quinta-feira, 15 de maio de 2008

Coisas da magistratura

A proposta de emenda à Constituição (PEC) nº 457/2005, visa a permanência do juiz no exercício da judicatura após os 70 anos de idade. Falta a contrapartida: incluir, na PEC, norma compensatória como direito dos jurisdicionados à célere e eficiente tutela jurisdicional. O teor da norma pode ser este: “O artigo 93, inciso VI, passa a vigorar com a seguinte redação: a aposentadoria dos magistrados e a pensão dos seus dependentes atenderão ao disposto no artigo 40, observado o que segue: (a) os magistrados permanecerão em atividade enquanto o estado de saúde permitir o normal desempenho da judicatura, independentemente de limite de idade; (b) nos tribunais, será compulsoriamente aposentado o magistrado que, por motivo de saúde, força-maior, acúmulo de serviço ou qualquer outro, deixar de devolver os autos do processo até a segunda sessão seguinte ao pedido de vista; (c) na hipótese da letra anterior, o presidente do tribunal, sob pena de responsabilidade, expedirá o ato da aposentadoria imediatamente após a exaustão do prazo para devolução dos autos; (d) a aposentadoria compulsória dar-se-á, também, após o segundo pedido de licença para tratamento de saúde no mesmo ano”.

Os juízes acumulam valiosa experiência na judicatura. Aposentá-los em razão da idade significa duplo prejuízo: (i) perda da experiência e do conhecimento acumulados (ii) gasto em dobro, pois o Estado continuará a pagar o juiz aposentado e terá de pagar o juiz que ocupar a vaga. A melhor solução consiste na ausência de limite máximo para aposentadoria do magistrado, como acontece na Suprema Corte dos EUA. Os magistrados devem permanecer na ativa enquanto bem servirem à nação. Aplica-se, aqui, o adágio de Cícero: os vinhos bons ficam melhores quando velhos. Com os atuais recursos da medicina, não há restrição à atividade física moderada e ao trabalho intelectual após os 70 anos de idade. Há testemunho disso em diversas atividades (advocacia, jornalismo, política).

Contra a PEC, alega-se que o aumento do limite máximo “inviabiliza a renovação dos quadros da cúpula dos tribunais, causando assim a paralisação do processo de criação e renovação da jurisprudência, além de prejudicar a modernização das práticas gerenciais”(AMB Informa, nº 103, março/2008, p.3). O argumento discrepa da realidade forense. O adventício se incorpora ao modo de funcionar do órgão judicante e adere a uma das distintas correntes sobre questões jurídicas que ali se confrontam. A permanência dos juizes por mais tempo no primeiro grau contribui para a maturidade profissional. A marcha acelerada para chegar ao tribunal é inconveniente e dispensável. Quanto à gerência, os tribunais acompanham a evolução tecnológica, independentemente da idade dos seus membros. Funcionários e empresas bem qualificadas auxiliam com idéias e técnicas inovadoras. Supor que, no juiz, o potencial criativo se esgota aos 70 anos de idade, implica muito preconceito e pouca ciência. A criatividade não está sob domínio de Cronos. Arquitetos, músicos, escritores, políticos, entre outros, apesar da idade avançada, continuam criativos. Aliás, na maioria das ações judiciais, quanto menos “criatividade” do juiz, tanto mais segurança dos jurisdicionados. Ao bom juiz basta a boa saúde para situar-se no seu tempo e decidir de acordo com a sua consciência, com base na prova, na lei, na Constituição e nos princípios gerais de direito.

Na idade provecta, a ciência tende a se aliar à sabedoria. Na certeza do magistrado jovem, dura lex sed lex. Na opinião do magistrado experiente, lex sem jurisprudentiae é formalismo cômodo. A jurisprudentiae advém da maturidade, do “saber de experiência feito” (Camões). O presidente do Tribunal Regional Eleitoral/RJ diz ser triste a moralidade necessitar de lei (“O Globo”, 1º cad., 04/05/2008, p.3). O Ministro Paulo Brossard, advogado octogenário, da tribuna do Supremo Tribunal Federal, no debate sobre titularidade do mandato eletivo e a necessidade de lei para exigir moralidade aos políticos, indagava: “é preciso lei?”. A tristeza do desembargador e a perplexidade do ministro revelam um substrato inquietante: a incapacidade dos magistrados de interpretar o direito em horizonte mais amplo do que a letra da lei. Parece que, se não houver lei dizendo expressamente que o bem deve prevalecer, a prática do mal será permitida até que seja promulgada lei que a proíba.

Sob a ótica da isonomia na prestação da tutela jurisdicional, a afirmação de que certo processo é o “mais importante da história deste tribunal” afigura-se inconveniente. O escalonamento há de ficar a cargo dos historiadores. O enfoque de cada avaliador pode suscitar divergência.

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