A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) contratou o italiano Carlo Ancelotti, atual treinador do clube espanhol Real Madrid, para comandar a seleção masculina, conforme noticiado pela imprensa esportiva brasileira (13-14/maio/2025). Logo a seguir, o presidente da CBF foi destituído do cargo por decisão judicial ante a denúncia de fraude no processo eleitoral que o elegeu. Isto provoca o seguinte questionamento: A destituição do presidente importa na perda da vigência e da eficácia desse contrato celebrado na véspera?
Trilhando o caminho mais simples e direto, a resposta será NÃO. Na sequência e no aprofundamento da questão, a resposta será SIM.
Trata-se de negócio entre particulares realizado no pulsar da liberdade dentro da função social do contrato guardados, aparentemente, os princípios da probidade e da boa-fé (Código Civil 421/422). De um lado, pessoa jurídica de direito privado (CBF contratante); de outro, pessoa natural prestadora de serviços (treinador contratado).
O presidente em exercício representa a pessoa jurídica, o que supõe poderes de contrair obrigações em nome dela, nos termos do estatuto social. O treinador tem capacidade jurídica para contrair obrigações em seu próprio nome. A forma e o objeto desse contrato estão dentro dos usos na sociedade e do que dispõem os artigos 442 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em sintonia com o artigo 7º e seus incisos da Constituição da República. Destarte, estabelecida a relação de emprego, as obrigações assumidas pelas partes são válidas e têm força jurídica.
Todavia, neste caso concreto envolvendo falsidade documental, tornado público pela imprensa e pelas emissoras de televisão, a avença estará inquinada por vícios (i) na investidura do presidente no cargo e (ii) na gestão administrativa quanto aos limites estabelecidos pelo estatuto social.
Enquanto esses vícios não forem definitivamente apurados no devido processo legal, o novo presidente, no uso das suas atribuições, ouvido o Conselho Fiscal ou em obediência ao que decidir a Assembleia Geral, poderá providenciar o distrato tendo em vista que a vigência e a eficácia do contrato só terão início a partir do final de maio/2025, quando o treinador estiver desvinculado do clube espanhol.
Dependendo do interesse da CBF, o contrato poderá ser rescindido pela via unilateral ou pela via bilateral, consoante o disposto nos artigos 477 e seguintes da CLT. Segundo o noticiado, a avença girou em torno de 10 milhões de euros e poderá chegar a 15 milhões se a seleção vencer a copa. Ante o volume do dinheiro, se caracterizada justa causa, o contrato poderá ser rescendido. As entidades esportivas confederadas poderão intervir neste assunto administrativamente através dos seus representantes, seguindo as linhas traçadas pelo estatuto.
Se o treinador fosse brasileiro, certamente os valores não somariam tal fortuna. A avença em tela representa um constrangimento moral como se os treinadores brasileiros fossem profissionais de inferior categoria, incapazes de comandar a seleção. O modus operandi neste episódio constitui precedente ignominioso.
Princípio universal de direito: Pacta sunt servanda = “As convenções devem ser observadas”. Temos o dever moral de honrar
a palavra empenhada. Temos o dever jurídico de cumprir as obrigações que de
livre e espontânea vontade assumimos nos contratos.
Desde a Antiguidade, os humanos celebram pactos e contratos visando ao cumprimento do que neles se contêm. Entretanto, a execução desses acordos deixa de ser exigível quando há vício de vontade ou alguma outra causa que os nulifique. Filósofos como Lucrécio (95-52 a.C.), Hobbes (1588-1679) e Rousseau (1712-1778), nas suas teorias sobre o estado, partem do pressuposto da existência de um virtual pacto ditado pela razão na passagem da sociedade natural (estado de natureza) para a sociedade civil (estado de cultura). O contrato social assim convencionado divide a sociedade em governantes e governados. As relações comerciais antigas e modernas firmam-se em contratos verbais e escritos. No mundo contemporâneo, as relações gerais de trabalho entre empregador e empregado e as relações especiais de trabalho entre o autônomo prestador de serviços e o tomador de serviços, firmam-se também em contratos verbais e escritos. A formação, a execução e a extinção dos contratos estão normatizadas na ordem jurídica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário