Na
sessão de 05 de fevereiro de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF),
interpretando a Constituição da República, por maioria dos seus membros,
decidiu que o condenado só pode ser preso depois de a sentença condenatória
transitar em julgado. Essa
decisão beneficiou Daniel Dantas.
Na
sessão de 17 de fevereiro de 2016, o STF, interpretando a Constituição
da República, por maioria dos seus membros, decidiu que o condenado pode ser
preso antes do trânsito em
julgado. Essa decisão não beneficiou Márcio Dantas.
Doravante,
o condenado à pena de prisão não mais poderá recorrer aos
tribunais superiores em liberdade. Durante o processo judicial, ao réu é facultado defender-se amplamente, provas são produzidas, debates são realizados, tudo sob a direção
do magistrado. Se após o devido processo jurídico, o réu for condenado pelo
juiz e a sentença for confirmada pelo tribunal, não há mais falar em presunção
de inocência. A partir do acórdão (sentença do tribunal), há uma certeza
provisória. O nome do réu somente será lançado no rol dos culpados depois do
trânsito em julgado da sentença, quando a certeza jurisdicional torna-se
definitiva.
Oportuno
transcrever trechos do artigo “Liberdade para os Condenados”, publicado neste
blog em 09/02/2009, sobre aquela primeira decisão do STF.
A nova orientação apoiou-se no enunciado
constitucional que presume a inocência do réu: “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (CF 5º,
LVII). Diante disso, juízes e tribunais não mais poderão expedir ordem de
prisão contra os condenados até que a sentença transite em julgado, o que pode
demorar muitos anos e propiciar a prescrição da pena aplicada. Impunidade
garantida. Antes dessa infeliz e nociva decisão, a sentença penal recorrível
produzia dois efeitos principais: a imediata prisão do réu e o lançamento do
seu nome no rol dos culpados, consoante os incisos I e II, do artigo 393, do
Código de Processo Penal (CPP). (...) O entendimento de que o mencionado preceito
constitucional impede a prisão do condenado afigura-se exagero prejudicial à
segurança da sociedade e ao poder jurisdicional dos juízes e tribunais. (...)
Presunção significa opinião incerta,
conjectura sobre a verdade de algo até prova em contrário. Quando
essa prova é realizada sob a tutela jurisdicional, a presunção cede lugar à
certeza decorrente do contraditório e da ampla defesa. (...) O artigo 393 do CPP, que vigorou por 67 anos
e 4 meses (outubro de 1941 a
fevereiro de 2009) e que havia se incorporado à doutrina e à jurisprudência,
passa de compatível a incompatível com a Constituição de 1988. Só depois de 20
anos de vigência da Constituição é que a maioria do STF considerou
inconstitucional aquele dispositivo legal, estimulada pelo episódio Daniel
Dantas. (...) Os votos vencedores
mantiveram coerência com a escandalosa decisão proferida no habeas corpus que
favoreceu Dantas. O STF tirou dos juízes e tribunais o poder de mandar prender
os condenados imediatamente, o que tipifica uma capitis deminutio. A decisão do STF abre ensejo à liberdade
de todos os condenados que ainda não tiveram sentença penal transitada em
julgado. (...) Eis aí a contradição
contida na decisão da maioria dos ministros. Se o juiz pode o mais (decretar a
prisão mesmo antes de instaurado o processo criminal) pode o menos (decretá-la
após encerrada a instrução criminal). A contradição faz transparecer o conteúdo
político da decisão: prestigiar o presidente do STF no episódio Dantas;
assegurar a liberdade de Dantas.
Com
a decisão de 2016, o STF restaurou o que havia quebrado. De forma sensata e
realista, interpretou a Constituição em sintonia com o interesse público e com
os anseios da nação brasileira. Ciência e consciência harmonizadas.
Apesar
disto, o STF manteve inaplicáveis os artigos 393 e 594 do CPP no primeiro grau
de jurisdição. Isto significa a derrogação (modificação parcial) de uma lei por via judicial. A Lei
de Introdução às Normas do Direito Brasileiro dispõe que a lei vigora até que
outra lei a modifique ou a revogue (DL 4.657/1942, 2º; LC 95/1998, 9º, 12).
Compete ao Legislativo – e não ao Judiciário – a elaboração da lei. A via
judicial é própria para interpretar a lei, mas não para modificá-la ou revogá-la. Ao legislar,
o Judiciário viola o princípio da separação dos poderes, salvo quando o faz
para o caso concreto, através do mandado
de injunção, diante de uma legislação lacunosa. Quando declarada
inconstitucional pelo Judiciário, a norma é excluída do ordenamento jurídico.
Da decisão do STF, contudo, verifica-se que a norma processual (CPP 393 + 594)
permanece válida para a sentença de segundo grau (acórdão); logo, essa norma não colide
com a Constituição.
As
garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa, do juiz natural,
do devido processo legal, proporcionam certeza jurídica à sentença judicial.
Daí, a citada norma processual estabelecer dois efeitos à sentença condenatória
recorrível [não transitada em julgado]: (i) ser o réu preso ou
conservado na prisão e (ii) ser o seu nome lançado no rol dos culpados. Essa
norma que vigorou por sete décadas (1941/2009) servia de limite à presunção de inocência. Agora, o STF repristinou-a (17/02/2016).
O
enunciado constitucional “ninguém será considerado
culpado” significa, na sua literalidade, que o indivíduo declarado culpado na
sentença judicial não deve ser considerado culpado. Por meio da construção
jurisprudencial, o STF afastou essa absurda incongruência, recolocando limite jurídico à presunção
de inocência.
Axioma
da ciência jurídica ocidental, a presunção de inocência está contemplada na Magna Charta Libertatum, (Inglaterra,
1215): Nenhum homem livre será detido ou
sujeito a prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou
exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos
proceder contra ele senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de
harmonia com a lei do país. A declaração francesa dos direitos do homem e
do cidadão de 1789 especificou-a: Todo o
acusado se presume inocente até ser declarado culpado. A Declaração
Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações
Unidas em 10.12.1948, também a consagrou: Todo
homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até
que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento
público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à
sua defesa.
Nenhum desses históricos documentos exige o trânsito
em julgado da sentença. A presunção de inocência encontra o seu limite
na sentença judicial. O STF devolveu aos tribunais a autoridade jurisdicional
plena. Quanto aos juízes singulares, as sentenças ficam desprovidas
daqueles imediatos efeitos. O juiz condena, mas para prender o condenado, deve
aguardar a decisão confirmatória do tribunal. Se não aguardar, estará
submetendo o condenado a um constrangimento não autorizado pela nova
jurisprudência. O condenado em primeiro grau tem o direito de apelar em
liberdade.
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