sábado, 22 de fevereiro de 2020

HONRA QUESTIONADA

O ministro da justiça e a polícia federal pretendem enquadrar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no código penal e na lei de segurança nacional. Quando saiu da prisão, Luiz Inácio teria ofendido a honra de Jair Messias Bolsonaro, presidente da república, ao acusa-lo de chefiar a milícia. A nova investida da camarilha nazifascista contra o ex-presidente, aliada aos atos e fatos ocorridos no Brasil na segunda década deste século XXI, dá margem a alguns questionamentos.
A lei de segurança nacional foi recepcionada pela Constituição da República de 1988?
Se a resposta for positiva, a lei permanece em vigor e as investigações nela baseadas devem prosseguir. Se a resposta for negativa, significa que a lei perdeu vigência, os procedimentos nela baseados são nulos e podem ser trancados por ordem judicial.  
O dispositivo do Código Penal que veda a prova da verdade como instrumento de defesa na ação judicial em que o presidente da república figure como vítima de calúnia e difamação foi recepcionado pela Constituição da República de 1988? 
Se a resposta for positiva, o réu não pode alegar e provar em sua defesa a verdade do que falou ou escreveu. Se a resposta for negativa, o réu pode servir-se da prova da verdade em sintonia com as garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa, do juiz natural e do devido processo legal.    
Quais os atributos internos e externos que qualificam alguém de honrado? Em que consiste a honra?
Palavra de várias conotações. A que interessa ao direito corresponde à dignidade da pessoa, ao sentimento do próprio valor, à posse das qualidades virtuosas e do bom conceito na sociedade. 
Referir-se ao caráter defeituoso de uma pessoa que não tem honra tipifica crime contra a honra?
Se a resposta for positiva, Luiz Inácio e Ciro Gomes responderão judicialmente por chamarem o presidente da república de miliciano (o primeiro) e de boçal e canalha (o segundo). Se a resposta for negativa, os procedimentos persecutórios com base em honra inexistente devem ser trancados por falta de legítimo interesse.  
Jair Messias Bolsonaro, atual presidente da república, é uma pessoa honrada?
Se a resposta for positiva, ele ocupará a posição de vítima no inquérito policial e na ação judicial. Se a resposta for negativa, faltará amparo moral e jurídico ao inquérito e à ação judicial. 
As pessoas jurídicas e as instituições têm honra?
No Brasil, a credibilidade e a reputação das pessoas jurídicas e das instituições recebem proteção jurídica. 
A conduta de Jair Messias Bolsonaro dignifica a presidência da república e o estado brasileiro? Ao prestar continência à bandeira dos EUA ele admitiu submissão contrária à soberania nacional? Ele se utiliza do erário para despesas pessoais com cartão corporativo de forma legal, legitima e moderada?
Tanto como cidadão, como chefe de governo, Jair respeita: (i) a liturgia do cargo? (ii) os fundamentos da república democrática? (iii) as instituições civis, militares e religiosas? (iv) a imprensa livre? (v) os valores sociais? (vi) a cultura nacional? (vii) as pessoas naturais e os direitos humanos? 
Comportar-se como palhaço fora do circo, no exercício da chefia do estado e do governo, usando palavras, piadas e gestos indecentes, tipifica conduta compatível com o decoro do cargo e da função? É lícito ao presidente fazer do palácio do governo um picadeiro?
Defender a tortura e o torturador, o uso de armas e manter amizade com milicianos agentes de violências e de assassinatos, indicam bom caráter de quem chefia o estado e o governo ou de qualquer pessoa com tais costumes?
Pode ser qualificado de honrado, de honesto e de boa índole, o indivíduo que, em proveito próprio ou alheio, espalha notícias falsas e mentiras injuriosas, difamatórias e caluniosas? 
Em nível social, as respostas a esse questionário cabem às mulheres e aos homens da nação brasileira. Em nível político e jurídico, as respostas a esse questionário cabem aos parlamentares, aos juristas e aos magistrados brasileiros. 
A matéria aqui exposta lembra um filme estrelado por Ben Gazzara, ator já falecido. O seu personagem era um escritor/jornalista. [Em que pese a opinião contrária dos puristas, uso esse vocábulo (“personagem”) no masculino quando a pessoa figurada é do sexo masculino]. O fulcro do enredo era a ação judicial proposta contra o escritor motivada por texto ofensivo à honra de um médico nazista. O tribunal inglês condenou o escritor a pagar ao médico, a título de indenização por dano moral, uma fração da libra esterlina (xelins). A honra do nazista foi avaliada em poucos centavos. Pois é. Há formas inteligentes e criativas de se fazer justiça sem violar o direito positivo.      

Nenhum comentário: