domingo, 17 de agosto de 2025

PUNIBILIDADE

A civilização resultou da experiência de milhões de anos de vida em grupo neste planeta para domesticar a fera humana. A domesticação ocorre no contínuo processo civilizatório desde o longínquo passado, quando as comunidades primitivas se organizam em cidades, até o presente, quando as nações se engalfinham em guerras com inovações tecnológicas e em batalhas nos campos das comunicações e das ideologias. Ante a vasta experiência social, os humanos se conscientizaram da conveniência de um comportamento coletivo ordenado, pacífico, preservador da vida e do patrimônio. Criaram regras que, no conjunto, formam o ordenamento social. Defrontaram-se com a necessidade de garantir a vigência e a eficácia dessas regras. 
A desobediência é uma das características do modus vivendi humano. Advém do anseio por liberdade absoluta. Embora a consciência coletiva facilite o respeito ao ordenamento, há sempre pessoas cujas condutas contrariam as convenções, os padrões artísticos, científicos, morais e jurídicos. Alguns avanços nas artes e nas ciências partiram da rebeldia contra o status quo. Célebres são os atrevimentos de Picasso na pintura, de Jorge Amado na literatura, de João Gilberto na música popular, de Nicolau Copérnico e de Galileu Galilei na astronomia. No que tange às regras jurídicas, se a desobediência não tiver o condão de instituir nova ordem válida e aceita pelo detentor do poder político (povo, grupo civil/militar, monarca, ditador) os desobedientes serão castigados. Por não aprovar violações, o estado utiliza medidas preventivas para evitá-las e repressivas para puni-las. A manutenção da ordem se dá (i) pela força moral da autoridade pública e consenso dos jurisdicionados (ii) pela garantia do devido processo jurídico (iii) pela força física. Todo violador do direito está sujeito a ser processado, condenado e punido, seja qual for o seu status social. Incide o princípio da igualdade de todos perante a lei, próprio do regime democrático.
Punir significa: (i) castigar (ii) aplicar pena a quem praticou alguma falta, algum pecado, algum crime (iii) restringir direitos de quem violou direitos de outrem. A punição aplicada pela autoridade privada (pai, mãe, empregador) ou pela autoridade pública (judiciária, administrativa) pode ser justa ou injusta, legal ou ilegal, comedida ou excessiva. Quando aplicada pelo juiz ao criminoso, a pena satisfaz a aspiração do povo a uma justiça concreta. Quando aplicada a um inocente, causa repulsa. No Brasil, as penas previstas são: prisão, multa, indenização, perda de bens e valores, prestação de serviços, interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana. [Código Penal 32, 43].  
A paixão por justiça se manifesta individual e coletivamente, de modo equivocado ou não, no ambiente doméstico, nas ruas, nas assembleias, nos templos, nos tribunais. A massa popular vibrava de alegria com a morte das feiticeiras na fogueira, dos bandidos na forca, dos cristãos no Coliseu. A expectativa de punição acompanha o povo. Há permanente espera de algum castigo divino ou secular. “O que aqui se faz, aqui se paga” (Lei do Karma). // “Quem com ferro fere, com ferro será ferido. Olho por olho, dente por dente” (Lei do Talião). 
Os punidos podem ser pessoas físicas, pessoas jurídicas, nações. No curso da história, algumas guerras foram deflagradas por um estado a fim de punir outro estado. Das 3 guerras entre Cartago e Roma (264-146 a.C.), a terceira teve nítido propósito punitivo. Em outubro de 2001, os Estados Unidos (EUA) invadiram o Afeganistão com o propósito de castigar o governo Talibã pelo ataque, em 11 de setembro, às torres gêmeas e ao Pentágono.  
Porque ouviste a voz de tua mulher e comeste do fruto da árvore que eu te havia proibido comer, maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida”. // “Assim fala o Senhor dos exércitos: Vou pedir contas a Amalec do que ele fez a Israel, opondo-se-lhe no caminho, quando saía do Egito. Vai, pois, fere Amalec e vota ao interdito tudo o que lhe pertence, sem nada poupar: matarás homens e mulheres, crianças e meninos de peito, bois e ovelhas, camelos e jumentos.” // “Quando fores com o teu adversário ao magistrado, faze o possível para entrar em acordo com ele pelo caminho, a fim de que ele te não arraste ao juiz, e o juiz te entregue ao executor, e o executor te ponha na prisão. Digo-te, não sairás dali, até pagares o último centavo”. // “Não matarás; mas quem matar será castigado pelo juízo do tribunal”. // “Do mesmo modo que julgardes, sereis também vós julgados e com a medida com que tiverdes medido, também vós sereis medido”. [Bíblia. AT. Gênesis 3: 17 + I Samuel 15: 2/3. NT. Lucas 12: 58/59 + Mateus 5: 21 e 7: 2].
A punibilidade é intrínseca ao sistema de segurança do estado. Trata-se da real probabilidade de alguém ser punido por conduta tipificada como ilícita. Supõe o conceito de responsabilidade. A partir da idade fixada na lei, a pessoa passa a ser responsável por suas ações e omissões. Quando os atos são criminosos, o agente deve responder por eles, deve ser judicialmente processado e sentenciado. O presidente dos EUA manifestou-se contra esse procedimento ético e jurídico ao exigir do supremo tribunal brasileiro a impunidade de réu acusado de cometer crimes gravíssimos. Segundo o artigo 107 do Código Penal brasileiro, as hipóteses de extinção da punibilidade são: (i) a morte do agente (ii) a anistia, a graça ou indulto (iii) a retroatividade da lei que não mais considera o fato como criminoso (iv) a prescrição, a decadência ou a perempção (v) a renúncia ao direito de queixa ou o perdão aceito, nos crimes de ação penal privada (vi) a retratação do agente ou o perdão judicial, nos casos permitidos por lei. Da vigente legislação, não consta extinção de punibilidade por ordem executiva do presidente dos EUA e nem, tampouco, por ordem apostólica do Papa.

Nenhum comentário: