segunda-feira, 4 de agosto de 2008

SUPREMO TRIBUNAL NA BERLINDA

Foi publicada na imprensa, nota de desagravo ao ministro Gilmar Mendes, lida pelo ministro Celso de Mello, no Supremo Tribunal Federal (STF), na primeira sessão do segundo semestre de 2008, com o apoio dos ministros presentes. Quanto aos ministros ausentes, Joaquim Barbosa e Eros Grau, ficou a dúvida se apoiavam ou não. A entrada dos dois ministros depois de lida a nota indica uma provável e tácita discordância. O Procurador-Geral da República não compareceu. O seu substituto se absteve. O advogado-geral da União, embora sem integrar o tribunal, associou-se ao ato.

O desagravo supõe um agravo precedente. A nota não diz em que consistiu o agravo e nem identifica o ofensor. No caso Dantas, não se vislumbra qualquer afronta ou ofensa ao ministro Gilmar Mendes. O segundo decreto de prisão teve base diferente do primeiro e ambos estavam amparados nos fatos e no direito. Houve crítica e censura ao comportamento do ministro, veiculadas pela imprensa, compatíveis com a situação por ele criada. Tome-se, como exemplo, a opinião de Dalmo Dallari, externada na Tribuna do Advogado, nº 40, de agosto/2008. De acordo com o ilustre jurista, houve, da parte de Gilmar, afronta à lei, intolerância, falta de serenidade e o propósito de intimidar e constranger o juiz federal. Cumpre lembrar que em república democrática – e como tal, o Brasil é definido na Constituição de 1988 – a conduta do magistrado e dos governantes em geral, está sujeita à judiciosa apreciação dos governados. O clamor pela instauração do processo de impeachment não configura agravo. Cuida-se de justo anseio por uma rigorosa apuração dos fatos. Pior, é a sombra da suspeita de parcialidade e desonestidade pairar sobre o STF. A circunstância de os presidentes Café Filho e Fernando Collor terem sofrido impeachment não significa que esse instituto jurídico seja aplicável exclusivamente a chefes de governo. A Constituição e a lei submetem também outras autoridades a esse processo, inclusive os ministros do STF.

A nota foi escrita em tom pessoal de modo a receber o apoio dos pares sem a forma de voto. Apesar desse cuidado, ficou a imagem do tribunal como órgão de classe. Bastava, na sessão plenária, Gilmar relatar os fatos e apresentar suas razões aos colegas de toga. Na citada nota, Celso Mello diz que eventos notórios o levaram a se manifestar. Afirma que o pronunciamento era desnecessário. No entanto, se pronunciou. A contradição indica que a situação do colega era delicada e necessitava de apoio. Qualifica de digna e idônea a conduta do colega. A opinião de Celso diverge da opinião pública. A conduta de Gilmar escandalizou a sociedade brasileira e despertou grave suspeita sobre a sua honestidade e imparcialidade. Nos termos da nota divulgada, Gilmar teria preservado a autoridade do STF e agido no regular exercício dos poderes processuais que o ordenamento legal lhe confere, sem qualquer espírito de emulação. Os fatos, entretanto, apontam o sentido contrário, a saber: (i) que o ministro se conduziu de forma açodada e autoritária (ii) que extrapolou os seus poderes constitucionais e invadiu a competência de outros tribunais (iii) que investiu contra a independência dos magistrados ao intimidar e constranger o juiz federal (iv) que a sua animosidade em relação à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal se tornou pública e notória mediante a sua própria voz nos meios de comunicação. Na mencionada nota, Celso diz, ainda, que as decisões de Gilmar (certamente, as proferidas nos dois processos de habeas corpus) estão investidas de densa fundamentação jurídica. As decisões dos tribunais nazistas também eram densas e bem fundamentadas no direito alemão (1933-1943). Sob apreciação dos brasileiros está a conduta de Gilmar e não o teor da decisão, que pode ser até maravilhoso. Acontece que a decisão cabia ao tribunal regional federal e não ao ministro (CF 108, I, d). Além de ilegal, a decisão de Gilmar foi supersônica, fora do andamento normal dos processos no STF, o que fortalece a suspeita.

O espírito de corporação é normal nas entidades que congregam pessoas para propósitos comuns. Isto inclui a defesa dos congregados. Essa defesa pode ser radical ou moderada. Radical, quando abrange o mérito de qualquer caso, ainda que se trate de crime. Moderada, quando se limita a velar pelas garantias constitucionais e legais do congregado. O desagravo está fora da competência jurisdicional do STF. Trata-se de ato político em defesa radical de um dos membros do tribunal. Leva o peso da autoridade dos seus ministros. Apesar disso, dentro do mecanismo constitucional dos freios e contrapesos, o julgamento de Gilmar caberá ao Senado Federal, independentemente da opinião manifestada pela maioria dos ministros do STF.

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