A linguagem judiciária trouxe
algum embaraço ao público que acompanhava pela TV Justiça os trâmites do
processo apelidado “mensalão”. Apesar disto, das questões ali debatidas pelo procurador-geral,
pelos advogados e pelos magistrados, o essencial foi entendido, como se depreende
dos comentários publicados nos jornais. O público aguarda o acórdão e a
apreciação, pelos ministros, de eventuais recursos.
Causa estranheza julgamento por
ministro. A tarefa de julgar é de juiz e não de ministro. O público vê no
ministro de tribunal – não um juiz – e sim um auxiliar do presidente da
república como os demais componentes do ministério (sobrevivência da monarquia).
O público sabe o que é sentença, mas parece ignorar o que seja acórdão. A distinção
decorre da hierarquia judicial. Sentença
é decisão judicial ditada por juiz isolado (vara, juizado). Acórdão é decisão judicial ditada por um
tribunal. Os membros do tribunal recebem o título de desembargador (nível ordinário) e de ministro (nível superior). Reunidos em plenário, turmas ou
câmaras, julgam ações originárias (propostas diretamente no tribunal) e
recursos contra decisões de outras instâncias.
A sentença e o acórdão devem
refletir a verdade extraída das provas produzidas na instrução processual.
Diferente do cientista, o juiz não tem acesso direto ao fato, não produz a
prova, nem elabora teoria. Entretanto, suas decisões podem gerar doutrina. Entre
o juiz e o fato há distância no espaço, intervalo no tempo, intermediação dos
dados (depoimentos das partes, das testemunhas, do perito, laudos, fotografias,
gravações, escrituras e outros documentos). A ação judicial pode versar exclusivamente
questões de direito. Nesta hipótese, o que se busca não é a verdade sobre fatos
e sim a opinião do juiz cuja sentença dirá qual a norma que prevalecerá na
relação jurídica questionada no processo. Por estar revestida de autoridade
estatal soberana, a opinião do juiz ou do tribunal contida na sentença ou no
acórdão é de acatamento obrigatório e se sobrepõe à opinião pública, à opinião
dos doutores, às opiniões de parlamentares, de chefes de governo, ministros, secretários e a qualquer
outra opinião civil, militar ou religiosa. Os jurisdicionados podem discordar
da opinião judicial, mas não desobedecer. A obediência às decisões judiciais é
essencial ao vigor do sistema democrático.
A verdade judicial se diz lógica
por decorrer do trabalho intelectual do juiz sobre o que foi submetido à sua
apreciação no devido processo jurídico. A verdade se diz ontológica
quando provém da observação direta dos fatos, como no trabalho científico. A
produção da prova permite o encontro indireto do juiz com os fatos, o
enquadramento dos fatos na lei e o respectivo efeito jurídico. Tal como a
verdade científica, a verdade judicial tem caráter provisório, por isso mesmo não
transita em julgado (CPC/1973, 469, II).
A prolação da sentença supõe que
o grau de intelecção do juiz esteja no estado de certeza (derivado da
evidência) ou de opinião (derivado da probabilidade). Na esfera penal, se a
inteligência se encontrar no estado de dúvida (derivado do equilíbrio entre os
dados favoráveis e os dados contrários a uma idéia ou proposição) o juiz ditará
sentença absolutória alicerçado no adágio in
dúbio pro reo. O juiz está obrigado a
prestar tutela jurisdicional ainda que a sua inteligência se encontre no estado
de ignorância (derivado da ausência de dados). Na falta de lei, o juiz deverá
recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito (salvo na
esfera penal).
Com alguma freqüência, as sentenças judiciais espelham
mais opinião do que certeza. A probabilidade é companheira do fato jurídico, um
cálculo sobre fatores que podem desencadear efeitos juridicamente relevantes. Fatores
favoráveis a uma proposição que preponderam sobre fatores a ela contrários,
todos extraídos da postulação e da instrução processual, servem de base à
decisão judicial. A convicção do magistrado – certeza íntima advinda do
raciocínio e da intuição – assenta-se nas provas, nos motivos, idéias,
proposições e argumentos que mais impressionam o seu espírito.
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