domingo, 12 de fevereiro de 2023

QUESTÃO INDÍGENA

A dolorosa situação do povo Yanomami reportada por emissoras de televisão, mostra a disposição do governo de exterminar os índios com ajuda dos invasores da reserva indígena. Genocídio por ação e omissão. Tão logo extinta a comunidade indígena, a posse direta das suas terras passa para o governo federal. Nota-se a influência da mentalidade racista e genocida do governo dos EUA exterminador de índios, sobre a conduta das autoridades civis, militares e religiosas do Brasil. Aliás, o extermínio de índios na Amazônia interessa ao governo e às empresas privadas daquele país e sintoniza com a sua tradicional política exterior da qual Ronald Reagan foi um dos corifeus. Os índios são vistos como raça inferior e povo de cultura paleolítica que envergonha a nação branca civilizada. No entanto, a crença metafísica dos índios na dimensão espiritual do mundo é tão válida e digna de respeito quanto a crença metafísica dos cristãos, judeus, muçulmanos, budistas, hinduístas, na existência de um mundo espiritual. Todas essas crenças resultam da natureza emocional dos humanos. O dado racional está na organização do serviço religioso. As missões religiosas deturpam a cultura nativa e retiram o vigor da comunidade indígena. Em Paris, no século passado, o embaixador do Brasil exibiu viés discriminatório ao negar a existência de índios no território brasileiro. A mentira é usual na política interna e na diplomacia dos brancos. Daí, o gravador do Juruna. 
As terras dos índios foram expropriadas pela Carta Federal de 1967/69. A propriedade e a posse indireta dessas terras são da União Federal. Ao declará-las inalienáveis, o legislador pretendia impedir que elas caíssem sob o domínio dos particulares. A Carta deferiu aos índios (i) a posse direta, exclusiva e permanente dessas terras e (ii) o usufruto das riquezas naturais e de todas as utilidades nelas existentes. Até o ano 1492, a América, sem esse nome, pertencia aos nativos selvagens (Caingangue, Goytacaz, Guarani, Apache, Cherokee, Sioux) e aos nativos civilizados (Asteca, Inca, Maia). Depois, chegaram os europeus (espanhóis, portugueses, ingleses, franceses) e se apossaram do continente, enganando, arredando e matando os nativos. 
Nos termos da Constituição Federal de 1988, as terras ocupadas tradicionalmente pelos índios pertencem à União. A posse direta e permanente dessas terras e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos, são dos índios. O subsolo é da União. A lavra de recursos minerais em terra indígena depende da autorização do Congresso Nacional. As comunidades afetadas devem ser ouvidas e têm o direito de participar do resultado da lavra. O estado e a sociedade devem respeitar a identidade cultural, a organização social, os bens, costumes, línguas, crenças e tradições dos índios. Tais direitos são frequentemente violados. Efeitos do garimpo: aviltamento, doença e morte dos índios. O grave estado dos Yanomami é exemplo dramático (i) da distância entre a lei e a realidade social (ii) de como as ilegalidades e imoralidades dos governantes são ocultadas do povo. 
Permanecem obscuros os motivos da exploração das terras indígenas por tanto tempo sem providência séria e eficaz da autoridade pública para coibir abusos e ilegalidades. A fim de abastecer os garimpeiros, pessoas se reuniram na área explorando o comércio de comida, bebida, cigarro, roupa, sexo, combustível, ferramentas. Fato semelhante ocorreu (i) nos séculos XVII e XVIII, quando a febre do ouro atraiu milhares de pessoas para as zonas de mineração em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás e (ii) no século XX, no Pará, entre 1980 e 1984, quando foram extraídas cerca de 20 toneladas de ouro no garimpo denominado Serra Pelada. 
O governador de Roraima se mostra sensibilizado com a situação dos garimpeiros e demais grileiros que estão sendo expulsos da reserva indígena. Ele pleiteia lei e providências para socorrer os criminosos! O presidente da Câmara dos Deputados, segundo foi noticiado, apressa-se em colocar na pauta dos trabalhos projeto de lei prevendo tal socorro! Essa inversão de valores enseja a suspeita de cumplicidade das autoridades civis e militares com os poderosos chefes da atividade ilícita. O ministro da defesa, ao ser entrevistado por repórteres nesta semana, esquivou-se da pergunta sobre os crimes dos garimpeiros e grileiros na reserva indígena. Afirmou que agora o foco é a questão humanitária. Esse discurso fugidio sugere que o combate à fome e o combate à criminalidade não devem ser concomitantes, ou seja, que a questão criminal deve ser tratada em outra ocasião. Essa protelação facilita a prescrição dos crimes e favorece os criminosos. 
A maliciosa e melíflua cobertura que se está a desenhar em favor dos garimpeiros e grileiros da reserva dos Yanomami parece ter ligação com os interesses escusos da camada superior dos negociantes do ouro da região. Os discursos das mencionadas autoridades denotam intenção protetora como se os invasores fossem trabalhadores honestos, vítimas inocentes da maldade e do egoísmo dos indígenas. Na verdade, esses indivíduos são transgressores da lei. O governador e o ministro ficam sob suspeita de representarem interesses dessa malta. Ao contrário do que se desenha, os transgressores devem ser presos em flagrante e processados judicialmente. Isto é o que se espera das autoridades no estado democrático de direito e não discursos, flexibilidades e frouxidões que pavimentam o caminho da impunidade dos criminosos.
Carta Federal de 1969, art.198. Constituição Federal de 1988, art. 20, incisos IX, XI + 231, §§ 2º e 3º. Lei 6.001 de 19/12/1973 = Estatuto do Índio, art. 2º, inciso IX + 62. Lima, Antonio Sebastião de. A Proteção Jurídica das Comunidades Indígenas do Brasil. Brasília. Senado Federal. Revista de Informação Legislativa nº. 93, 1987. Ribeiro, Darcy. O Povo Brasileiro. São Paulo. Companhia das Letras, 1995.   

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