A descoberta de uma carta escrita em 1954, por Einstein, destinada a um alemão chamado Eric Gutkind, foi notícia neste mês de maio (O Globo). A carta estava há 50 anos na posse de um colecionador. Manuscrita em alemão, foi leiloada em Londres por 400 mil dólares, conforme publicou o jornal Tribuna da Imprensa (17/05/2008). De acordo com as notícias, na referida carta Einstein se confessa judeu pela raça e não pela religião e diz que: (i) o povo judeu não é o escolhido de Deus e só se diferencia dos outros povos porque livre do poder, o pior tipo de câncer (ii) a religião judaica e demais religiões encarnam superstições (iii) a Bíblia é uma coleção de lendas primitivas e infantis, embora bem intencionadas (iv) a palavra Deus é a expressão e o produto das fraquezas humanas.
O especialista inglês (Universidade de Oxford) diz ignorar a existência da carta. O leiloeiro inglês atesta a autenticidade da carta. O comprador acreditou. Pondere-se que Einstein era autoridade em Física e nada via de excepcional na teoria da relatividade. Cuida-se de teoria do movimento no espaço e no tempo, com base na Física Matemática, segundo a qual, somente o movimento relativo pode ser comprovado e medido (W. Brugger, Dicionário de Filosofia, SP, Pedagógica e Universitária, p.353). No livro “ABC da Relatividade”, B. Russell adverte sobre o equívoco de se universalizar o conceito de relatividade (Rio, Jorge Zahar, 2005, p.29). Einstein não descarta a idéia de movimento absoluto. No seu livro “Como Vejo o Mundo” (Rio, Nova Fronteira), diante das imutáveis leis do universo e da inteligência que delas emana, ele sente a necessidade lógica da existência de Deus. Para ele, o universo é uma ordenação inteligente onde o acaso não tem lugar. Daí, a metáfora do jogo de dados. Carta de Einstein para Max Born: “Você acredita num Deus que joga dados e eu, em lei e ordem absolutas” (Ian Stewart, Será que Deus Joga Dados? Rio, Jorge Zahar, 1991, p.7). Referindo-se à nova matemática do caos, Ian Stewart assim se expressa: “Estamos começando a descobrir que sistemas que obedecem a leis imutáveis e precisas nem sempre atuam de formas previsíveis e regulares (...) A questão não é tanto se Deus joga dados, mas como ele o faz” (p.8).
Quanto à religião, a posição de Einstein identifica-se com a dos pensadores deístas que se manifestam, desde o século XVI, na Inglaterra e Alemanha. Para esses pensadores, Deus cria o universo, nele projeta sua inteligência e não mais interfere. Já para os pensadores teístas, Deus cria e se mantém ligado ao universo, nele interferindo mediante a providência. Afigura-se trivial a assertiva de que a fraqueza humana seja um dos componentes da crença em Deus. Desde prístinas eras, as religiões exploram essa fraqueza, lidam com a metafísica, com o mundo da fantasia e com a fé cega. O medo e a ignorância se tornaram os pilares da religião, fortalecidos pelo clericalismo. A opinião de Einstein mostra-se correta. A Bíblia é mesmo uma coleção de contos da carochinha. Segundo Thomas Hobbes (1588-1648) os livros atribuídos a Moisés foram escritos por um erudito judeu de nome Esdras, por volta do ano 400 AC. Declarando que os originais haviam sido queimados, Esdras pede a Deus que o inspire a reescrever os livros (Leviatán, Madri, Editora Nacional, 1979, p.453). Percebe-se, dos livros bíblicos, inclusive do que leva o nome de Esdras, a intenção de obter a obediência de um povo rude e licencioso, ameaçando-o com a cólera divina. No livro “O Evangelho da Irmandade”, o personagem Zenon refere-se a esse episódio (A S Lima, Resende, RTN Editora, 2007, p.127).
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