domingo, 30 de março de 2025

ALIMENTO

Vida é força natural que dá existência, no tempo e no espaço, aos seres vegetais e animais. Até o momento, não há notícia da ocorrência desse fenômeno em outros planetas, embora considere-se a probabilidade diante da imensidão do universo. No que concerne aos animais, valoriza-se a vida como o bem mais precioso dos humanos, cercada de cuidados preventivos e restauradores e de garantias jurídicas.
Para manter e conservar esse precioso bem desde o nascimento até a morte, os humanos necessitam de ar, água, alimento e abrigo. Em sendo essenciais à vida humana, esses elementos devem ser acessíveis a todas as pessoas em todos os polos e continentes do planeta. Os vulneráveis devem ser socorridos. A falta de dinheiro não deve ser óbice ao acesso a esses elementos. A preservação da vida é direito natural dos seres humanos.  
No Brasil, os produtores e comerciantes do setor alimentício mantêm os preços dos seus produtos e mercadorias em nível muito elevado. A camada pobre da população não tem poder aquisitivo à mesma altura. Esta situação não mudará enquanto continuar (i) a selvageria nessa área (ii) a desmedida ganância por ganhos cada vez maiores (iii) o tratamento dos elementos essenciais à vida humana como mercadorias circulantes sob a lei da oferta e da procura. 
Obcecados por lucro cada vez maior, ilimitado, permanente, os donos do capital são insensíveis ao sofrimento das famílias pobres e miseráveis. O presidente da república brasileira aconselhou os integrantes dessa vulnerável camada da população (i) a não comprar onde os preços estiverem altos (ii) a procurar os estabelecimentos onde os preços estiverem baixos. Choveu no molhado. Lição da experiência social: Ante o reduzido poder aquisitivo, os pobres buscam sempre o mais barato em armazéns, em lojas, em feiras, ou junto a vendedores ambulantes. Além disto, há pobres sem a mínima capacidade de compra. Não são raras as pessoas da elite econômica e da camada social dos remediados, que taxam os pobres de vagabundos e preguiçosos. Quem não trabalha não tem direito de comer, dizem de um modo genérico, irrazoável, injurioso e preconceituoso. Eis aí o mundo cão.  
A esquerda é loquaz no que tange à justiça social, porém, quando no governo, mostra-se lenta, omissa, verborrágica, paralítica. Ao invés dos costumeiros e padronizados discursos, a esquerda, quando no governo, devia agir de modo concreto e eficaz. Assim, por exemplo, vendo que a camada pobre da sociedade tem pouco ou nenhum dinheiro para comprar alimentos, nem possui meios para produzi-los, o governo de esquerda devia: 1. Organizar granjas e fazendas públicas em todos os estados da federação 2. Criar postos de distribuição dos produtos exclusivamente para as famílias dessa camada vulnerável da população. A iniciativa do governo estaria em sintonia: 1. Com um dos fundamentos da república brasileira: o princípio da dignidade da pessoa humana 2. Com os seguintes objetivos da república brasileira: (i) construir uma sociedade livre, justa e solidária (ii) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (iii) promover o bem de todos 3. Com os seguintes objetivos da assistência social: (i) proteção à família (ii) amparo às crianças e adolescentes carentes. As granjas e fazendas teriam seus estatutos de empresas públicas estabelecidos em lei. A iniciativa do governo estaria amparada nos artigos 1º, inciso III + 3º, incisos I, III e IV + 203, incisos I e II + 173, §1º, da Constituição da República.      
O sistema produtivo privado abasteceria as camadas remediadas e ricas da sociedade brasileira e os países importadores. O sistema produtivo público abasteceria a camada pobre da sociedade brasileira com alimentos de boa qualidade e de origem confiável, fornecidos gratuitamente. A demagogia do governante ficaria menor diante da racionalidade, da objetividade e da legalidade desta divisão social da produção e distribuição de alimentos. 
Sem os sofisticados e falaciosos argumentos de fundo ideológico, dar-se-ia interpretação humanista, sensata, útil, realista, à lição do notável educador Paulo Freire: “Não dê o peixe, ensine a pescar”. 
Diante da realidade, há urgência em dar o peixe a quem passa fome e está desnutrido. Não se deve negar alimento às pessoas nessas condições. A morte chega antes do aprendizado. A educação e o processo ensino/aprendizagem são de suma importância para o desenvolvimento de qualquer nação do mundo, porém, a nutrição das crianças e dos adultos deve ser prioritária e imediata. Trata-se de preservar o bem humano mais precioso: a vida. Merenda escolar balanceada e gratuita aos estudantes pobres foi o primeiro degrau. Gratifica a alma ver na escola crianças bem nutridas, alegres e felizes.  


domingo, 23 de março de 2025

ORAÇÃO PELA PAZ

Mensagem compartilhada no WhatsApp convida os destinatários a orarem, em cadeia (?!?!) pela paz no mundo e pela paz na Síria e no Iraque. Informa que a iniciativa foi do Papa Francisco. Pede urgência na oração porque (i) Quaragosh, maior cidade cristã do Iraque, foi tomada por grupo radical islâmico (ii) cristãos adultos e crianças estão sendo decapitados. 
Mensagem anacrônica e falsa.  O grupo radical Estado Islâmico invadiu aquela região do Iraque em 2014. Cristão que recusava converter-se ao islamismo fugia para não morrer. Dois anos depois, a facção extremista foi expulsa. Qaraqosh voltou à normalidade. O Papa Francisco encontra-se internado em hospital. Alguém do clero, ou leigo, enviou a mensagem como sendo atual e citou o Papa como remetente. Há 10 anos atrás, o Papa pediu oração pela paz no Iraque, país muçulmano, a fim de proteger os cristãos lá residentes. 
Per se, a súplica por oração é válida, porém, se usada como esperteza para lograr motivo oculto, perde credibilidade. A oração pela paz no mundo prescinde da intervenção do Papa. Basta cada pessoa: (i) cultivar o hábito de, com fervor, durante os períodos de meditação, enviar pensamentos de paz e amor à humanidade (ii) utilizar essa via mental também para melhorar a saúde de pessoas doentes. Trata-se de prática humanitária. A eficácia da via mental depende das circunstâncias que envolvam emissor e receptor. 
Nessa operação atuam duas forças fundamentais da natureza: a eletromagnética e a gravitacional. Essa energia vibra em distintas frequências e dinamiza todos os seres da natureza. O pensamento move-se com essa energia e se manifesta em ondas de várias frequências. Ao serem expedidas do cérebro para o exterior, essas ondas se conectam a uma rede (“nuvem”) oriúnda da experiência humana, composta de sons, imagens, ideias e sentimentos amalgamados e registrados em dimensão própria. A sensibilidade do organismo humano capta informação dessa nuvem eletromagnética. O pensamento em forma de oração, grávido de ideias e de sentimentos, produz o efeito almejado pelo emissor quando sintonizado com a mencionada nuvem. Todo esse mecanismo operacional assemelha-se ao mecanismo de comunicação dos telefones celulares.
Mundo espiritual povoado de divindades e de espíritos desencarnados só existe na cabeça do teólogo, do sacerdote, do pastor, do rabino, do guru, do pai-de-santo e quejandos. Algumas orações destinam-se a obter o favor divino em prol de um dos lados da guerra, impactante evidência da estupidez humana. Na mensagem ora comentada, percebe-se o reflexo da milenar guerra entre religiões: cristianismo de um lado e islamismo de outro. O filósofo alemão Karl Marx foi muito feliz quando, acertadamente, equiparou a religião ao ópio. O cientista alemão Albert Einstein exibiu a sua descrença ao nivelar a Bíblia aos contos da carochinha. O matemático e filósofo inglês Bertrand Russell atribuiu ao crente a obrigação de provar a existência de deus. O descrente não tem obrigação de provar a inexistência de deus. O teólogo e filósofo holandês Erasmo de Roterdã defendeu a plena liberdade de pensamento, a total independência intelectual diante das crenças. Ele denunciou a loucura da humanidade em acreditar na existência de entidades invisíveis, intocáveis, inaudíveis, imperceptíveis. O matemático e filósofo francês René Descartes disfarçou a sua descrença na religião ao conceituar o pensamento como essência da alma: “Cogito ergo sum”. Escandalizou a comunidade científica da sua época ao apontar a glândula pineal como sede da alma. O matemático e astrofísico inglês Stephen Hawking foi categórico: “Nós, seres humanos, somos limitados fisicamente, porém, nossas mentes estão livres para explorar todo o universo”. Convém frisar: as mentes estão livres quando desvencilhadas das barreiras dogmáticas da religião, da ciência, da filosofia e dos costumes. 
Líderes religiosos como Moisés, Jesus, Maomé, investiram na face irracional da natureza humana; no medo e na ignorância comuns aos seres humanos. Inventaram divindades como Javé, Pai Celestial, Alá, a fim de satisfazer o apetite da massa humana por coisas metafísicas. Baseadas nas doutrinas desses mestres, as instituições religiosas constroem, com o dinheiro e a mão-de-obra dos crentes, templos enormes, decorados artisticamente. A "casa de deus” tem que ser grande e bela. Onipresentes, aqueles deuses moram nas suas inumeráveis casas na Terra, das quais eles saem esporadicamente para um passeio cósmico.   
O matemático, filósofo e teólogo francês Blaise Pascal colocou a inteligência racional ao lado da inteligência emocional na sua célebre frase “o coração tem razões que a razão desconhece”. O fulcro emocional da religião cria a ilusão da existência de deuses e de um mundo espiritual superior ao mundo material. A religião fomenta esperança, conforta, gratifica o eu interior, ameniza o sofrimento. Isto facilitou a fundação e a expansão das instituições religiosas e o domínio delas sobre os povos. Os mandamentos religiosos funcionam como freios morais que ajudam as pessoas a manter os seus demônios sob controle. Desse modo, os mandamentos contribuem para uma visão social ordeira ainda que a realidade seja caótica. O poder das lideranças religiosas só é possível porque a massa popular acredita nas palavras delas e nos valores que elas dizem representar.  

domingo, 16 de março de 2025

MULHER BONITA

No discurso de 12/03/2025, em Brasília, sobre a medida provisória que instituiu o empréstimo consignado para os trabalhadores, o presidente da república usou a expressão “mulher bonita” ao se referir à ministra Gleisi Hoffmann. Isto foi o quanto bastou para gerar (i) o furor histérico das patrulheiras feministas (ii) críticas acerbas ditadas pelo oportunismo dos opositores ao governo e pelo raquitismo moral do jornalismo de direita (iii) ofensas pessoais a parlamentares e ao presidente da república. Fizeram tempestade em copo d'agua. 
Duas ou mais pessoas podem divergir sobre o valor estético de um indivíduo ou de um objeto. O que parece bonito para uns, parece feio para outros. Se a ministra parece bonita aos olhos do governante, pode parecer feia aos olhos do governado. A esposa do atual presidente da república brasileira e a esposa do presidente que o antecedeu podem ser consideradas mulheres de beleza mediana, ou seja, nem bonitas e nem feias. Maria Thereza e Marcela, esposas dos vice-presidentes João Goulart e Michel Temer, respectivamente, eram mulheres lindas. 
Desde a segunda década do século XX, a indústria cinematográfica exporta para o mundo o padrão ocidental de beleza feminina. Dentro desse padrão, destacam-se em filmes nacionais: Leila Diniz, Letícia Sabatella, Norma Bengell, Sônia Braga, Tônia Carrero. Em filmes estrangeiros: Angelina Jolie, Brigitte Bardot, Catherine Deneuve, Elizabeth Taylor, Romy Schneider, Sophia Loren. Dos concursos de beleza da Era de Ouro destacam-se: Marta Rocha, Terezinha Morango, Vera Fischer, Yedda Maria Vargas. Das passarelas: Adriana Lima, Ana Paula Arósio, Gisele Bündchen, Maria Fernanda Cândido. 
Maria Bonita, companheira de Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião, rei do cangaço, recebeu aquele apelido aos 27 anos de idade, ao ser degolada por um oficial na refrega de Angicos (1938). No ato bárbaro, os policiais admiraram o bonito rosto daquela mulher. Ela foi a primeira a ingressar voluntariamente no bando de cangaceiros a fim de viver uma história de amor com Lampião (1930). As imagens dela mostram um modelo nordestino de beleza que não se encaixa no padrão sulista de beleza feminina. Ela virou tema de música: “Acorda Maria Bonita, levanta vem fazer café, o dia já vem raiando e a polícia já está de pé”. Maria cuidava das suas próprias armas. Então, por que os homens do bando não faziam o café que bebiam? Machismo comum no Nordeste daquela época (1911-1938).
Diacuí era a mais linda índia da nação kalapalo do Alto Xingu em Mato Grosso (1933-1953). Na adolescência, amancebou-se com o sertanista Ayres Câmara Cunha. Ele a trouxe para o Rio de Janeiro onde se casaram no civil e no religioso, num clima de euforia nacional, como símbolo da miscigenação no Brasil. Entretanto, ela não se encaixava no padrão carioca de beleza feminina. Foram inúteis os tratamentos e cosméticos para assemelhá-la às mulheres cariocas. Ela morreu, aos 20 anos de idade, longe do marido, na casa onde os dois moravam, localizada fora da aldeia,  
Imagens fidedignas são mais eloquentes do que palavras. Duas servem de apêndice a este artigo. [1] Nos Estados Unidos, enquanto notava os trejeitos do seu marido no palco, a bela Angelina Jolie, assistindo da plateia, foi filmada olhando para ele com gélido enfado. Ela parecia cansada daquela presença. [2] No Brasil, enquanto notava a sandice do seu marido presidente, Michelle foi fotografada olhando para ele com aquela mesma expressão de tédio, vazia de afeto. 
Há mulher que atura marido – não por amor – e sim por outros motivos. Às vezes, por não suportarem parceria com homem ou por não mais atraírem a atenção dos homens, mulheres optam pela companhia umas das outras numa relação lesbiana. 
O elogio do presidente da república à aparência da ministra, citado no início deste artigo, está dentro das normas do decoro. Atitude gentil, em público, sem o propósito (i) de namoro, sedução ou de relacionamento sexual (ii) de sugerir que a nomeação da ministra se deve à sua aparência física e não à sua inteligência e capacidade de trabalho. 
O tropeço do presidente foi no viés contestatório do elogio. O adversário político havia dito que as mulheres à esquerda do espectro político eram feias, burras e incomíveis. O presidente deu a resposta de modo infantil, próprio de crianças que brigam porque uma chama a outra de feia. Assim procedendo, ele sujeitou a aparência física da ministra ao julgamento estético da população e a questionamentos zombeteiros do tipo: Bonita? Cara de alemã, corpo não acinturado, bunda reta, pernas grossas, seios pequenos, e assim por diante.  
Espera-se de um chefe de estado conduta ilibada, cautelosa e ponderada. Isto implica, por exemplo, ficar acima de provocações rasteiras, desprezar o provocador e lhe cancelar o nome. 
Do ponto de vista da aparência física, tanto nos partidos de esquerda como nos partidos de direita, há mulheres feias e mulheres bonitas.  De um modo geral, são mulheres inteligentes, cultas e laboriosas. Destarte, a realidade social desmente o provocador. Falta suporte fático à provocação do nazifascista. Ao dar-lhe importância e resposta, o presidente desceu ao baixo nível moral do provocador. 

quinta-feira, 13 de março de 2025

ARDIL

 Sorrateira vem a noite

Auspicioso vem o dia

Do bravo mar o açoite

Naquele que o desafia

 Em toda assembleia geral

Juntos andam Bem e Mal

Mostra a clara luz da tela

O rosto sério de Gabriela

quinta-feira, 6 de março de 2025

A SENDA

 Ir em nervosa busca

Algo a senda ofusca

Se reinava o encanto

Agora reina o pranto

 Olhos claros e feição plana

A verdade na mente insana

Justiça sob véu da santidade

Ilusória crença na divindade

domingo, 2 de março de 2025

DEMOCRACIA GENI

Tal como a Geni da canção do Chico Buarque, a democracia brasileira é maltratada. Nascida de uma operação cesariana em 15 de novembro de 1889, na cidade do Rio de Janeiro, certidão de nascimento lavrada em 24 de fevereiro de 1891, a democracia brasileira teve fraldas trocadas na infância, foi estuprada na adolescência e de colombina vestida na maturidade. Aos 134 anos de idade, foi emancipada. 
Nota-se o paralelo. Em 13 de maio de 1888, princesa da monarquia brasileira chamada Izabel, emancipou os escravos da tutela dos proprietários. Em 8 de janeiro de 2023, primeira-dama da república brasileira chamada Rosângela, emancipou os civis da tutela dos militares. A postura lúcida, firme e corajosa dessa mulher impediu o presidente da república de caír numa arapuca. Os militares já estavam de prontidão. No intuito de garantir a lei e a ordem, eles assumiriam o comando do estado se - estribado no artigo 142 da Constituição - o presidente os convocasse. A atitude da primeira-dama levou o governo civil a usar sua própria energia, inteligência e autoridade, para sufocar aquela rebelião programada para consumar o golpe de estado arquitetado por militares. 
A denúncia criminal apresentada pelo Procurador-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal em 18 de fevereiro de 2025, contra Jair Messias Bolsonaro e outros, informa com precisão e robusta prova, os atos e fatos que caracterizaram o golpe tentado e fracassado. 
No curso da vida republicana, sob constrangedora tutela das forças armadas (1889-2023), regimes democráticos e regimes autocráticos se alternaram lastreados ora em constituições votadas por democratas, ora em cartas outorgadas por ditadores. Estas oscilações obscureceram o conceito de democracia na sociedade brasileira. 
A origem da palavra democracia é grega: demo (povo) + cratos (poder). Referido a Atenas, cidade/estado grega, esse poder do povo significava capacidade dos nativos de governar a si próprios dentro do seu território. Povo era a comunidade de pessoas atenienses do sexo masculino e de certa idade, proprietárias de bens, com direito ao sufrágio. No evolver da democracia na Europa, todos os homens livres, alfabetizados, de determinada faixa etária, constituíam o povo, isto é, o corpo eleitoral do estado. Nas democracias europeias e americanas do século XX, as mulheres adquiriram direito ao sufrágio e passaram a integrar o povo no específico sentido político e jurídico de corpo eleitoral, distinto do genérico sentido sociológico e demográfico de nação e população.    
Na república tutelada, os comandantes das forças armadas são os detentores do real e eficaz poder de governar o povo. Militarismo sobrepõe-se a civilismo. Nos negócios de estado, prevalece a vontade dos oficiais militares, coincidente ou não coincidente com a vontade do povo. Diferenças culturais (ideológicas, intelectuais, religiosas, econômicas) na sociedade civil, conspiram contra a pretendida unidade de vontade de seres coletivos como exército e povo. Disto se aproveita o autocrata para se afirmar legitimado pelo consenso de parcela da nação. 
Na Idade Moderna, democracia passou a ser vista com lentes ideológicas tendo por escopo o bem-estar e a segurança das pessoas, bem como, a realização do sonho de paz e felicidade. Nos estados capitalistas, a democracia é liberal; o seu esteio são as ideias de liberdade e de propriedade privada. Nos estados socialistas, a democracia é igualitária; o seu esteio são as ideias de igualdade e de propriedade coletiva. Nos dois modelos de estado, a sede do poder é o povo.  O exercício desse poder se faz em nome do povo. Os representantes do povo são eleitos de forma direta e/ou indireta, conforme as regras do processo eleitoral de cada país soberano. 
A forma de governo nos estados capitalistas e nos estados socialistas mostra-se autocrática quando a liberdade e a igualdade são submetidas a severas restrições conforme o talante dos ditadores. 
No histórico plano dos fatos, não há fidelidade a modelos teóricos. Imperam a necessidade, a utilidade e o interesse. Mas, e a lei? Eis a sarcástica resposta de Napoleão Bonaparte: “A lei? Ora, a lei”. 
A Constituição, no caput do artigo 5º, garante aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à liberdade. Sob os incisos IV e IX, desse artigo, assegura as liberdades: (i) de manifestação do pensamento (ii) de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. 
As garantias constitucionais não amparam o exercício ilícito do direito à liberdade. Os limites traçados pela ordem jurídica devem ser respeitados pelos brasileiros e estrangeiros aqui residentes. O estrangeiro que trabalha no Brasil (indivíduo ou empresa) tem o dever de (i) respeitar a soberania nacional (ii) se enquadrar na lei brasileira (iii) acatar as decisões dos juízes brasileiros proferidas no devido processo legal. 
Impertinente, portanto, a nota expedida pelo departamento de estado dos Estados Unidos, acusando a justiça brasileira de violar a liberdade de expressão e os valores democráticos no caso das Big Tech. Com aquela nota, o governo estadunidense pretende: (i) a impunidade das empresas privadas americanas (ii) defender os valores autocráticos dos nazifascistas nacionais e estrangeiros.
A Constituição, no seu artigo 17, exige dos partidos políticos o resguardo da soberania nacional e do regime democrático. Portanto, violam essa norma constitucional os partidos: (i) que prestam continência a governo estrangeiro em detrimento da soberania nacional (ii) que, no plano dos fatos, caracterizam-se como de extrema direita. 
Ainda que os estatutos do partido declarem amor à democracia, a extrema direita é visceralmente autocrática; a sua mentalidade e a correspondente ação social e política são incompatíveis com as instituições democráticas. Imperiosa, pois, a necessidade de o Tribunal Superior Eleitoral cassar o registro desses ninhos de nazifascistas. Cabe ao Ministério Público apurar a responsabilidade penal das lideranças dos partidos de extrema direita, tendo em vista a continuada ação delituosa deles contra o estado democrático de direito. A Ordem dos Advogados do Brasil e outras organizações civis têm o dever cívico de engajamento nessa luta.