Li hoje quase duas páginas / do
livro dum poeta místico / e ri como quem tem chorado muito. / Os poetas
místicos são filósofos doentes / e os filósofos são homens doidos. / Porque os
poetas místicos dizem que as flores sentem / e dizem que as pedras têm alma / e
que os rios têm êxtases ao luar. /
Mas as flores, se sentissem, não
eram flores / eram gente; / e se as pedras tivessem alma, eram coisas vivas,
não eram pedras; / e se os rios tivessem êxtases ao luar, / os rios seriam homens
doentes. /
É preciso não saber o que são
flores e pedras e rios / para falar dos sentimentos deles. / Falar da alma das
pedras, das flores, dos rios, / e falar de si próprio e dos seus falsos
pensamentos. / Graças a Deus que as pedras são só pedras / e que os rios não
são senão rios / e que as flores são apenas flores. /
Por mim, escrevo a prosa dos meus
versos / e fico contente, / porque sei que compreendo a natureza por fora; / e
não a compreendo por dentro / porque a natureza não tem dentro; senão, não era
a natureza.
(“O Guardador de Rebanhos”. Alberto Caieiro,
pseudônimo de Fernando Pessoa).
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