sábado, 8 de agosto de 2015

POESIA



Eu escrevi sobre a água e sobre o tempo/ pintei a dor e seu metal cobreado / escrevi sobre o céu e a natureza / agora escrevo sobre Stalingrado.
As noivas já guardam no seu lenço / raios de meu amor enamorado / meu coração agora está no solo / na fumaça e na luz de Stalingrado.
Já toquei com as mãos líricas a fímbria / do crepúsculo azul e derrotado / agora toco a própria luz da vida / nascendo com a do sol de Stalingrado.
Sinto que o velho-jovem transitório / de pluma, como os cisnes adornado / despe a roupagem de seu mal notório / por meu grito de amor a Stalingrado.
Ponho a minha alma livre onde desejo / e não me nutro de papel cansado / impregnado de tinta e de tinteiro / Nasci para cantar a Stalingrado.
A minha voz chorou teus grandes mortos / junto aos teus próprios muros abalados / soou na voz dos sinos e dos ventos / sentindo-te morrer, Stalingrado.
Agora, americanos combatentes / desiguais como a polpa dos granados / trucidam nos desertos a serpente / Já não estás sozinha, Stalingrado.
A França volta às velhas barricadas / com o pavilhão flamante desfraldado / sobre as lágrimas inda mal enxutas / Já não estás sozinha, Stalingrado.
E os grandes leões altivos da Inglaterra / plainando sobre o mar encapelado / vão as garras cravar na escura terra / Já não está sozinha, Stalingrado.
Sob tuas montanhas de escarmento / não estão só teus filhos enterrados: / treme a carne dos mortos e feridos / que te tocaram a fronte, Stalingrado.
Jazem desfeitas hordas invasoras / triturados os olhos dos soldados: / de sangue estão cobertos os sapatos / que quiseram pisar-te, Stalingrado.
Teu aço azul, forrado de bravura / teu cabelo de estrelas coroados / teu baluarte de pães distribuídos / tua fronteira em sombra, Stalingrado.
A pátria de martelos e de louros / sangue a correr sobre o esplendor nevado / o duro olhar de Stalin sobre a neve / bordada com teu sangue, Stalingrado.
As medalhas heróicas que teus mortos / puseram sobre o peito traspassado / da terra, e o súbito estremecimento / da existência e da morte, Stalingrado.
O sal profundo que de novo trazes / ao coração do homem consternado / com a florada de bravos capitães / nascidos de teu sangue, Stalingrado.
A esperança que irrompe nos pomares / como o fruto de uma árvore esperado / a página gravada de fuzis / as palavras de luz, Stalingrado.
A torre que projetas nas alturas / os altares de pedra ensangüentados / os defensores de ciclo de ouro / filhos de tua carne, Stalingrado.
As águas esculpidas em teus bronzes / os metais em tua alma amamentados / os adeuses de lágrimas imensas / as ondas de saudade, Stalingrado.
Os ossos de assassinos malferidos / as invasoras pálpebras cerradas / e outros conquistadores fugitivos / de tua chispa heróica, Stalingrado.
Os que o Arco do Triunfo profanaram / e por águas do Sena há penetrado / com o fatal beneplácito do escravo / tiveram de deter-se em Stalingrado.
Os que em Praga, a formosa, sobre lágrimas / num solo emudecido e atraiçoado / passaram, pisoteando-lhe as feridas / morreram sobre o chão de Stalingrado.
Os que cuspiram sobre a gruta grega / na estalactite de cristal truncado / e em seu clássico azul enrarecido / onde agora estarão, Stalingrado?
Os que a Espanha queimaram e a destruíram / deixando o coração encarcerado / da velha mãe de mestres e guerreiros / estendem-se a teus pés, Stalingrado.
Os que na noite branca da Noruega / com uivos de chacal desesperado / queimaram a gelada primavera / estão mudos no chão de Stalingrado.
Glória a ti pelo ar com que renovas / o que se há de cantar e se há cantado / glória às mães, honra aos filhos valorosos / e aos teus netos, invicta Stalingrado.
E glória ao legionário das estepes / àquele que comanda e ao que é soldado / honra ao céu para além da lua branca / honra ao sol, honra à luz de Stalingrado.
Guarda-me um floco de violenta espuma / guarda-me um rifle, guarda-me um arado / E que o ponham na minha sepultura / como espiga simbólica do Estado / para que saibam, se haja alguma dúvida / que morri por amar-te, sendo amado / e se não combati, por desventura / eu te ofereço esta granada obscura / este canto de amor a Stalingrado.

(“Novo Canto de Amor a Stalingrado”. Pablo Neruda. Traduzido por Oswaldo Orico).

Nenhum comentário: