domingo, 6 de abril de 2025

JUIZ EMOTIVO

Na recente sessão em que o Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu a denúncia criminal oferecida pelo Procurador-Geral da República contra Jair Messias Bolsonaro e outros, ouviu-se a expressão "debaixo da toga pulsa um coração" dita por um dos ministros. Provavelmente, a intenção do poeta foi a de, com aquela frase, lembrar ao público e à imprensa, de que os juízes têm sentimentos que podem influir nas suas decisões. A citada expressão lembra a metáfora: “No peito de um bruto também bate um coração”. Lembra, também, o título de célebre faroeste do século XX: “Os brutos também amam”.
Por esta senda, o ministro entendeu que as penas aplicadas aos condenados pela rebelião de 8 de janeiro de 2023, iter criminis da tentativa de golpe contra o estado democrático de direito, deviam ser revistas e atenuadas porque os julgamentos foram realizados sob violenta emoção dos julgadores. 
Assim se manifestando, o ministro atribuiu a si mesmo e aos seus colegas da 1ª Turma do STF, descumprimento dos deveres de exatidão, independência e serenidade, atribuídos aos magistrados por lei orgânica da magistratura nacional (Lei Complementar 35/1979, artigo 35, item I). O descumprimento desses deveres retira a credibilidade do órgão julgador. 
Na judicatura estão implicadas a racionalidade e a sensibilidade dos magistrados, objetividade e um toque de subjetividade. Se assim não fosse, os julgadores não seriam humanos. Por serem humanos, os magistrados têm seus acertos e seus erros durante a judicatura. Por serem portadores de cultura jurídica, de formação moral acima da média e do explícito dever de manter conduta irrepreensível na vida pública e na vida privada, os magistrados devem estar mais próximos do certo do que do errado, da verdade do que da falsidade, do justo do que do injusto. Os erros intencionais são indesculpáveis, moral e juridicamente ilícitos e sujeitam os magistrados às punições previstas em lei.    
Se, no curso do processo judicial, o magistrado sentir violenta emoção, deverá se afastar do julgamento e se declarar suspeito, consoante regras processuais. 
No caso em tela, a confissão do ministro acarreta a nulidade dos processos judiciais referentes ao movimento subversivo de 08/01/2023, porque as ações penais respectivas foram julgadas sob violenta emoção dos juízes da 1ª Turma do STF. Não se trata, pois, de revisão das penas aplicadas e sim de nulidade processual insanável por violação do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição da República (garantia do devido processo legal) e do artigo X, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (garantia do julgamento por tribunal independente e imparcial). Os processos devem ser redistribuídos para a 2ª Turma ou para o Plenário do STF, de acordo com o sistema jurídico brasileiro. 
Juízo emotivo proferido no processo, tanto na esfera cível como na esfera criminal, retira a segurança jurídica das partes e dos cidadãos em geral. Julgando sob violenta emoção, os juízes não asseguram às partes,  tratamento independente, imparcial e isonômico. 
SE os demais ministros da 1ª Turma discordarem do colega e negarem ter julgado sob violenta emoção, a higidez dos processos não será afetada. Nesta hipótese, os ministros poderão rever as penas aplicadas se as entenderem excessivamente rigorosas. Contudo, convém lembrar que os crimes contra o estado são gravíssimos e costumam ser punidos com o máximo rigor de modo a evitar a reincidência. Há países em que esses crimes são punidos com a pena de morte. No Brasil, a pena de morte só é aplicável no caso de guerra declarada, conforme dispõe a letra a, do inciso XLVII, do artigo 5º, da Constituição da República. 
Portanto, o ministro relator do processo errou ao flexibilizar o cumprimento da pena aplicada a uma rebelde subversiva. Com isto e pela incidência do princípio de que todos são iguais perante a lei, o relator abriu as portas do presídio para a saída dos demais condenados pelo mesmo crime. Somente SE os outros ministros da Turma votarem contra essa infeliz decisão, aquelas portas ficarão novamente fechadas como convém.   
A autoria e a materialidade daquele crime estavam evidenciadas por provas robustas e pela prisão em flagrante. A culpabilidade ficou demonstrada na instrução criminal. Durante os trâmites do processo, os réus tiveram respeitados os seus direitos ao contraditório e de ampla defesa. Nenhum deles arguiu nulidade gerada pelo estado emocional dos juízes. O julgamento das ações penais não ocorreu no calor daquele episódio criminoso e sim muito tempo depois. 
Destarte, afigura-se muito difícil acreditar que juízes do mais alto tribunal do país emocionar-se-iam de forma violenta em um caso sub judice, a ponto de perderem o senso de justiça.   

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