segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

LIBERDADE PARA OS CONDENADOS
Antonio Sebastião de Lima

O Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria dos seus membros, decidiu (quinta-feira, 05/02/09) que condenado algum deverá ser preso antes de a sentença judicial transitar em julgado. Mediante tal decisão, o Brasil confirma a sua fama internacional de paraíso dos criminosos. A nova orientação apoiou-se no enunciado constitucional que presume a inocência do réu: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (CF 5º, LVII). Diante disso, juízes e tribunais não mais poderão expedir ordem de prisão contra os condenados até que a sentença transite em julgado, o que pode demorar muitos anos e propiciar a prescrição da pena aplicada. Impunidade garantida.

Antes dessa infeliz e nociva decisão, a sentença penal recorrível produzia dois efeitos principais: a imediata prisão do réu e o lançamento do seu nome no rol dos culpados, consoante os incisos I e II, do artigo 393, do Código de Processo Penal (CPP). Admita-se, para conceder menor elasticidade à polêmica, que o preceito constitucional pudesse impedir o lançamento do nome do condenado no rol dos culpados antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Circunscreva-se a polêmica à ordem de prisão. O entendimento de que o mencionado preceito constitucional impede a prisão do condenado afigura-se exagero prejudicial à segurança da sociedade e ao poder jurisdicional dos juízes e tribunais.

O processo criminal tem por finalidade apurar a responsabilidade dos réus. A sentença os absolverá ou os condenará. Em termos lógicos, a presunção de inocência se esgota com a sentença absolutória ou condenatória. Presunção significa opinião incerta, conjectura sobre a verdade de algo até prova em contrário. Quando essa prova é realizada sob a tutela jurisdicional, a presunção cede lugar à certeza decorrente do contraditório e da ampla defesa. A reforma da sentença por tribunal superior é mera probabilidade que não afasta a autoridade do julgado.

Com a citada decisão do STF, a prisão não mais será efeito da sentença recorrível. O artigo 393 do CPP, que vigorou por 67 anos e 4 meses (outubro de 1941 a fevereiro de 2009) e que havia se incorporado à doutrina e à jurisprudência, passa de compatível a incompatível com a Constituição de 1988. Só depois de 20 anos de vigência da Constituição é que a maioria do STF considerou inconstitucional aquele dispositivo legal, estimulada pelo episódio Daniel Dantas. Os votos vencidos reconheceram a compatibilidade e a necessidade da prisão; colocaram o interesse público acima do interesse particular dos condenados. Os votos vencedores mantiveram coerência com a escandalosa decisão proferida no habeas corpus que favoreceu Dantas. O STF tirou dos juízes e tribunais o poder de mandar prender os condenados imediatamente, o que tipifica uma capitis deminutio. A decisão do STF abre ensejo à liberdade de todos os condenados que ainda não tiveram sentença penal transitada em julgado. Os juízes deverão de ofício (CPP 654, 2º) expedir alvarás de soltura, porque tais prisões, após a decisão do STF, passaram para a ilegalidade. Centenas ou milhares de bandidos serão soltos e quiçá não voltem à prisão pelo crime cuja prática justificou a condenação.

No que tange à prisão temporária e à prisão preventiva, a competência dos juízes para decretá-las foram mantidas pelo STF, por enquanto. A prisão temporária pode ser decretada pelo juiz, porém está limitada ao inquérito policial e pelo prazo estipulado na lei (5 dias). A prisão preventiva está limitada ao inquérito policial e à instrução criminal. Ambos os tipos de prisão são provisórios. Eis aí a contradição contida na decisão da maioria dos ministros. Se o juiz pode o mais (decretar a prisão mesmo antes de instaurado o processo criminal) pode o menos (decretá-la após encerrada a instrução criminal). A contradição faz transparecer o conteúdo político da decisão: prestigiar o presidente do STF no episódio Dantas; assegurar a liberdade de Dantas e de outros assemelhados que respondem a processo criminal; exibir o poder do STF sobre todos os juízes e tribunais do país. O STF mostrou a sua veia autoritária e protetora dos interesses da aristocracia. Não recuou ante o efeito pernicioso da sua decisão: abrir as portas de saída para todos os condenados com sentença ainda não transitada em julgado. Se Fernandinho Beira-Mar e outros bandidos notórios estiverem nesta situação, deverão ser postos em liberdade imediatamente.

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