No episódio em andamento no Brasil sobre matéria tributária, defrontam-se dois titãs do estado democrático: Poder Legislativo x Poder Executivo. Este, baixou decreto alterando alíquota do imposto sobre operações financeiras (IOF). Aquele, numa clara declaração de guerra, baixou decreto suspendendo o decreto do presidente da república. Inconformado, o Executivo (governo stricto sensu) recorreu ao Poder Judiciário mediante ação de constitucionalidade protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro desse tribunal, relator do processo, suspendeu liminarmente a eficácia dos dois decretos e intimou agentes dos dois poderes para audiência prévia de conciliação.
O legislador constituinte brasileiro foi categórico: Todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos. São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. [Constituição da República Federativa do Brasil (CR), artigo 1º, parágrafo único + artigo 2º].
Nota-se, desde logo, no citado episódio, a ruptura desse princípio estrutural da república. Harmonia se opõe a conflito. Discordância entre os poderes da república democrática é compreensível. Todavia, ela deve ser resolvida dentro dos parâmetros constitucionais. O legislador constituinte nacional instituiu um estado de direito. Portanto, divergências entre os poderes devem ser resolvidas no devido processo jurídico. Este pode ser: [1] Extrajudicial, trato direto entre os poderes na seara política e administrativa [2] Judicial, ação processual adequada em trâmites pelo Poder Judiciário.
O fulcro da divergência neste caso concreto gira em torno da alíquota do tributo (IOF). A lei que instituiu o imposto não foi impugnada (8.894/1994). A sua constitucionalidade, pois, não está sendo discutida e sim a dos decretos presidencial e legislativo.
Ao discordar do decreto presidencial sobre alteração de alíquota, cabia ao Legislativo entender-se direta e pacificamente com o Executivo, ou, então, recorrer ao STF para solucionar a controvérsia. Está em jogo a exclusividade da competência constitucional do presidente da república para alterar alíquotas (CR 153, §1º). Ao exercer função judicante neste episódio, o Legislativo abusou do seu poder político.
Na ação de constitucionalidade proposta pelo Executivo, o STF verificará se o decreto presidencial atende as condições e os limites estabelecidos na lei para as alíquotas. Se a resposta do tribunal for positiva, o decreto presidencial será mantido no ordenamento jurídico do estado. Se a resposta for negativa, o decreto será anulado.
Servindo-se do poder moderador comum aos três poderes da república, inerente ao constitucional sistema de freios e contrapesos, cabe ao Judiciário, neste episódio, buscar a solução razoável. O ministro relator seguiu esse caminho ao suspender liminarmente a eficácia dos decretos até que o tribunal resolva o mérito da questão. O ministro serviu-se do poder cautelar próprio do juiz da causa tão logo a conheça no devido processo. Desde que proposta a ação principal, o exercício do poder jurisdicional de cautela independe de pedido específico. Depende apenas do discernimento e da sensibilidade do magistrado ao examinar prima facie o aspecto substancial da demanda, sem emitir juízo sobre a procedência ou a improcedência da pretensão deduzida pelo autor.
O procedimento prévio de conciliação tão logo proposta a ação judicial, integra a processualística brasileira. Abrange as esferas administrativa, cível e penal. Daí o acerto da decisão liminar do ministro relator. Trata-se de discórdia entre poderes quando a CR exige harmonia. A busca de solução consensual neste caso não tem exclusivo caráter político. Cuida-se também de exigência jurídica processual.
O decreto do Executivo objetiva obtenção de receita a ser aplicada em fins sociais. Beneficia a massa popular. O decreto do Legislativo tem por fim impedir a eficácia do decreto presidencial e preservar o status quo. Beneficia a elite econômica. Trata-se de batalha no campo político entre a esquerda e a direita, tensão no seio da sociedade entre a minoria possuidora de um patrimônio muito além do que lhe é necessário e útil e a maioria possuidora de um patrimônio muito aquém do que lhe é necessário e útil.
O decreto do Executivo apresenta-se como esforço oficial para reduzir essa desigualdade. Sintoniza-se com os objetivos fundamentais da república brasileira (CR 3º, I a IV).
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