sábado, 8 de dezembro de 2012

POESIA



Cada coisa a seu tempo tem seu tempo / não florescem no inverno os arvoredos / nem pela primavera / têm branco frio os campos. / À noite que entra não pertence, Lídia / o mesmo ardor que o dia nos pedia. / Com mais sossego amemos / a nossa incerta vida. / À lareira, cansados não da obra / mas porque a hora é hora dos cansaços / não puxemos a voz acima de um segredo / e casuais, interrompidas sejam  / nossas palavras de reminiscência / (não para mais nos serve / a negra ida do sol). / Pouco a pouco o passado recordamos / e as histórias contadas no passado / agora duas vezes / histórias que nos falem / das flores que na nossa infância ida / com outra consciência nós colhíamos / e sob uma outra espécie / de olhar lançado ao mundo. / E, assim, Lídia, à lareira, como estando / deuses lares, ali na eternidade / como quem compõe roupas / o outrora compúnhamos / nesse desassossego que o descanso / nos traz às vidas quando só pensamos / naquilo que já fomos / e há só noite lá fora.
(“Odes”. Ricardo Reis, pseudônimo de Fernando Pessoa).

Nasce um deus. Outros morrem. A Verdade / nem veio nem foi; o Erro mudou. / Temos agora uma outra Eternidade / e era sempre melhor o que passou. / Cega, a Ciência a inútil gleba lavra. / Louca, a Fé vive o sonho do seu culto. / Um novo deus é só uma palavra. / Não procures nem creias: tudo é oculto.
(“Natal”. Fernando Pessoa).

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