Cada coisa a seu tempo tem seu
tempo / não florescem no inverno os arvoredos / nem pela primavera / têm branco
frio os campos. / À noite que entra não pertence, Lídia / o mesmo ardor que o dia
nos pedia. / Com mais sossego amemos / a nossa incerta vida. / À lareira,
cansados não da obra / mas porque a hora é hora dos cansaços / não puxemos a
voz acima de um segredo / e casuais, interrompidas sejam / nossas palavras de reminiscência / (não para
mais nos serve / a negra ida do sol). / Pouco a pouco o passado recordamos / e
as histórias contadas no passado / agora duas vezes / histórias que nos falem /
das flores que na nossa infância ida / com outra consciência nós colhíamos / e
sob uma outra espécie / de olhar lançado ao mundo. / E, assim, Lídia, à
lareira, como estando / deuses lares, ali na eternidade / como quem compõe
roupas / o outrora compúnhamos / nesse desassossego que o descanso / nos traz
às vidas quando só pensamos / naquilo que já fomos / e há só noite lá fora.
(“Odes”. Ricardo Reis, pseudônimo
de Fernando Pessoa).
Nasce um deus. Outros morrem. A
Verdade / nem veio nem foi; o Erro mudou. / Temos agora uma outra Eternidade /
e era sempre melhor o que passou. / Cega, a Ciência a inútil gleba lavra. /
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto. / Um novo deus é só uma palavra. / Não
procures nem creias: tudo é oculto.
(“Natal”. Fernando Pessoa).
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