inclusive pela via religiosa. Santo Agostinho (ex-degradado) dizia que os demônios são os desejos e as paixões em luta contra a dimensão ética do ser humano. Padre Antonio Vieira (1608-1697) anatematizava a desonestidade e a corrupção no âmbito administrativo da colônia portuguesa na América. Como se vê da insuspeita e segura fonte, a podridão moral está na raiz da cultura luso-brasileira. 
Na vigente lei penal brasileira, a corrupção consta do rol dos crimes contra a administração pública e tem como agente e paciente o funcionário público, assim considerado aquele que exerce cargo, emprego ou função na administração pública. O funcionário (agente) pratica o crime de corrupção ao solicitar ou receber, para si ou para outrem, vantagem indevida, ou aceita promessa. O particular pratica o crime de corrupção quando oferece ou promete vantagem indevida a funcionário (paciente) para que este faça, deixe de fazer ou retarde algo do seu ofício. (CP 317 + 333).   
No Brasil, houve corrupção na primeira república (1891/1930), que aumentou nos governos de Getúlio Vargas e de Juscelino Kubitschek (1930/1960), amainou no governo militar (1964/1985), recrudesceu nos governos de José Sarney e de Fernando Collor (1986/1994), subiu alturas estratosféricas no governo de Fernando Henrique (1995/2002), baixou no governo de Luiz Inácio (2003/2010) e havia abrandado no governo de Dilma Rousseff até acontecer o episódio do pré-sal.
No século XX (1901/2000), a punição desse tipo de crime no Brasil foi esporádica, restrita à arraia miúda. No século XXI (2001/2100), a partir do governo Silva, os casos de corrupção no alto escalão da administração pública passam a ser investigados e punidos. A iniciativa moralizante surpreendeu alguns brasileiros, tendo em vista a notória licenciosidade em todos os setores da vida pública brasileira e a costumeira impunidade. Contudo, para decepção das pessoas decentes, notou-se que os casos eram selecionados segundo cores ideológicas e partidárias, com o politiqueiro propósito de desmoralizar o governo federal ocupado por partidos da esquerda e do centro. As ações centralizadas em Curitiba contra indivíduos ligados a esses partidos foram rápidas: prisões, delações, inquéritos, denúncias formalizadas, sentenças prolatadas e recursos interpostos, com ampla e espetacular cobertura dos jornais e das emissoras de rádio e televisão. Sepulcral silêncio em torno dos ilícitos praticados pela canalha dos partidos da direita. A insensatez engolfou a racionalidade e a honestidade. Ao confundir empresário e empresa, o tendencioso juiz curitibano contribuiu para a depressão econômica do país e seus reflexos políticos.
O governo do país ficou refém de um grupo mafioso que se vale até do processo judicial como aríete para abrir os portões à subversão e à corrupção.  

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