sábado, 6 de fevereiro de 2016

ADVOGADOS versus JUÍZES



Carta Aberta subscrita por uma centena de advogados critica o juiz curitibano condutor da ação criminal sobre corrupção na Petrobrás (Operação Lava Jato).
Nota Pública subscrita pela Associação dos Juízes Federais do Brasil - AJUFE defende o juiz e critica a carta dos advogados. Percebe-se tendência corporativista nessa Nota. Refere-se a “supostos” vazamentos, como se fatos verídicos fossem meras suposições. Para justificá-los (?) diz: o processo é público, acessível a todos, mas para o sigilo há as previsões legais dos artigos 5º, LX e 93, IX da Constituição. Estes dispositivos constitucionais (mais que previsões “legais”) excepcionam a regra da publicidade.
O segredo é medida excepcional tomada pela autoridade no interesse da sociedade ou quando necessária à elucidação do fato (CPP 20). Se inquérito e processo correm em segredo de justiça, o conteúdo fica inacessível ao público. A violação constitui crime assim definido: Revelar alguém, sem justa causa, segredo de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem (CP 154). Vazar informações sigilosas prestadas por instituições financeiras também constitui crime (LC 105/2001, art. 3º + 10). Cabe ao juiz velar pelo sigilo e determinar apuração da responsabilidade em caso de quebra; faltará ao seu dever se nada fizer a respeito. Se o vazamento for incontrolável, a solução que se impõe é a de restabelecer a publicidade.
A prisão preventiva, excepcional e provisória por natureza, não deve se converter em pena antecipada. Se o sujeito estiver cumprindo pena, a prisão preventiva, além de inoportuna, tipificará interferência no regime penal e nas atribuições do juiz das execuções penais. Basta oficiar a este se algum juiz, promotor ou delegado, quiser ouvir o sentenciado. Se o sujeito estiver solto, o decreto de prisão deve se alicerçar nos fatos e provas que indiquem a necessidade, porque se trata de privar o cidadão de um bem constitucionalmente assegurado: a liberdade. Ao magistrado não cabe inventar a necessidade da prisão e tampouco aceitar invenção alheia. A necessidade deve ser real. O decreto não deve ser expresso numa retórica enganosa; suas palavras devem ecoar a realidade. O objetivo da prisão também não deve ser a delação. A vontade do preso não é totalmente livre. O acordo da delação por implicar confissão e redução da pena (lei 9.613/98, art. 1º, §5º), deve ser homologado pelo juiz e examinado pelo tribunal (duplo grau de jurisdição). 
A Nota Pública menciona o trabalho conjunto do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia na Operação Lava Jato como resultado do “lento e gradual processo de amadurecimento das instituições republicanas brasileiras”. Tal afirmativa revela condicionamento à matriz ditatorial que criou a Justiça Federal. Nos tempos sombrios também se falava em abertura “lenta e gradual” embora coarctadas as liberdades. Vontade e sentimento prevaleciam sobre razão jurídica. “Lento e gradual processo” soa como insinuante e subliminar justificativa da omissão da justiça federal durante o governo Cardoso, quando a ladroagem ganhou alturas estratosféricas.
Poder Judiciário é mais amplo do que Justiça Federal. Magistratura nacional é mais ampla do que magistratura federal. A AJUFE extrapola limites ao falar em nome do Poder Judiciário. Como pessoa jurídica de direito privado, essa entidade deve falar exclusivamente em nome dos juízes federais, seus associados. Coletivamente, juizes estaduais, juízes do trabalho e juízes militares têm voz através das suas respectivas associações. Individualmente, juizes poderão discordar da conduta do colega.
O “trabalho conjunto” mencionado na Nota tipifica arbitrária atividade inibidora das liberdades públicas, retrocesso institucional que não se coaduna com o Estado Democrático de Direito. Diz que a Operação Lava Jato está “respaldada” pelo juiz. Respaldar é apoiar. Polícia e Ministério Público são instituições que independem do apoio do juiz. O respaldo dessas instituições deve ser a Constituição da República (CR) e não o juiz. Ao se enfronhar no trabalho delas e lhes respaldar ações e omissões, o juiz curitibano exerce função persecutória, atua num dos pólos da bilateral relação processual, põe seu peso num dos pratos da balança, compromete a imparcialidade e faz tabula rasa das garantias constitucionais (CR 5º). O juiz escapa dos limites da sua competência ao embaralhar as funções executiva e judiciária (CR 2º). À Polícia cabe investigar; ao Ministério Público, promover a ação penal; ao Juiz, zelar pelo devido processo legal e sentenciar fundado em prova idônea e no direito, segundo a sua razão, o seu senso de justiça e a sua consciência.    
Ao juiz é vedado exercer outro cargo ou função, dedicar-se à atividade política partidária, receber a qualquer título auxílios ou contribuições de pessoas físicas ou de pessoas jurídicas. São deveres do juiz: cumprir e fazer cumprir com independência, serenidade e exatidão as leis e atos do ofício; exercer fiscalização sobre os subordinados; manter conduta irrepreensível, sendo-lhe vedado opinar sobre processo pendente de julgamento (CR 95, p.u., I, III, IV; LC 35/1979, art. 35/36).
Dos fatos veiculados pelos jornais e emissoras de televisão, verifica-se que a conduta do juiz curitibano não condiz com os citados preceitos. Ele se deixou seduzir pela fama ao aceitar prêmios por sua atuação na Operação Lava Jato. Indisfarçável a seletividade da ação persecutória por ele empreendida: apura a responsabilidade dos delinqüentes ligados ao PT/PMDB e exclui os delinqüentes ligados ao PSDB/DEM, quando todos se nutriram igualmente da lavagem servida no cocho da Petrobrás desde a década de 1990. Tal seletividade caracteriza sub-reptícia atividade política partidária mediante destorcido uso da função pública.
Aliás, por amor e respeito aos princípios morais e jurídicos, como os da dignidade da pessoa humana e da isonomia, o STF devia determinar: (1) a suspensão sine die da referida operação e dos processos criminais dela decorrentes; (2) a apuração imediata, com a mesma velocidade daquela operação, dos crimes semelhantes praticados nos governos Collor e Cardoso; (3) a reunião dos processos quando estes últimos chegarem à mesma fase daqueles primeiros; (4) o julgamento conjunto de todas as ações penais, sem favorecimento ideológico, político e partidário; (5) a soltura dos presos para que aguardem em liberdade o desfecho das ações penais. 
A AJUFE diz que as condenações foram “corroboradas” pelas instâncias superiores e elogia os juízes do Tribunal Regional Federal, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF). O curioso é que os relatores dos processos no STJ e no STF são descendentes de alemães e poloneses, ambos originários do Sul do Brasil, região onde proliferam fascistas e nazistas. Da Nota Pública consta o verbo corroborar ao invés do verbo confirmar usado no âmbito recursal. Quiçá, porque corroborar tem conotação de robustecer em conjunto (cumplicidade). Embora o texto denote amparo dos tribunais, o fato é que as condenações ainda não foram apreciadas pelos STJ e STF e nem se constata pleno apoio da magistratura nacional.
A conduta do juiz curitibano afronta a dignidade da pessoa humana e compromete a imparcial aplicação do direito. Além disto, se verdadeira a informação de que a esposa dele recebe honorários advocatícios de clientes que têm interesse político direto na operação lava jato, então, era imperativo ético judicial o afastamento do juiz da direção do processo desde o seu início (CPP 252/254).
Por falar em dinheiro, há desacordo com o teto constitucional se o subsídio desse juiz for o dobro do subsídio de ministro do STF como noticiado na rede de computadores. O legislador constituinte originário usou o vocábulo subsídio invés do tradicional vencimento no moralizante intento de excluir os penduricalhos (abono, adicional, gratificação, representação, prêmio ou outra espécie de remuneração), que sutilmente aumentam a renda do funcionário, subterfúgio incompatível com a dignidade da magistratura. Para compensar essa exclusão, o legislador constituinte assegurou a revisão anual do subsídio. (CR 37, X, XI + 39, 4º + 93, V).

Nenhum comentário: