segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

SENTENÇA E VERDADE



A linguagem judiciária trouxe algum embaraço ao público que acompanhava pela TV Justiça os trâmites do processo apelidado “mensalão”. Apesar disto, das questões ali debatidas pelo procurador-geral, pelos advogados e pelos magistrados, o essencial foi entendido, como se depreende dos comentários publicados nos jornais. O público aguarda o acórdão e a apreciação, pelos ministros, de eventuais recursos.

Causa estranheza julgamento por ministro. A tarefa de julgar é de juiz e não de ministro. O público vê no ministro de tribunal – não um juiz – e sim um auxiliar do presidente da república como os demais componentes do ministério (sobrevivência da monarquia). O público sabe o que é sentença, mas parece ignorar o que seja acórdão. A distinção decorre da hierarquia judicial. Sentença é decisão judicial ditada por juiz isolado (vara, juizado). Acórdão é decisão judicial ditada por um tribunal. Os membros do tribunal recebem o título de desembargador (nível ordinário) e de ministro (nível superior). Reunidos em plenário, turmas ou câmaras, julgam ações originárias (propostas diretamente no tribunal) e recursos contra decisões de outras instâncias.

A sentença e o acórdão devem refletir a verdade extraída das provas produzidas na instrução processual. Diferente do cientista, o juiz não tem acesso direto ao fato, não produz a prova, nem elabora teoria. Entretanto, suas decisões podem gerar doutrina. Entre o juiz e o fato há distância no espaço, intervalo no tempo, intermediação dos dados (depoimentos das partes, das testemunhas, do perito, laudos, fotografias, gravações, escrituras e outros documentos). A ação judicial pode versar exclusivamente questões de direito. Nesta hipótese, o que se busca não é a verdade sobre fatos e sim a opinião do juiz cuja sentença dirá qual a norma que prevalecerá na relação jurídica questionada no processo. Por estar revestida de autoridade estatal soberana, a opinião do juiz ou do tribunal contida na sentença ou no acórdão é de acatamento obrigatório e se sobrepõe à opinião pública, à opinião dos doutores, às opiniões de parlamentares, de  chefes de governo, ministros, secretários e a qualquer outra opinião civil, militar ou religiosa. Os jurisdicionados podem discordar da opinião judicial, mas não desobedecer. A obediência às decisões judiciais é essencial ao vigor do sistema democrático.      

A verdade judicial se diz lógica por decorrer do trabalho intelectual do juiz sobre o que foi submetido à sua apreciação no devido processo jurídico. A verdade se diz ontológica quando provém da observação direta dos fatos, como no trabalho científico. A produção da prova permite o encontro indireto do juiz com os fatos, o enquadramento dos fatos na lei e o respectivo efeito jurídico. Tal como a verdade científica, a verdade judicial tem caráter provisório, por isso mesmo não transita em julgado (CPC/1973, 469, II).

A prolação da sentença supõe que o grau de intelecção do juiz esteja no estado de certeza (derivado da evidência) ou de opinião (derivado da probabilidade). Na esfera penal, se a inteligência se encontrar no estado de dúvida (derivado do equilíbrio entre os dados favoráveis e os dados contrários a uma idéia ou proposição) o juiz ditará sentença absolutória alicerçado no adágio in dúbio pro reo. O juiz está obrigado a prestar tutela jurisdicional ainda que a sua inteligência se encontre no estado de ignorância (derivado da ausência de dados). Na falta de lei, o juiz deverá recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito (salvo na esfera penal). 

Com alguma freqüência, as sentenças judiciais espelham mais opinião do que certeza. A probabilidade é companheira do fato jurídico, um cálculo sobre fatores que podem desencadear efeitos juridicamente relevantes. Fatores favoráveis a uma proposição que preponderam sobre fatores a ela contrários, todos extraídos da postulação e da instrução processual, servem de base à decisão judicial. A convicção do magistrado – certeza íntima advinda do raciocínio e da intuição – assenta-se nas provas, nos motivos, idéias, proposições e argumentos que mais impressionam o seu espírito.

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