sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

DEMOCRACIA E CAPITALISMO
Antonio Sebastião de Lima

A igualdade é o artifício mental que fundamenta a democracia. A desigualdade é o fato natural que fundamenta o capitalismo. Na dinâmica social, a coerência ocupa lugar modesto. Democracia e capitalismo convivem na sociedade. Poder político mescla-se com poder econômico e vice-versa. A divergência no plano teórico e a convergência no plano existencial foi tema desenvolvido por Lester C. Thurow, professor de economia, em “O futuro do capitalismo” (Rio, Rocco, 1997, pág.312). A Revista da EMERJ publicou artigo em que se lê: “A desejável coincidência entre ser e dever-ser no plano social está sujeita à lei do movimento (que inclui a desobediência e a revogação). A mutação, fenômeno comum à natureza e à cultura, responde pelo caráter transitório das construções humanas” (volume 10, nº 37, 2007, pág.76). Por isso, Aristóteles privilegiou a lógica formal (estabilidade) e se dedicou menos à dialética (fluidez). No mutável, a contradição faz o seu ninho, sem escândalo. Isto explica o convívio, no bojo da Constituição, de princípios contrários.
Apesar do seu caráter individualista, o capitalismo conviveu com o sistema feudal europeu até suplantá-lo e extingui-lo (os primórdios do capitalismo situam-se no século XII). A ambição é a força motriz do sistema capitalista. O lucro, seu objetivo. A liberdade econômica, o seu ambiente mais propício e que enseja a concorrência. Suplantar ou destruir aquele que estiver no mesmo ramo de negócio faz parte do jogo econômico. Quem tiver mais poder de compra terá maior parcela de poder social. Os donos do capital e das finanças ditam as regras do jogo. A democracia moderna resultou de uma revolução feita por eles e no interesse deles, na Europa do século XVIII, em defesa da liberdade individual e do reconhecimento da igualdade jurídica de todos os homens. Os privilégios da nobreza e do clero foram extintos. Segundo o ideário democrático, os cidadãos participam das decisões políticas e da escolha dos governantes. Cada cidadão, um voto. Cada voto, valor igual. O governo do povo, pelo povo, tem por escopo a realização do bem comum. Os direitos fundamentais (individuais e coletivos) servem de farol e de limite à ação dos governantes. Autoridades corruptas ou arbitrárias podem ser afastadas do governo por iniciativa dos cidadãos.
Do combate às desigualdades materiais geradas pelo sistema capitalista resultou um modelo de Estado com normas de proteção aos trabalhadores (século XX). Influíram na formação desse modelo: (i) a doutrina da Igreja Católica exposta na encíclica Rerum Novarum (ii) as teorias socialistas divulgadas na mesma época (século XIX). Para conservar riqueza e posição social preeminente, os donos do capital e das finanças cederam alguns anéis. Com a implosão da URSS, querem os anéis de volta aos gordos dedos. Livres da ameaça comunista, os donos do capital e das finanças se insurgiram contra as normas protetoras dos trabalhadores. A selvageria darwiniana transita da esfera econômica para a política. As campanhas eleitorais mostram bem esse fato. Capital e posição social preeminente asseguram poder político e apoio do Estado ao mundo financeiro. Na atual crise, o sistema capitalista, para continuar vivo, recebeu estupenda ajuda do governo de diversos países. Bastava 1% (um por cento) dessa ajuda para resolver o problema mundial dos que passam fome.Havia um espinheiro oculto na economia global. A bolha financeira foi crescendo, crescendo, tocou no espinho e estourou. Perplexidade geral. O mundo industrializado entra em crise. As políticas monetárias e fiscais utilizadas nos colapsos do mercado de ações (1929) e bancário (1930) e em outras crises, como a da poupança e empréstimos (EUA), a da exagerada valorização dos imóveis (anos 80) e a da queda no mercado japonês de ações (anos 90), estão sendo aplicadas na crise de 2008. De modo traumático e dramático, ficou constatado que a instabilidade financeira inerente ao sistema capitalista tem sua força motriz na ganância e na malandragem. A história econômica mostra a seqüência cíclica: prosperidade, recessão e retomada do crescimento. Na recessão, trabalhadores são demitidos. Faltam empregos. Decrescem: a produção de bens, as rendas e o poder de compra. Encolhem: o crédito e os investimentos. Os governos reagem: cortam tributos, baixam as taxas de juros, incentivam gastos e injetam recursos nos setores financeiro e produtivo. A população que passa agruras seria poupada se a decisão política fosse a de injetar recursos no setor social. O governo enfrentaria a reação do mundo financeiro com galhardia: “o ser humano tem prioridade; o equilíbrio das instituições financeiras virá depois”. No caso do Brasil, a solução humanitária não agravaria a crise mundial.

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