sábado, 24 de janeiro de 2009

CREPÚSCULO EM IPANEMA
Antonio Sebastião de Lima
Professor e juiz de direito aposentado (RJ)

Praia de Ipanema. Entardecer. Sol baixando lentamente na linha do horizonte. Da Pedra do Arpoador ao Jardim de Alá, com os rostos voltados para o ponto ocidental crepuscular, as pessoas aplaudem. A menina pergunta aos pais o motivo daquele aplauso. Certamente, para ela, o Sol se por no horizonte era muito natural. Isto acontecia todos os dias. A mãe ficou embaraçada. Simplesmente, disse que as pessoas aplaudiam porque era bonito. Pela cor da pele e pelos modos, via-se que pais e filha eram turistas. Brasileiros de outros rincões e estrangeiros não entendem, de imediato, o comportamento do carioca.
A natureza oferece belos espetáculos. A vontade é de aplaudir, como em tudo que provoca, de forma agradável, o senso estético no ser humano. Espetáculo ao vivo. O momento é mágico, principalmente para aqueles que cultivam as coisas do espírito. Cores maravilhosas no céu. Pintura ao natural. O pintor está oculto, mas a sua presença é sentida. Breve êxtase coletivo. Seguem-se os aplausos e vibrações de alegria. Desaparecem as diferenças, por um instante. Pretos, brancos, mestiços, ricos, remediados, pobres, cristãos, judeus, muçulmanos, perdem a noção da individualidade. Estão irmanados no mesmo sentimento e no mesmo culto à beleza. Mar, areia, montanha formam o templo de adoração sob a abóbada celeste.
Comungar com a natureza é comungar com Deus. As gerações futuras podem não se empolgar com esse espetáculo. Coisa de gente boba, dirão. A tela do computador tornará as retinas opacas aos estímulos da luz natural. Os olhos habituar-se-ão ao mundo virtual. Amortecidos, perdem a sensibilidade para os dois mundos: natural e moral. O amortecimento gerado por outros fatores já mostrou suas conseqüências. Exemplo: a zona sul da cidade do Rio de Janeiro, uma das mais belas regiões do planeta, transformou-se em monturo. O carioca se extasia por um segundo ao crepúsculo depois de passar o dia sujando a cidade. O malandro fica na dúvida se aproveita a distração do pessoal ou se contempla o espetáculo. Como já o contemplou ontem, decide aliviar as pessoas dos seus pertences, à vezes com jeitinho, como recomenda a delicadeza daquela experiência comunal, às vezes com truculência.
Nos gabinetes, sob luz artificial e ar condicionado, homens de negócios e autoridades públicas estudam estratégias para aliviar, dos seus pertences, as camadas médias e pobres da sociedade. Nas sessões dos tribunais, transmitidas pela TV, juízes entram em discussões bizantinas e se estendem em seus votos, nutrindo vaidades. Às vezes, levam dias para julgar um único processo. Enquanto isso, o volume de processos, aguardando a vez, cresce como massa de pão bem fermentada. A prestação jurisdicional tarda. A norma sobre celeridade, introduzida com a reforma do Judiciário e que tanta esperança despertou, resta letra morta. Sem disposição e vontade do magistrado não há norma que frutifique.
Neste ano de 2009, completa 30 anos o processo em que o jornal “Tribuna da Imprensa” reclama indenização pelos danos sofridos durante o regime militar. Em primeiro grau, a ação recebeu sentença em tempo razoável. Nos outros graus de jurisdição, trâmites vagarosos. Depois de 3 anos com os autos em seu poder, sem qualquer impulso, o relator (ministro Joaquim Barbosa) se dá por impedido! A demora não se deve ao Judiciário, exclusivamente, pois tal ação exige a intervenção da Procuradoria da União e da Procuradoria da República. Além disso, há notícia de omissão dos antigos patronos da causa no estágio da perícia. Entretanto, o impulso do processo é oficial. Outro caso: o agravo regimental no MI 860 aguarda, desde 04/09/2008, despacho do relator (ministro Marco Aurélio), apesar de o Mandado de Injunção (MI) constar do rol das ações prioritárias. A informatização no Poder Judiciário serve para informar ao usuário, em 30 segundos, de que determinada ação receberá solução definitiva em 30 anos.

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