quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

OS MILITARES E A REPÚBLICA II

No domingo, 01/12/2024, repercutiu na sociedade brasileira, o conteúdo de um vídeo produzido pela Marinha do Brasil, que retirou do âmbito especulativo e trouxe para o âmbito dos fatos, o preconceito dos militares em relação aos civis. A gravação expôs o elevado conceito que os militares têm de si próprios: patriotas valorosos, submetidos a duras provas e a trabalhos penosos, longe da família, sacrificam-se pelo amor à pátria. Paralelamente, a gravação expôs o desdourado conceito que os militares fazem dos civis: vagabundos que só querem lazer e que não demonstram amor pela pátria. Os produtores do vídeo esqueceram que os cônjuges, filhas e filhos de militares, têm vida social fora da caserna, frequentam praias, shoppings centers, mercados, feiras, namoram, divertem-se em festas e festivais, viajam nas férias.  
A publicação do vídeo inteirou os brasileiros e os estrangeiros do caráter preconceituoso e arrogante dos militares e de como estes se consideram elite superior às elites civis e à massa popular. Esta sublimação embriagadora não os deixa ver (i) a inadequação deles para promover o desenvolvimento da nação e (ii) a evidência de que os civis integram a sociedade e alicerçam o estado. 
Com a sua força de trabalho no campo e na cidade, os seus talentos, os seus conhecimentos técnicos e científicos, a sua cultura, os civis estruturam a sociedade, inclusive organizam e sustentam as forças armadas e as bem nutridas panças dos generais. 
Essencialmente, as forças armadas destinam-se a proteger o território nacional e o povo de eventuais ataques estrangeiros. Há desvirtuamento quando essas forças: (i) instituem-se como poder militar (ii) exploram e oprimem o povo (iii) atuam como polícia interna. 
Nas repúblicas democráticas, quer as liberais, quer as sociais, as forças armadas também atuam nos casos de sedição a fim de garantir o poder civil legítimo do qual são servidoras. No Brasil, elas têm assumido o poder político porque se acham incorruptíveis e mais bem preparadas do que os civis para a arte de governar. Nos períodos de governança civil, elas próprias têm se tornado sediciosas, derrubam o governante e assumem a chefia do governo. O usurpador troca a farda pelo terno a fim de se distinguir, pelo menos na aparência, dos títeres das republiquetas. O povo brasileiro vem testemunhando e aturando esse fato político há 135 anos.
A “elite militar” brasileira simpatiza com a elite econômica formada pelos banqueiros e empresários da indústria, do comércio e da agropecuária. Além disto, funciona como parceira subalterna da elite militar dos Estados Unidos. As forças armadas brasileiras (i) abraçam a doutrina da segurança nacional elaborada naquele país (ii) tomam como modelo as estratégias, os desempenhos e o aparelhamento das forças armadas estadunidenses. Nessa febre, elas gastam fortunas prodigamente. No entanto, diferente dos Estados Unidos, o Brasil tradicionalmente (i) não é imperialista, terrorista, provocador e incentivador de guerras nos diversos continentes (ii) não tem os problemas e as necessidades daquele país norte-americano (iii) adota o pacifismo e a conciliação como política interna e externa (iv) há 152 anos vive em paz com os seus vizinhos. 
As últimas batalhas navais ocorreram no século XIX – estamos no século XXI! Desde a mais famosa delas, a do Riachuelo, na Guerra do Paraguai, já decorreram 159 anos. Como defensora da “pátria” brasileira, a Marinha vive parasitária desde aquela época no que concerne a confrontos bélicos com países da América. No século XX, ela participou modestamente das duas guerras mundiais, porém, não em defesa do território, do povo, do governo e da soberania do Brasil e sim em defesa da “pátria” de outros povos ... na Europa! 
A moça morena, simpática, risonha, que aparece no vídeo, convida-nos a desfrutar os privilégios da Marinha. Convite precedido de imagens de soldados submetidos a tratamento desumano ironicamente sugerido como “privilégio”. Percebe-se a mensagem subliminar: a brutalidade torna os soldados mais valorosos do que os civis. Esse tipo de instrução militar desperta o que há de pior na espécie humana: a irracionalidade, a bestialidade, o ódio. Rompida a liga humanitária, o soldado torna-se um mentecapto, sobrevivente, na Idade Moderna, do pithecanthropus erectus da Idade da Pedra, tal e qual o instrutor que aparece no vídeo.  
A atualidade brasileira requer mudanças, tais como: 1) Cortar pela metade a verba orçamentária e o efetivo das forças armadas. 2) Estabelecer o limite máximo da verba orçamentária anual das forças armadas calculado em percentual sobre o Produto Interno Bruto (PIB) do ano anterior. Exemplo: 0,0001% sobre o PIB/2023 de R$10,9 trilhões. 3) Fixar o soldo máximo em 20 salários-mínimos, vedado qualquer acréscimo a esse teto. 4) Determinar a passagem dos militares para a inatividade remunerada aos 60 anos de idade, desde que completados, no mínimo, 35 anos de serviço; antes disto, só por invalidez. 5) Proibir: (i) recrutamento forçado (ii) serviço militar obrigatório (iii) atividade política partidária e voto aos militares. 6) Atribuir ao Poder Legislativo a decisão sobre o caráter permanente ou provisório das forças armadas, submetida ao referendo popular. 7) Extinguir as academias e as escolas militares. 

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