domingo, 24 de agosto de 2025

O PROCESSO E O TEMPO

Movimento, força, essência, existência, espaço, tempo, são categorias condicionadoras do pensamento e da visão de mundo nas quais está imersa a ideia de processo com o significado geral de sequência de procedimentos ordenados a um fim. Há processos naturais como (i) geração, crescimento, maturidade e envelhecimento dos animais (ii) fotossíntese nas plantas verdes. Há processos culturais originários da inteligência, da vontade e do agir dos seres humanos, baseados na necessidade, na utilidade, no interesse. Trata-se do modus operandi pelo qual alimentos e bebidas são preparados; roupas e calçados são fabricados; remédios são elaborados; energia, armas, ferramentas, motores, computadores, são produzidos; casas, estradas, navios, aeronaves, são construídos; ensino e aprendizagem são organizados. Além desse processo social que inclui a produção artesanal, artística, tecnológica, científica, filosófica, religiosa, há também o processo político ramificado em legislativo (elaboração das leis), administrativo (funcionamento do governo) e judicial (solução de controvérsias à luz do direito).   
Entende-se por processo judicial "stricto sensu", o conjunto dos procedimentos em trâmites perante a autoridade judiciária provocado por vontade humana na busca de solução de questões de fato e de direito e/ou de reconhecimento da existência ou da inexistência de relações jurídicas. Implica tensão bipolar: autor no polo ativo versus réu no polo passivo. As partes devem ter legitimidade para agir perante o juiz/tribunal. Na esfera criminal, a legitimidade para propor ação penal pública é do Ministério Público (MP); para propor ação penal privada é do ofendido; para responde-las é do responsável pela ação delituosa. A provocação se dá mediante petição inicial dirigida ao juiz/tribunal denominada denúncia se a ação penal for pública e queixa se a ação penal for privada. A petição deve preencher requisitos estabelecidos na lei, inclusive o pedido de citação da parte contrária. Apresentada a resposta, abre-se ensejo para a parte autora se pronunciar. Exaurido o prazo, inicia-se a instrução: depoimentos das partes e das testemunhas, documentos, perícias. Concluída esta, vem a fase das diligências para esclarecimentos e, a seguir, as alegações finais das partes e  a sentença do juiz/tribunal. 
O tempo tem função relevante no direito. Coisa julgada, perempção, prescrição, decadência, são limites de tempo postos pelo legislador para as questões e os processos não se alongarem em demasia (não se "eternizarem"). 
No processo da ação penal pública os prazos são curtos se o indiciado ou réu estiver preso. A estreiteza do tempo justifica-se pelo apreço à liberdade erigida em direito humano fundamental. Extrapolados os curtos prazos para o inquérito policial estar pronto ou para o MP oferecer denúncia ou para a instrução processual ser concluída, o preso deve ser posto em liberdade por ordem do juiz/tribunal expedida de oficio ou por deferimento do pedido de habeas corpus. No tribunal, o MP, o assistente de acusação e o advogado do réu poderão fazer sustentações orais na sessão do julgamento. Os juízes votam na ordem ascendente (do mais novo no cargo ao mais antigo). Colhido o último voto, o presidente do tribunal proclama o resultado. Na hipótese de condenação, o juiz/tribunal aplicará penas dentro dos limites mínimo e máximo previstos na lei (dosimetria).  
Ao esforço institucional para dar eficácia aos preceitos constitucionais da razoável duração do processo e da celeridade de sua tramitação, opõe-se a praxe dos tribunais que retarda a marcha processual: o deferimento de pedidos de vista dos autos do processo feitos pelos juízes. Contam-se entre os motivos dessa chicana: amizade, cortesia, ideologia, afinidade religiosa, retribuição de favor. Contam-se entre as justificativas: doença do juiz, acúmulo de serviço, necessidade de mais detido exame da questão. Ao contrário do que pensa o vulgo, chicana (ardil, tramóia, trapaça) não é apanágio dos advogados. Fazem-na, também, os magistrados e os membros do MP, como singularmente evidenciado nos processos da denominada “operação lava-jato” da justiça federal de Curitiba/PR. 
A garantia do devido processo legal declarada na Constituição inclui não só o processo judicial como, também, o processo legislativo e o processo administrativo. Para elaborar a lei, por exemplo, o Congresso deve seguir os trâmites regimentais. Caso não o faça, a lei não terá validade. Para participar de um concurso público, o candidato deve preencher os requisitos expostos no edital. Caso não o faça, o seu pedido de inscrição será indeferido. Para se registrar no Tribunal Superior Eleitoral, o partido político deve preencher os requisitos exigidos pela Constituição. Caso não o faça, o seu pedido será negado. Aliás, mesmo formalizado, o registro de partido pode ser cassado por discrepância entre a estática (estatutos) e a dinâmica (ação política). Isto acontece com o Partido Liberal, cuja ação política está longe, muito longe (i) de resguardar a soberania nacional e o regime democrático (ii) de acatar o preceito constitucional que proíbe subordinação a governo estrangeiro. O poderoso chefão desse partido, patriarca da Família Bolsonaro, subordina-se, notória e publicamente, à bandeira e ao governo dos Estados Unidos. Esse partido caracteriza-se pelo nazifascismo evangélico revelado na contínua ação antidemocrática e no visível propósito de instituir governo autocrático. Aqui no Brasil, enquanto vigorar a Constituição da República de 1988, não é lícito a partido político algum (i) exercer o direito à liberdade para eliminar a liberdade (ii) utilizar os mecanismos da democracia para destruir a democracia.  

Constituição da República Federativa do Brasil. Artigos: 5º caput e incisos LIV, LXXVIII + 17 caput e inciso II + 93, inciso XII. 
Código Penal, artigo 32. 
Código de Processo Penal, artigo 387.


domingo, 17 de agosto de 2025

PUNIBILIDADE

A civilização resultou da experiência de milhões de anos de vida em grupo neste planeta para domesticar a fera humana. A domesticação ocorre no contínuo processo civilizatório desde o longínquo passado, quando as comunidades primitivas se organizam em cidades, até o presente, quando as nações se engalfinham em guerras com inovações tecnológicas e em batalhas nos campos das comunicações e das ideologias. Ante a vasta experiência social, os humanos se conscientizaram da conveniência de um comportamento coletivo ordenado, pacífico, preservador da vida e do patrimônio. Criaram regras que, no conjunto, formam o ordenamento social. Defrontaram-se com a necessidade de garantir a vigência e a eficácia dessas regras. 
A desobediência é uma das características do modus vivendi humano. Advém do anseio por liberdade absoluta. Embora a consciência coletiva facilite o respeito ao ordenamento, há sempre pessoas cujas condutas contrariam as convenções, os padrões artísticos, científicos, morais e jurídicos. Alguns avanços nas artes e nas ciências partiram da rebeldia contra o status quo. Célebres são os atrevimentos de Picasso na pintura, de Jorge Amado na literatura, de João Gilberto na música popular, de Nicolau Copérnico e de Galileu Galilei na astronomia. No que tange às regras jurídicas, se a desobediência não tiver o condão de instituir nova ordem válida e aceita pelo detentor do poder político (povo, grupo civil/militar, monarca, ditador) os desobedientes serão castigados. Por não aprovar violações, o estado utiliza medidas preventivas para evitá-las e repressivas para puni-las. A manutenção da ordem se dá (i) pela força moral da autoridade pública e consenso dos jurisdicionados (ii) pela garantia do devido processo jurídico (iii) pela força física. Todo violador do direito está sujeito a ser processado, condenado e punido, seja qual for o seu status social. Incide o princípio da igualdade de todos perante a lei, próprio do regime democrático.
Punir significa: (i) castigar (ii) aplicar pena a quem praticou alguma falta, algum pecado, algum crime (iii) restringir direitos de quem violou direitos de outrem. A punição aplicada pela autoridade privada (pai, mãe, empregador) ou pela autoridade pública (judiciária, administrativa) pode ser justa ou injusta, legal ou ilegal, comedida ou excessiva. Quando aplicada pelo juiz ao criminoso, a pena satisfaz a aspiração do povo a uma justiça concreta. Quando aplicada a um inocente, causa repulsa. No Brasil, as penas previstas são: prisão, multa, indenização, perda de bens e valores, prestação de serviços, interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana. [Código Penal 32, 43].  
A paixão por justiça se manifesta individual e coletivamente, de modo equivocado ou não, no ambiente doméstico, nas ruas, nas assembleias, nos templos, nos tribunais. A massa popular vibrava de alegria com a morte das feiticeiras na fogueira, dos bandidos na forca, dos cristãos no Coliseu. A expectativa de punição acompanha o povo. Há permanente espera de algum castigo divino ou secular. “O que aqui se faz, aqui se paga” (Lei do Karma). // “Quem com ferro fere, com ferro será ferido. Olho por olho, dente por dente” (Lei do Talião). 
Os punidos podem ser pessoas físicas, pessoas jurídicas, nações. No curso da história, algumas guerras foram deflagradas por um estado a fim de punir outro estado. Das 3 guerras entre Cartago e Roma (264-146 a.C.), a terceira teve nítido propósito punitivo. Em outubro de 2001, os Estados Unidos (EUA) invadiram o Afeganistão com o propósito de castigar o governo Talibã pelo ataque, em 11 de setembro, às torres gêmeas e ao Pentágono.  
Porque ouviste a voz de tua mulher e comeste do fruto da árvore que eu te havia proibido comer, maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida”. // “Assim fala o Senhor dos exércitos: Vou pedir contas a Amalec do que ele fez a Israel, opondo-se-lhe no caminho, quando saía do Egito. Vai, pois, fere Amalec e vota ao interdito tudo o que lhe pertence, sem nada poupar: matarás homens e mulheres, crianças e meninos de peito, bois e ovelhas, camelos e jumentos.” // “Quando fores com o teu adversário ao magistrado, faze o possível para entrar em acordo com ele pelo caminho, a fim de que ele te não arraste ao juiz, e o juiz te entregue ao executor, e o executor te ponha na prisão. Digo-te, não sairás dali, até pagares o último centavo”. // “Não matarás; mas quem matar será castigado pelo juízo do tribunal”. // “Do mesmo modo que julgardes, sereis também vós julgados e com a medida com que tiverdes medido, também vós sereis medido”. [Bíblia. AT. Gênesis 3: 17 + I Samuel 15: 2/3. NT. Lucas 12: 58/59 + Mateus 5: 21 e 7: 2].
A punibilidade é intrínseca ao sistema de segurança do estado. Trata-se da real probabilidade de alguém ser punido por conduta tipificada como ilícita. Supõe o conceito de responsabilidade. A partir da idade fixada na lei, a pessoa passa a ser responsável por suas ações e omissões. Quando os atos são criminosos, o agente deve responder por eles, deve ser judicialmente processado e sentenciado. O presidente dos EUA manifestou-se contra esse procedimento ético e jurídico ao exigir do supremo tribunal brasileiro a impunidade de réu acusado de cometer crimes gravíssimos. Segundo o artigo 107 do Código Penal brasileiro, as hipóteses de extinção da punibilidade são: (i) a morte do agente (ii) a anistia, a graça ou indulto (iii) a retroatividade da lei que não mais considera o fato como criminoso (iv) a prescrição, a decadência ou a perempção (v) a renúncia ao direito de queixa ou o perdão aceito, nos crimes de ação penal privada (vi) a retratação do agente ou o perdão judicial, nos casos permitidos por lei. Da vigente legislação, não consta extinção de punibilidade por ordem executiva do presidente dos EUA e nem, tampouco, por ordem apostólica do Papa.

domingo, 10 de agosto de 2025

PRISÃO

O ex-presidente do Brasil, patriarca da Família Bolsonaro, teve a sua prisão decretada pelo juiz relator do caso sub judice no Supremo Tribunal Federal (STF). Estribada nos artigos 312 e 319, do Código de Processo Penal e 21 do Regimento Interno, confirmada pela 1ª Turma, a decisão é consistente e adequada, amparada nos fatos e no direito. Entretanto, prolixa. Repetições desnecessárias. Mais parece tediosa postulação do que técnica e serena sentença judicial. 24 laudas! Bastavam duas. 
A Família Bolsonaro (pai e filho) está sendo acusada da prática dos crimes definidos nos artigos 344 e 359-L, do Código Penal e 2º, §1º, da Lei 12.850/2013: coação no curso do processo judicial, abolição violenta do estado democrático de direito, obstrução da investigação sobre organização criminosa. A Polícia Federal representou pela prisão. O juiz optou por aplicar medidas cautelares. Ao invés de cumprir, o patriarca tergiversou. O juiz, então, decretou a prisão domiciliar com fulcro na lei, em sintonia com os incisos LIV, LXI, LXIII, do artigo 5º, da Constituição da República (CR). 
Este episódio insere-se na batalha das forças democráticas contra as forças antidemocráticas no seio da nação brasileira. Nas eleições presidenciais de 2022, as forças democráticas obtiveram 60 milhões de votos; as forças antidemocráticas, 58 milhões. Nas eleições de 2026, esse quantitativo será diferente em consequência da agressão à soberania nacional feita pelo governo dos Estados Unidos com apoio da Família Bolsonaro e seus agregados. Nas eleições de 2022, as forças antidemocráticas colocaram seus representantes no Congresso Nacional. No Estado do Paraná, por exemplo, elas elegeram ex-juiz parcial, lavajatista, nazifascista e deficiente cultural, para ocupar cadeira no Senado. O menor número de participantes no movimento de domingo (03/08/2025) nas capitais do Rio de Janeiro e de São Paulo, comparado com movimentos anteriores, não significa, ipso facto, redução substancial do eleitorado da direita. 
Nazifascismo é corrente política de natureza autocrática e extensão internacional com raízes no nazismo alemão e no fascismo italiano da primeira metade do século XX. No Brasil, essa vertente penetra nas câmaras municipais, nas assembleias legislativas, na câmara dos deputados, no senado federal, nas prefeituras, no governo dos estados, no governo da república e nos tribunais. 
A fatia nazifascista da oposição ao governo federal insurge-se contra o STF. Pretende impunidade aos bandidos. Protesta contra o fato de uma dezena de juízes contrariar cinco centenas de parlamentares. No entanto, esta foi a vontade do legislador nacional constituinte ao organizar os poderes da república dentro do sistema de freios e contrapesos: 01 chefe de estado (presidente da república) x 11 juízes (supremo tribunal) x 531 representantes do povo (câmara dos deputados).    
No figurino ético, juiz não atua por volúpia. Quando as circunstâncias sociais e processuais permitem, o juiz ameniza a punição ou até substitui a prisão por restrições a outros direitos, como permite o artigo 44 do Código Penal. Subjetivamente, o juiz pode ter íntima satisfação por cumprir dever funcional no processo jurídico sob sua direção, quando afasta do convívio social pessoa cuja conduta criminosa se mostra nociva e/ou perigosa à sociedade e ao estado. 
Prisão significa privação da liberdade. O pássaro na gaiola. O peixe na rede. O tigre na jaula. O paciente no hospital. O motorista no engarrafamento. O amante no feitiço da amada. Na seara do Direito Penal, prisão significa perda da liberdade de quem praticou crime. Implica noções de culpa, de castigo e de segurança. No Brasil, a pessoa que não estiver in flagranti delicto, só pode ser presa mediante ordem escrita do juiz. O preso conserva os seus direitos e pode exercê-los enquanto compatíveis com o regime prisional a que estiver submetido ex vi legis. Assim, por exemplo, o preso tem o direito de: 1. Pensar, porém, a manifestação, a expressão e a comunicação do seu pensamento ficam sob controle da autoridade pública (censura oficial específica, individual, legítima e necessária). 2. Locomover-se, porém, dentro do espaço que lhe for reservado e pelo tempo que lhe for assinado pela autoridade judicial. 3. Transar sexualmente com a pessoa que o visita, porém, no dia, no horário e no local indicados pela autoridade administrativa.
A prisão penal não é folguedo liberal e democrático; tem caráter punitivo fundado nas ideias de (i) castigo a quem pratica delito e de (ii) segurança aos demais cidadãos.  
Democracia é forma de governo que: 1. Admite (i) pluralismo político (ii) igualdade de direitos (iii) liberdade de ser, ter e agir (iv) coexistência de opiniões contrárias. 2. Funciona segundo regras de direito postas pelo povo diretamente ou por seus representantes. 
No Brasil, o pluripartidarismo está condicionado ao respeito à soberania nacional e ao regime democrático (CR 17). Destarte, tendo em vista a essência antidemocrática da extrema direita, o seu partido não pode ser registrado no Tribunal Superior Eleitoral. Ainda que os estatutos do Partido Liberal declarem ser ele constituído de anjos amantes da democracia, o seu registro é inconstitucional por causa da notória atividade nazifascista desse partido. A tomada da Mesa da Câmara dos Deputados por essa malta no dia 06/08/2025, foi a mais recente demonstração da necessidade de cassar o registro desse partido e os mandatos eletivos dos seus filiados. A tomada da Praça dos 3 Poderes, no dia 08/01/2023, foi outro episódio típico da violência nazifascista. Os membros desse partido não respeitam: (i) o estado democrático de direito (ii) ordens judiciais (iii) resultado das urnas (iv) a vontade da maioria do povo (v) o patrimônio público (vi) o pluralismo religioso da nação brasileira (vii) a laicidade do estado brasileiro. Utilizam violência física e moral. Isto exige das forças democráticas resistência firme e permanente. Como dizia um político baiano do século XX: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”. 

domingo, 3 de agosto de 2025

POLÍTICA & ECONOMIA

A atitude do presidente dos Estados Unidos da América (EUA) ao fixar tarifas a mercadorias exportadas pelo Brasil e aplicar sanções a juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) merece o repúdio da nação brasileira. O bufão norte-americano dá ao presidente brasileiro e aos juízes do STF o mesmo tratamento reservado a persona non grata. Mais um modo de exibir simpatia e amizade ao criminoso governo de Israel.    
No plano dos fatos, o Ministério da Fazenda informa que o deficitário nas relações comerciais com os EUA tem sido o Brasil desde 2008. Portanto, não há base fática, ética e matemática para o aumento das tarifas. Por um lado, esse arbitrário aumento indica a preponderância do elemento político na decisão unilateral do agressor. Por outro lado, mostra a influência dos elementos econômico e social na política estatal. 
No plano das ideias, não é diferente. Desde que no século XX, o método interdisciplinar invadiu o mundo acadêmico, passou-se a considerar a conexão dos conhecimentos científicos da Política, da Economia, da Sociologia e do Direito, proporcionando uma visão holística do mundo da cultura [e também do mundo da natureza].  
Separar a superfície comercial do fundo político desta complexa questão tarifária, revela esperteza, mas não apuro científico, ético e patriótico. A soberania nacional está envolvida nessa questão. Negociar neste caso é sucumbir ante o agressor. A soberania é inegociável. À sua defesa em nível retórico devem corresponder ações concretas. 
A fim de aparentar juridicidade, o presidente dos EUA pretende justificar o seu proceder arbitrário e imoral estribando-se na “Lei Magnitsky”. Apesar do nome, não há magnificência alguma nessa lei. Votada pelo Congresso e sancionada pelo presidente dos EUA em 2012, brotou da obsessão desse país com a Rússia. Leva o nome de um advogado ucraniano, Sergei Magnitsky, que denunciou a existência de corrupção no governo russo. Ele foi processado e condenado por fraude fiscal. Morreu na prisão em 2008. Episódio semelhante ao do mafioso estadunidense Al Capone, processado e condenado por sonegação fiscal, preso em 1931, cumpriu parte da pena, solto por questão humanitária (doença grave), morreu em casa (1947). Os defensores de Sergei, aliados dos EUA, afirmam que ele não praticou crime algum. A Justiça Russa, após o devido processo legal, decidiu que o réu praticou o crime descrito na denúncia do Fiscal da Lei (Ministério Público). 
O propósito inicial da lei norte-americana era o de punir as autoridades russas que participaram do episódio Magnitsky. Todavia, no decorrer desses 13 anos de vigência, a lei teve ampliada a sua aplicação a fim de atingir autoridades de qualquer país acusadas: (i) de graves violações dos direitos humanos (ii) de práticas corruptas em grande escala. 
Considerando o vigor dos princípios da dignidade da pessoa humana, da cidadania, da soberania, da autodeterminação dos povos, da igualdade entre os estados, agasalhados pelo direito internacional e inscritos na Carta das Nações Unidas, cada estado tem a sua própria jurisdição sobre os seus cidadãos, as suas representações e instituições públicas e privadas. As decisões de um estado só poderão ser executadas em outro estado se entre eles houver tratado ou convenção. Portanto, imposições do governo dos EUA surtirão efeito no Brasil apenas se o governo brasileiro consentir. 
A reação do governo do Brasil à conduta injuriosa do governo dos EUA tanto pode ser explícita como implícita, alicerçada na Constituição da República, artigos: 1º, incisos I a III; 4º, I a V; 84, VII/VIII e XIX/XX; 85, II; 137 e 142. Com lucidez, coragem e atitude firme, a reação dar-se-á: 
1) Explicitamente, através de: I. Nota oficial do Presidente da República. II. Petição dirigida ao competente órgão administrativo dos EUA. III. Ação judicial anulatória proposta perante (i) tribunal dos EUA (ii) tribunal internacional. IV. Revisão unilateral de tarifas com base na lei de reciprocidade. 
2) Implicitamente, através de (i) atos sem publicidade contrários às sanções aplicadas pelo agressor (ii) busca de novas parcerias (iii) menosprezo ao agressor.
Todo estado compõe-se de 3 elementos estruturais: território, povo e governo. No Brasil, o governo se compõe de 3 órgãos de cúpula independentes e harmônicos entre si: Legislativo, Executivo e Judiciário. O STF é a cúpula do Judiciário. Ofendê-lo é ofender o Judiciário. Ofender o Judiciário é ofender o estado. A defesa do estado brasileiro compete ao Presidente da República, chefe de estado e chefe de governo, quer como diretor superior da administração pública federal, quer como comandante supremo das forças armadas.
A reação às ofensas dirigidas a juiz do STF pode ocorrer individual e coletivamente. Em nível individual, o juiz avalia se sepulta as ofensas na indiferença ou se as contesta. Se contestá-las, poderá utilizar as vias judicial e extrajudicial. Em nível coletivo, a contestação dar-se-á por solidariedade dos membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Ordem dos Advogados do Brasil e dos corpos docente e discente das faculdades de direito. 
No caso em tela, não há sequer indício de violação dos direitos humanos pelo juiz. A acusação feita pelo presidente norte-americano é leviana. Ao tratar do caso das corporações norte-americanas big tech no Brasil, o juiz relator e o tribunal seguiram os trâmites do devido processo legal e aplicaram a Constituição e a legislação em vigor no Brasil. Liberdades absolutas são incompatíveis com a ordem jurídica vigente no Brasil. Aqui, tal como as demais liberdades, a liberdade de expressão é relativa e o seu exercício deve se conter nos limites da moral e do direito positivo constitucional e infraconstitucional.    
Leviana, também, a acusação daquele presidente de que o seu amigo, ex-presidente do Brasil, está sendo vítima de perseguição política pela Justiça Brasileira. O referido amigo conspirou contra o seu próprio país, tentou golpear o estado democrático de direito, além de praticar outros crimes provados e denunciados pelo Ministério Público.
Da conduta do presidente norte-americano extrai-se a máxima “inimigo do meu amigo meu inimigo é”, com a qual busca assegurar proteção aos aliados atuais e seduzir futuros aliados. A esse presidente pouco importa se os seus amigos são criminosos. Moralidade não faz parte do seu caráter.