Dos juízes e tribunais, o povo
espera sentenças justas. Às vezes, as decisões judiciais desagradam e há
protestos nas ruas. Embora o senso de justiça seja comum aos humanos, nem todos
o vivenciam da mesma forma: agudo em uns, grave em outros; racional em uns,
emocional em outros. Os
critérios de justiça também variam segundo as tradições, as crenças, os
costumes, a religião e as leis de cada povo. A jurisdição seria um pandemônio
se a solução das demandas dependesse do subjetivismo dos postulantes e dos juízes.
Daí a necessidade de prevalecer a lei - e não a pessoal vontade do juiz - e que as
decisões sejam motivadas. A questão da justiça ou injustiça do julgamento é
essencialmente deontológica enquanto que a dinâmica processual flui no plano
ontológico onde primam objetividade e racionalidade. Nesse plano, mede-se a
justiça da sentença por sua perfeita adequação à lei. No Estado democrático
presume-se que a lei foi elaborada pelo legislador em sintonia com os valores
éticos vigentes na sociedade. Se, na sua execução, a lei revelar-se injusta,
cabe ao aplicador encontrar fórmula que possa amenizar os seus efeitos. Ao
governo, cabe revogá-la.
O princípio fundamental da
justiça é a igualdade. Os bens devem ser distribuídos de modo que cada um
receba a porção adequada ao seu merecimento e à sua necessidade. Nas relações
de troca, justiça supõe a igualdade das partes em termos pessoais. Trata-se de
chegar ao termo médio entre ganhos e perdas. Nas relações amigáveis, os
interessados estipulam livremente as cláusulas contratuais, segundo uma justiça
eqüitativa que dispensa intervenção de árbitros ou juízes. Nos contratos de
adesão esse equilíbrio não existe. Nas relações controvertidas, entra a justiça
judicial, intervenção de juízes que estabelecem medida aos interesses em jogo. Ocasional na
esfera civil, quando depende da iniciativa das partes interessadas, a justiça
judicial é sempre necessária na esfera penal para preservação da ordem pública.
Em nível coletivo, justiça consiste na eqüitativa distribuição dos bens e serviços
produzidos na sociedade, sem discriminação artificial entre as pessoas. Esse
tipo de justiça social exige ação positiva do Estado (saúde, educação,
transporte, trabalho, moradia, previdência social, assistência aos
necessitados, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, aos índios).
Entre as acepções do vocábulo justiça está a de um conjunto de órgãos
do Poder Executivo e do Poder Judiciário que funciona para tornar efetiva e
respeitada a ordem jurídica (secretaria de segurança pública, delegacia de
polícia, presídio, instituto de criminalística, defensoria pública, ministério
público, juizados, juízos de direito, tribunais). O acesso a esta justiça
orgânica pode ser visto: (I) sob o aspecto formal, quando a todos é assegurado
o direito a um julgamento justo e concedida igual oportunidade de invocar a
tutela jurisdicional e a proteção do aparelho de segurança do Estado; (II) sob
o aspecto material, quando todos recebem do Estado efetiva proteção à sua
pessoa e ao seu patrimônio e a tutela jurisdicional é prestada imparcial e
celeremente pelos juízes e tribunais. Tal acesso pode incluir o direito aos
meios necessários para se valer dessa justiça (gratuidade, patrocínio). O
direito à jurisdição permite à pessoa submeter o seu caso ao juiz ou ao tribunal
responsável pela aplicação da lei. À falta de lei disciplinadora da matéria sub
judice, o juiz recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais
do direito (LICC, 4º; CPC/1973, 126).
Objetivamente, a sentença
qualifica-se de justa quando está em sintonia com as normas jurídicas adequadas
ao caso. Os dados da realidade permitem análise sob ângulos distintos. Disto
pode resultar distintas soluções para o mesmo problema. A Constituição diz que
a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito
(CF 5º, XXXV). Significa que o paciente da lesão ou da ameaça pode recorrer ao
Poder Judiciário, invocar a tutela jurisdicional para restabelecer o direito ou
se livrar da ameaça. A promessa implícita naquele preceito é a de exame
imparcial de qualquer questão, ainda que condicionado a prévio exame
extrajudicial, como nas questões esportivas (CF 217, §1º).
A sentença se diz formalmente justa quando situada nos parâmetros do devido processo
legal; a sentença se diz substancialmente justa quando distribui aos litigantes
os bens que realmente lhes pertencem e lhes reconhece direitos de que
efetivamente são titulares. De um modo geral, a parte vencedora qualifica de
justa a sentença, enquanto a parte vencida a entende injusta. Em grau de
recurso, o tribunal pode adotar o ponto de vista do vencido e modificar a
sentença. Assim, o que era justo em primeiro grau torna-se injusto em segundo
grau, mas pode voltar a ser justo em terceiro grau de jurisdição. Medir
subjetivamente o valor justiça nas decisões judiciais gera controvérsia
infindável. Esse valor tem três domicílios: o legal, o sentimental e o ideal.
No domicílio legal o justo varia segundo a interpretação dada à lei pelo juiz,
pelo tribunal ordinário e pelo tribunal superior. Nos demais domicílios, o
justo é sentido pelo coração ou decidido pela inteligência de cada indivíduo.
Só a justiça divina é perfeita, mas até quem a sofre como castigo pode se achar
injustiçado.
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