domingo, 10 de fevereiro de 2008

Política e delinqüência

POLÍTICA, ECONOMIA E DELINQÜÊNCIA.

O processo seletivo de políticos se estende de uma eleição a outra. Durante a convenção dos partidos, no Brasil, os delegados escolhem os candidatos. A seguir, os partidos habilitam, na Justiça Eleitoral, os candidatos escolhidos na convenção. Abre-se prazo para partidos, candidatos e eleitores impugnarem o pedido de registro das candidaturas. Juízes e tribunais eleitorais examinam e julgam o pedido, concedendo ou negando o registro. A seguir, cabe ao eleitor escolher, dentre os candidatos registrados, aqueles que irão exercer as funções legislativa e executiva. Escolhas infelizes ou perversas nas convenções partidárias e nas eleições colocam pessoas moralmente desqualificadas nos mais altos postos da República. Após a diplomação do eleito, o mandato pode ser impugnado perante a Justiça Eleitoral nas hipóteses de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. No âmbito do Legislativo, os desvios de conduta dos eleitos são objeto de processo parlamentar cujo desfecho pode ser a perda do mandato. A derradeira fase do processo seletivo está na eleição seguinte. O eleitorado pode negar voto aos políticos que no mandato anterior se revelaram mentirosos, corruptos, contrários aos interesses do povo.

Sobre avaliação do político pelo eleitor, há um fato interessante ocorrido nos EUA. Contrariando parecer do presidente do Banco Central, o presidente dos EUA, G. W. Bush, no seu primeiro mandato, insistiu em cumprir o que prometera ao eleitorado, principalmente, cortar tributos. Um dos fatores da sua reeleição foi essa disposição de cumprir promessas de campanha, além da fraude na Califórnia. No livro “A Era da Turbulência”, Alan Greenspan narra esse fato, embora não tire a mesma conseqüência. Greenspan mostra-se mais preocupado em orientar a economia mundial e exibir a excelência do capitalismo praticado nos EUA. Encobre a instabilidade e a desumanidade desse regime econômico ao glorificar a teoria da “destruição criativa”. Cuida-se de pretensiosa expressão acadêmica para um fenômeno comum de geral sabença: a alternância entre criatividade e obsolescência no curso da história, processo este que se intensificou a partir do século XX, inclusive. Ajusta-se, ao capitalismo, onde impera a lei da selva, a conhecida asserção de Hobbes: o homem é o lobo do homem. Países europeus tentam amenizar a exploração do homem pelo homem e civilizar o capitalismo, regulamentando a atividade econômica e instituindo ampla seguridade social. Ficam a meio-caminho entre a planificação total da economia e a plena liberdade de mercado. Esta última tem gerado alto padrão de vida para escassa minoria, bom padrão para classe intermediária, pobreza e miséria para a maioria da população. O desemprego exige políticas específicas. A competição pelo emprego acirra o ódio contra os imigrantes e fomenta o racismo. O capitalismo selvagem não tem compromisso com a moral, indiferente à justiça social, ao bem-estar de todos e à solidariedade. O seu deus é o dinheiro. A sua prece é fórmula matemática que aumente a riqueza individual. A indústria lança produtos (remédios, alimentos, bebidas, brinquedos) cujo consumo prejudica a saúde de crianças, jovens e adultos. O recente episódio, no Brasil, do leite adulterado com soda cáustica e água oxigenada ilustra bem essa realidade. Os agentes fiscais do Estado, devidamente propinados, permitem a circulação desses produtos. Quando o fato é descoberto, tem lugar a caça às bruxas, mas sem abalar o sistema. O lucro a qualquer custo é a mola do sistema. O capitalista, o político e o burocrata assumem o risco do crime, confiantes na impunidade. Não se afetam com a descoberta da ação delituosa, desde que tenham lucrado o suficiente.

Professor da Universidade Federal de Pernambuco, em entrevista concedida ao jornal “O Globo” (28.10.07), apoiado em suas próprias pesquisas, diz que há crimes que nascem à margem do Estado e procuram atores no Estado para criar laços cooperativos (Itália) e que há crimes que nascem dentro do Estado (Brasil). Estes últimos incluem juízes que vendem sentenças, promotores que não denunciam certas pessoas, policiais que atrapalham ou impedem investigações, prefeitos que fraudam licitações em conluio com empresas privadas. Afirma que o Estado brasileiro é parcialmente bandido. Realmente, ações criminosas acontecem no Legislativo, no Executivo, no Judiciário, na administração direta e indireta. O crime ocorre em âmbito nacional e internacional. Trata-se de fenômeno humano. A partir do momento em que os seres humanos passam a classificar as condutas em lícitas e ilícitas, surgem as figuras do crime, do criminoso e da vítima. O ilícito é visto como conduta nociva à sociedade. Penalidades são estabelecidas para quem, por ação ou omissão, adentra a ilicitude. O ilícito civil, de sanções amenas (reparação, indenização) aparta-se do ilícito criminal, de sanções drásticas (morte, mutilação, prisão, trabalhos forçados, ostracismo). Do ponto de vista subjetivo, a origem do crime está no ser humano, nos seus instintos e tendências, na sua conduta dolosa ou culposa que ameaça ou fere direito alheio. As regras morais e jurídicas funcionam como freios inibitórios. Quando o ímpeto, a paixão, o ódio, a ambição, a negligência, a imprudência, superam os freios inibitórios, o agente invade a área do ilícito. Do ponto de vista objetivo, a origem do crime pode estar (i) na existência de bens que despertam a cobiça do agente e que se lhe mostram inacessíveis pelas vias legais; (ii) nas relações problemáticas que trava com os parentes e estranhos; (iii) nas relações sociais e econômicas que se lhe mostram adversas.

No mundo moderno, a lei penal, posta pelo Estado, define as condutas consideradas criminosas. O crime pode ser cometido por uma, duas ou mais pessoas. A pluralidade de agentes tipifica organização criminosa quando são estáveis os laços associativos, com comando, planejamento e divisão das tarefas e das vantagens. Algumas organizações criminosas dispõem do seu próprio aparelho de justiça para garantir a vigência das suas regras. Parlamentares, chefes de governo, magistrados, ministros, secretários, promotores, delegados, policiais civis e militares, serventuários da justiça e funcionários em geral, podem se acumpliciar na prática de delitos. Da cumplicidade podem participar pessoas estranhas ao organismo estatal, o que caracteriza a sociedade criminosa de composição mista (agentes públicos, banqueiros, empreiteiros, publicitários, industriais, membros de partidos políticos). Bandido, pois, não é o Estado. Bandidos são os agentes públicos (políticos e administrativos) e seus cúmplices, que atuam contra o bem da coletividade em benefício próprio e/ou de terceiros. O objetivo da organização criminosa pode ser o de provocar corrupção e/ou dela tirar proveito, criar ou aumentar tributos a fim de desviar a verba arrecadada para cofres particulares, apropriar-se do patrimônio do Estado, adulterar produtos, fraudar licitações, explorar o lenocínio, traficar mulheres, crianças, drogas, armas, animais, plantas e minerais preciosos.

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