domingo, 25 de maio de 2025

LULA & JANJA

As relações Brasil-China incomodam os Estados Unidos da América (EUA). Empresas jornalísticas situadas à direita do espectro político ficariam felizes se o governo brasileiro continuasse capacho do governo e das corporações estadunidenses. 
As críticas depreciativas à primeira-dama brasileira feitas pelos amestrados jornalistas dessas empresas, advêm do espírito servil desse jornalismo engajado na política e nos interesses dos EUA. 
A criticada não é figura decorativa e nem esposa zumbi do presidente. Ela tem luz própria. Fala com sotaque paranaense. Defende o empoderamento das mulheres. Expressa a sua vontade e manifesta o seu pensamento em linguagem coloquial clara e correta. Reproduz o perfil da matrona sulista quando, em tom matriarcal, referindo-se ao marido, diz (i) querer pegá-lo pelo braço (ii) na discordância, não passa pano. Nasceu em berço pobre na divisa do Estado do Paraná (União da Vitória) com o Estado de Santa Catarina (Porto União). Formou-se em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (Curitiba). MBA em Gestão Social e Sustentabilidade. Cidadã politicamente ativa. Filiada ao Partido dos Trabalhadores há 43 anos. Aprovada em concurso público, ingressou na Prefeitura Municipal de Curitiba. Trabalhou também na Eletrobrás e na Itaipu. 
Entre o nascimento de Lula e o nascimento de Janja há um lapso de 21 anos. Casaram-se depois de longo e apaixonado namoro e de volumosa troca de cartas. O relacionamento deles entre si inclui diálogos frequentes de conteúdo variado. O casal transpira afinidade sentimental e ideológica vista pelas janelas do planeta na recente visita à China. Lá se reuniram: (i) o presidente da China, chefe de um estado democrático de direito socialista (ii) o presidente do Brasil, chefe de um estado democrático de direito social (iii) com as respectivas esposas. A chinesa vestida de branco. A brasileira vestida de vermelho. Cores simbólicas. A cortesia floresce bem sob clima familial, pacífico e fraterno. Isto enseja abordagem diversificada de temas. 
Protocolo consiste no registro burocrático de convenções. Os temas nele contidos são indicativos e não taxativos. A forma não se sobrepõe à matéria. O protocolo diplomático pode ser: (i) rígido para os ministros das relações exteriores (ii) flexível para os chefes de estado diante de simpatias e afinidades fortalecedoras das relações internacionais amigáveis. 
Nos encontros de chefes de estado são comuns: o aperto de mãos, o compartilhamento da mesa de jantar e as conversas reservadas. Por estratégia, alguns dos assuntos tratados não são levados de imediato ao conhecimento do povo. No caso em tela, Janja estava preocupada com os efeitos deletérios sobre mulheres e crianças brasileiras provocados pela programação da plataforma chinesa Tik Tok. Lula encampou a preocupação e a expôs ao presidente chinês. Por conhecer o assunto, Janja participou da conversa. Aproveitaram a ocasião para falar com a pessoa certa. Soaram os versos de Geraldo Vandré: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
A Constituição da China (CC) conclui o seu preâmbulo com as seguintes palavras: A presente Constituição consolida as conquistas do povo chinês de todas as nacionalidades e define o sistema e as tarefas básicas do Estado, sob forma jurídica; é a lei fundamental do Estado e reveste-se de suprema autoridade jurídica. O povo de todas as nacionalidades, todos os órgãos de Estado, as Forças Armadas, todos os partidos políticos e organizações públicas e todas as empresas e unidades produtivas do país devem observar a Constituição como norma básica do seu comportamento, têm a obrigação de defender a dignidade da Constituição e devem assegurar a sua execução. Os artigos 5º e seguintes desenvolvem esse trecho. Na vigência do constitucional sistema socialista, o presidente da república chinesa, no uso regular das suas atribuições, podia receber e atender o companheiro brasileiro (CC 79-83). 
Os opositores ao governo brasileiro usaram esse episódio de forma desleal e indecorosa. A maneira distorcida de publicar os fatos brotou da má-fé dos jornalistas. A emissora de televisão que desvirtuou o episódio, nasceu do ventre da ditadura nazifascista (1964-1985). Trata-se de empresa genética e  visceralmente nazifascista, por isto mesmo, contrária a governos de esquerda.
Pulo do gato. No Brasil, a Emenda à Constituição (EC) nº 36/2002, ao modificar o artigo 222, permitiu a participação de pessoas jurídicas no capital de empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens. A esperteza abriu uma brecha neste setor sensível da segurança nacional ao facilitar a intromissão estrangeira nos negócios internos do Brasil. Pessoas jurídicas podem ser integradas por agentes estrangeiros, principalmente do governo dos EUA e das corporações multinacionais. Na referida EC, a expressão “pessoas jurídicas” funcionou como Cavalo de Troia para despejar capital estrangeiro nas empresas nacionais do setor da comunicação social. Com o peso do dinheiro vem o peso do seu dono. A eficácia do dinheiro dispensa força armada. O controle do pensamento coletivo e o condicionamento das aspirações e das emoções do povo ficam ao talante do dono do dinheiro. A Alemanha nazista mostrou ao mundo a relevante importância dos meios de comunicação social para manter ou derrubar governos, difundir ideias, manipular sentimentos e obnubilar a inteligência do povo.  
Na data da promulgação da fraudulenta EC 36/2002, presidiam: (i) a Mesa da Câmara dos Deputados: Aécio Neves (ii) a Mesa do Senado Federal: Ramez Tebet (iii) a República: Fernando Henrique Cardoso. Nos cofres das empresas privadas de comunicação social, o capital estrangeiro não era mais inconstitucional, agora legitimado através das "pessoas jurídicas", para gáudio da hegemonia estadunidense.  

Constituição da República Popular da China/1982. Rio de Janeiro. Edições Trabalhistas. 
Constituição da República Federativa do Brasil/1988. São Paulo. Revista dos Tribunais.
Entrevista com Rosângela Lula da Silva. 23/05/2025. Entrevistadora: Tati Bernardi. Veículo: Podcast “Se ela não sabe, quem sabe?”. Folha de São Paulo. 

terça-feira, 20 de maio de 2025

FUTEBOL II

Regra vigente: Nenhuma seleção nacional pode ter no seu elenco jogador estrangeiro
A mesma regra devia prevalecer para a comissão técnica. Nenhuma seleção nacional pode ter treinador estrangeiro
Cada seleção nacional deve ter jogadores e treinador nacionais. Caso contrário, a seleção perde, na sua plenitude, o caráter de representante do país cuja bandeira exibe. 
A opinião pública, inclusive, portanto, torcedores, imprensa esportiva e emissoras de televisão, atribuem os resultados dos jogos mais ao trabalho do treinador do que ao desempenho dos jogadores. 
Daí, o alvoroço atual em torno do treinador da seleção brasileira. Se a seleção vencer, o mérito será do treinador estrangeiro; se perder, a culpa será do elenco e da CBF. 

domingo, 18 de maio de 2025

FUTEBOL

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) contratou o italiano Carlo Ancelotti, atual treinador do clube espanhol Real Madrid, para comandar a seleção masculina, conforme noticiado pela imprensa esportiva brasileira (13-14/maio/2025). Logo a seguir, o presidente da CBF foi destituído do cargo por decisão judicial ante a denúncia de fraude no processo eleitoral que o elegeu. Isto provoca o seguinte questionamento: A destituição do presidente importa na perda da vigência e da eficácia desse contrato celebrado na véspera?
Trilhando o caminho mais simples e direto, a resposta será NÃO. Na sequência e no aprofundamento da questão, a resposta será SIM.
Trata-se de negócio entre particulares realizado no pulsar da liberdade dentro da função social do contrato guardados, aparentemente, os princípios da probidade e da boa-fé (Código Civil 421/422). De um lado, pessoa jurídica de direito privado (CBF contratante); de outro, pessoa natural prestadora de serviços (treinador contratado). 
O presidente em exercício representa a pessoa jurídica, o que supõe poderes de contrair obrigações em nome dela, nos termos do estatuto social. O treinador tem capacidade jurídica para contrair obrigações em seu próprio nome. A forma e o objeto desse contrato estão dentro dos usos na sociedade e do que dispõem os artigos 442 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em sintonia com o artigo 7º e seus incisos da Constituição da República. Destarte, estabelecida a relação de emprego, as obrigações assumidas pelas partes são válidas e têm força jurídica. 
Todavia, neste caso concreto envolvendo falsidade documental, tornado público pela imprensa e pelas emissoras de televisão, a avença estará inquinada por vícios (i) na investidura do presidente no cargo e (ii) na gestão administrativa quanto aos limites estabelecidos pelo estatuto social. 
Enquanto esses vícios não forem definitivamente apurados no devido processo legal, o novo presidente, no uso das suas atribuições, ouvido o Conselho Fiscal ou em obediência ao que decidir a Assembleia Geral, poderá providenciar o distrato tendo em vista que a vigência e a eficácia do contrato só terão início a partir do final de maio/2025, quando o treinador estiver desvinculado do clube espanhol. 
Dependendo do interesse da CBF, o contrato poderá ser rescindido pela via unilateral ou pela via bilateral, consoante o disposto nos artigos 477 e seguintes da CLT. Segundo o noticiado, a avença girou em torno de 10 milhões de euros e poderá chegar a 15 milhões se a seleção vencer a copa. Ante o volume do dinheiro, se caracterizada justa causa, o contrato poderá ser rescendido. As entidades esportivas confederadas poderão intervir neste assunto administrativamente através dos seus representantes, seguindo as linhas traçadas pelo estatuto. 
Se o treinador fosse brasileiro, certamente os valores não somariam tal fortuna. A avença em tela representa um constrangimento moral como se os treinadores brasileiros fossem profissionais de inferior categoria, incapazes de comandar a seleção. O modus operandi neste episódio constitui precedente ignominioso.  
Princípio universal de direito: Pacta sunt servanda = “As convenções devem ser observadas”. Temos o dever moral de honrar a palavra empenhada. Temos o dever jurídico de cumprir as obrigações que de livre e espontânea vontade assumimos nos contratos.
Desde a Antiguidade, os humanos celebram pactos e contratos visando ao cumprimento do que neles se contêm. Entretanto, a execução desses acordos deixa de ser exigível quando há vício de vontade ou alguma outra causa que os nulifique. Filósofos como Lucrécio (95-52 a.C.), Hobbes (1588-1679) e Rousseau (1712-1778), nas suas teorias sobre o estado, partem do pressuposto da existência de um virtual pacto ditado pela razão na passagem da sociedade natural (estado de natureza) para a sociedade civil (estado de cultura). O contrato social assim convencionado divide a sociedade em governantes e governados. As relações comerciais antigas e modernas firmam-se em contratos verbais e escritos. No mundo contemporâneo, as relações gerais de trabalho entre empregador e empregado e as relações especiais de trabalho entre o autônomo prestador de serviços e o tomador de serviços, firmam-se também em contratos verbais e escritos. A formação, a execução e a extinção dos contratos estão normatizadas na ordem jurídica.  

domingo, 11 de maio de 2025

ADVOCACIA

Na sessão plenária desta segunda semana de maio/2025, foi discutida no Supremo Tribunal Federal (STF) a seguinte questão: O advogado público está obrigado a se inscrever na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)? 
Este assunto não é do interesse geral da nação. Circunscreve-se a uma classe técnica e intelectual de trabalhadores. 
À questão em foco, até o momento, 4 ministros responderam NÃO; 3 ministros responderam SIM; 1 ministro, apesar de não ser mineiro, respondeu nem sim, nem não, muito pelo contrário. Faltam 3 votos. Enquanto o julgamento não for encerrado, os ministros podem mudar os seus votos. Depois de concluído o julgamento, ter-se-á formado o entendimento da maioria. Se a resposta final for SIM, a inscrição dos advogados públicos na OAB será obrigatória. Nesta hipótese, se o STF atribuir efeito retroativo à decisão, os advogados públicos deverão pagar as contribuições desde a data em que deixaram de fazê-lo. Isto não deve assustá-los, posto que as contribuições são anuais e módicas.  
A questão em tela tem sabor bizantino, como se o STF fosse provocado para decidir se os anjos têm ou não têm sexo. 
A natureza da atividade do advogado público é advocatícia, como o título do cargo está a indicar. A Constituição da República Federativa do Brasil (CR) atribui à advocacia pública competências privativas dos advogados: (i) postulação perante órgãos do Poder Judiciário (ii) consultoria e assessoria jurídicas (CR 131). Ex vi do tratamento constitucional, o advogado público qualifica-se como servidor público especial, com regime estatutário próprio, nas esferas federal, estadual e municipal. O ingresso nessa carreira ocorre após aprovação em concurso público de provas e títulos. A conditio sine qua non para esse ingresso é o candidato ser bacharel em direito e estar inscrito na OAB. 
Diante disto, cabe o questionamento: 1. A nomeação do candidato para esse cargo público tem o imediato e automático efeito de cancelar a inscrição na OAB? 2. O fato de ser funcionário público especial, com estatuto próprio, isenta o advogado público da obrigação de estar inscrito na OAB?
Tanto o advogado público como o advogado privado exercem a mesma profissão: advocacia. O Conselheiro Acácio exultaria diante desta constatação. O advogado público e o advogado privado não autônomo, exercem a profissão com vínculos distintos: o primeiro, na qualidade de servidor público especial, e o segundo, na qualidade de empregado. Esses vínculos condicionam a atividade do advogado. O advogado público defende os interesses da União, do Estado ou do Município a que esteja vinculado, cujas pessoas jurídicas de direito público ele representa judicial e extrajudicialmente. Como consultor e assessor jurídico do Poder Executivo, o advogado público, remunerado pelos cofres públicos, goza de independência nos seus pareceres orais e escritos manifestados livremente segundo a sua consciência e o seu saber jurídico, ainda que desagrade o chefe. O advogado empregado, remunerado pelos cofres particulares, defende os interesses do empregador, representa-o judicial e extrajudicialmente, responde às suas consultas e presta-lhe assessoria jurídica. Aqui, o risco é maior do que ali, pois, se o parecer desagradar o empregador, o advogado pode perder o emprego, o que não acontece com o advogado público. 
Segundo os estatutos da advocacia e da OAB, os advogados públicos, por serem profissionais da advocacia, estão obrigados a se inscrever e a pagar as contribuições anuais. 
De acordo com a hierarquia, lei complementar está acima de lei ordinária (CR 59). A advocacia pública está organizada por lei complementar (73/1993). A advocacia privada está organizada por lei ordinária (8.906/1994). Todavia, incide o princípio enunciado pela ciência do direito: a lei posterior revoga a lei anterior. No Brasil, esse princípio está patenteado na lei de introdução ao código civil (DL 4.657/1942, artigo 2º, §§ 1º e 2º). A lei da advocacia e da OAB é posterior à lei da advocacia pública. Indaga-se: A hierarquia impede a lei ordinária posterior de revogar a lei complementar anterior? Responde-se: Não. A retro citada lei de introdução ao código civil não distingue o tipo de lei, se complementar ou ordinário. Portanto, não cabe ao intérprete distinguir. 
O advogado público está sujeito aos deveres contidos (i) no seu estatuto próprio e (ii) no estatuto da advocacia. Se houver alguma pontual incompatibilidade, prevalece o disposto na lei posterir. Essa dupla subordinação não afeta o específico dever de manter a sua inscrição na OAB, ou de renová-la, se a primitiva inscrição foi cancelada. O lícito exercício da advocacia, quer seja pública, quer seja privada, depende, ex vi legis, da inscrição na OAB.   
Da complexidade dos atos e fatos jurídicos decorre a especificidade do raciocínio jurídico exposta por filósofos como o belga Chaim Perelman e o espanhol naturalizado mexicano Luis Recasens Siches, em suas respectivas obras, depois de perscrutarem nos tribunais, o modo pelo qual os juízes argumentavam ao fundamentar as suas decisões. Notaram que a razoabilidade preponderava sobre o rigor lógico-formal. O motivo disto encontrava-se: (i) no caráter conflituoso das relações humanas (ii) nos valores morais hierarquizados de modo diferente conforme a cultura de cada povo (iii) nos distintos costumes dos grupos regionais (iv) no anseio dos jurisdicionados por justiça que não se ajustava à lógica matemática. 
A lei brasileira reflete essa lógica do razoável quando assim dispõe: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum" (DL 4.657/1942, artigo 5º). 
Tudo isto exige dos magistrados ponderação ao apreciarem as questões no devido processo jurídico. Tais questões emanam das nuances da realidade política, econômica e social e do estremecimento das relações humanas gerado por ideias, posições e forças adversas. 
Destarte, natural que ocorra divergência entre juízes do mesmo órgão colegiado no debate sobre o mesmo caso concreto.