No discurso de 12/03/2025, em Brasília, sobre a medida provisória que instituiu o empréstimo consignado para os trabalhadores, o presidente da república usou a expressão “mulher bonita” ao se referir à ministra Gleisi Hoffmann. Isto foi o quanto bastou para gerar (i) o furor histérico das patrulheiras feministas (ii) críticas acerbas ditadas pelo oportunismo dos opositores ao governo e pelo raquitismo moral do jornalismo de direita (iii) ofensas pessoais a parlamentares e ao presidente da república. Fizeram tempestade em copo d'agua.
Duas ou mais pessoas podem divergir sobre o valor estético de um indivíduo ou de um objeto. O que parece bonito para uns, parece feio para outros. Se a ministra parece bonita aos olhos do governante, pode parecer feia aos olhos do governado. A esposa do atual presidente da república brasileira e a esposa do presidente que o antecedeu podem ser consideradas mulheres de beleza mediana, ou seja, nem bonitas e nem feias. Maria Thereza e Marcela, esposas dos vice-presidentes João Goulart e Michel Temer, respectivamente, eram mulheres lindas.
Desde a segunda década do século XX, a indústria cinematográfica exporta para o mundo o padrão ocidental de beleza feminina. Dentro desse padrão, destacam-se em filmes nacionais: Leila Diniz, Letícia Sabatella, Norma Bengell, Sônia Braga, Tônia Carrero. Em filmes estrangeiros: Angelina Jolie, Brigitte Bardot, Catherine Deneuve, Elizabeth Taylor, Romy Schneider, Sophia Loren. Dos concursos de beleza da Era de Ouro destacam-se: Marta Rocha, Terezinha Morango, Vera Fischer, Yedda Maria Vargas. Das passarelas: Adriana Lima, Ana Paula Arósio, Gisele Bündchen, Maria Fernanda Cândido.
Maria Bonita, companheira de Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião, rei do cangaço, recebeu aquele apelido aos 27 anos de idade, ao ser degolada por um oficial na refrega de Angicos (1938). No ato bárbaro, os policiais admiraram o bonito rosto daquela mulher. Ela foi a primeira a ingressar voluntariamente no bando de cangaceiros a fim de viver uma história de amor com Lampião (1930). As imagens dela mostram um modelo nordestino de beleza que não se encaixa no padrão sulista de beleza feminina. Ela virou tema de música: “Acorda Maria Bonita, levanta vem fazer café, o dia já vem raiando e a polícia já está de pé”. Maria cuidava das suas próprias armas. Então, por que os homens do bando não faziam o café que bebiam? Machismo comum no Nordeste daquela época (1911-1938).
Diacuí era a mais linda índia da nação kalapalo do Alto Xingu em Mato Grosso (1933-1953). Na adolescência, amancebou-se com o sertanista Ayres Câmara Cunha. Ele a trouxe para o Rio de Janeiro onde se casaram no civil e no religioso, num clima de euforia nacional, como símbolo da miscigenação no Brasil. Entretanto, ela não se encaixava no padrão carioca de beleza feminina. Foram inúteis os tratamentos e cosméticos para assemelhá-la às mulheres cariocas. Ela morreu, aos 20 anos de idade, longe do marido, na casa onde os dois moravam, localizada fora da aldeia,
Imagens fidedignas são mais eloquentes do que palavras. Duas servem de apêndice a este artigo. [1] Nos Estados Unidos, enquanto notava os trejeitos do seu marido no palco, a bela Angelina Jolie, assistindo da plateia, foi filmada olhando para ele com gélido enfado. Ela parecia cansada daquela presença. [2] No Brasil, enquanto notava a sandice do seu marido presidente, Michelle foi fotografada olhando para ele com aquela mesma expressão de tédio, vazia de afeto.
Há mulher que atura marido – não por amor – e sim por outros motivos. Às vezes, por não suportarem parceria com homem ou por não mais atraírem a atenção dos homens, mulheres optam pela companhia umas das outras numa relação lesbiana.
O elogio do presidente da república à aparência da ministra, citado no início deste artigo, está dentro das normas do decoro. Atitude gentil, em público, sem o propósito (i) de namoro, sedução ou de relacionamento sexual (ii) de sugerir que a nomeação da ministra se deve à sua aparência física e não à sua inteligência e capacidade de trabalho.
O tropeço do presidente foi no viés contestatório do elogio. O adversário político havia dito que as mulheres à esquerda do espectro político eram feias, burras e incomíveis. O presidente deu a resposta de modo infantil, próprio de crianças que brigam porque uma chama a outra de feia. Assim procedendo, ele sujeitou a aparência física da ministra ao julgamento estético da população e a questionamentos zombeteiros do tipo: Bonita? Cara de alemã, corpo não acinturado, bunda reta, pernas grossas, seios pequenos, e assim por diante.
Espera-se de um chefe de estado conduta ilibada, cautelosa e ponderada. Isto implica, por exemplo, ficar acima de provocações rasteiras, desprezar o provocador e lhe cancelar o nome.
Do ponto de vista da aparência física, tanto nos partidos de esquerda como nos partidos de direita, há mulheres feias e mulheres bonitas. De um modo geral, são mulheres inteligentes, cultas e laboriosas. Destarte, a realidade social desmente o provocador. Falta suporte fático à provocação do nazifascista. Ao dar-lhe importância e resposta, o presidente desceu ao baixo nível moral do provocador.
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