A constituição escrita do Estado
tem origem autocrática quando
elaborada e posta em vigor pelo individuo ou grupo que detém o poder
constituinte, sem a participação do povo. O documento daí resultante
denomina-se Carta (autor e destinatário
distintos). A constituição tem origem democrática
quando emana dos representantes do povo reunidos em assembléia constituinte. O
documento daí resultante denomina-se Constituição
(autor e destinatário se confundem). Depois da independência política, o
Brasil regeu-se por três cartas (a imperial de 1824 e as ditatoriais de 1937 e
1967) e quatro constituições (as republicanas de 1891, 1934, 1946 e 1988).
Na França e na Inglaterra a
supremacia é da lei tendo em vista a
soberania da assembléia nacional francesa e do parlamento inglês. No Brasil,
assim como nos EUA, a supremacia é da constituição.
Embora também seja uma lei jurídica, a constituição é considerada
hierarquicamente superior. Nesse modelo, não há lei igual ou acima da
constituição. Todas as leis lhe são subordinadas. A forma e a substância das
leis não podem discrepar dos cânones constitucionais. Os juízes e tribunais
podem declarar inconstitucionais as leis elaboradas por órgão incompetente, ou
fora do devido processo legislativo, ou de modo contrário ao conteúdo da
constituição. Em conseqüência, tais leis perdem a eficácia. Em países europeus
como Alemanha e Portugal há tribunais constitucionais para resolver questões
relativas ao ajuste das leis à constituição.
Modestino, jurisconsulto romano
citado por Tomas de Aquino, diz: o fim da
lei humana é a utilidade dos homens (Digesto
I, 3). O frei dominicano acrescenta: a
lei humana deve ser ordenada ao bem comum da cidade. (Des Lois. Paris. Egloff, 1946, pág. 170/174).
Quando isto não acontece, o povo pode excluir do ordenamento jurídico a lei
viciada, quer por via pacífica, quer pelo uso da força. No Brasil, percorre-se
a via pacífica de dois modos: o político e o jurisdicional. O controle
político se faz no processo legislativo: (I) antes de o projeto ser
promulgado como lei, mediante atuação da comissão de constituição e justiça das
casas legislativas, ou mediante veto do presidente da república; (II) após a
promulgação, mediante nova lei de iniciativa parlamentar ou do presidente da
república, que revoga a lei anterior inquinada de inconstitucionalidade. O controle
jurisdicional se faz após a promulgação da lei. Há controle difuso feito por juizes e tribunais no curso de ações
judiciais, quando a constitucionalidade da lei é questionada de modo
incidental. Há controle concentrado
quando a constitucionalidade da lei é a questão principal, objeto de ação
específica perante o supremo tribunal.
A constituição jurídica é estável
por natureza, tendo em vista o seu caráter estrutural. Todavia, não é imutável.
Pode ser reformada pelo legislador ordinário sem depender da convocação de
assembléia constituinte. No Brasil, o processo de reforma tem rito especial,
tramita pelo Congresso Nacional e se instaura por iniciativa do chefe de
governo, dos membros do legislativo federal ou das assembléias estaduais.
Veda-se emenda à constituição em períodos anômalos (intervenção federal, estado
de defesa, estado de sítio) ou quando a proposta de reforma tende a abolir a
forma federativa de Estado, a separação dos poderes, os direitos e garantias
individuais, o voto direto, secreto, universal e periódico.
O legislador ordinário costuma exceder-se no exercício
dessa competência. Ao invés de ajustar a política governamental à constituição,
faz o inverso: ajusta a constituição aos interesses conjunturais. Ao invés de
regulamentar em lei o dispositivo da emenda, regulamenta-o no próprio corpo da
emenda. Com esse artifício, evita que a matéria de lei seja submetida ao crivo
do presidente da república. Ao invés de convocar assembléia constituinte para
mudar total ou parcialmente a estrutura do poder judiciário, reforma-o
diretamente. O legislador ordinário se põe acima do judiciário, quando ambos
derivam da mesma fonte soberana: o poder constituinte. Quebra a harmonia do
sistema. Ignora cláusula pétrea. Faz tabula rasa do princípio da separação dos
poderes.
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