Nas investigações da polícia federal noticiadas pela imprensa e pelo jornalismo televisivo, constatou-se a materialidade e a autoria do golpe desferido contra (i) a república democrática brasileira (ii) as vidas dos vencedores das eleições presidenciais de 2022 e do presidente do Tribunal Superior Eleitoral. O complô foi montado por militares ativos e da reserva e por civis de dentro e de fora do governo, todos integrantes da facção nazifascista liderada pelo então presidente da república. Apesar de o plano estar bem elaborado graças aos conhecimentos estratégicos dos militares, a sua execução falhou por falta de adesão da maior parte da oficialidade. Os crimes planejados não se consumaram; ficaram na tentativa. A ação delituosa não atingiu o resultado final. A responsabilidade por esses crimes é exclusiva dos seus agentes e não das instituições a que pertencem: Marinha, Exército, Aeronáutica, Universidade, Empresa, Igreja Evangélica, Senado Federal, Câmara dos Deputados, Administração Pública.
Os golpes de estado no Brasil explicam-se pela vocação caudilhesca reinante e pela questionável necessidade de manter forças armadas em tempo de paz. As relações entre o Brasil e os seus vizinhos da América do Sul são pacíficas desde o fim da guerra com o Paraguai (1865-1872). Da segunda guerra mundial (1939-1945) o exército brasileiro participou no biênio final, na Itália, sem que pairasse ameaça ao povo brasileiro. O governo brasileiro enviou para lá força expedicionária em troca da construção da usina siderúrgica de Volta Redonda e da fundação da Companhia Vale do Rio Doce para explorar minérios, negociadas em 1941 por Getúlio Vargas com o governo dos Estados Unidos. O preço do negócio foi a vida de mais de 400 soldados brasileiros. A briga não era com o Brasil e sim entre países europeus. O governo dos Estados Unidos resolveu ajudar o governo da Inglaterra e levou o Brasil de cambulhada.
Neste século XXI, rivalidades militares e corridas armamentistas diminuem enquanto crescem as rivalidades econômicas, as batalhas comerciais, a corrida tecnológica. Disputas entre nações exigem menos tropas de soldados e mais tropas de economistas, empresários, cientistas e técnicos. A segurança nacional depende mais da diplomacia e menos do exército.
Ante o exposto, afigura-se insana e indecente a fortuna que a nação brasileira gasta para manter forças armadas parasitárias, oficialato encharcado de bebidas finas e entupido de comidas refinadas, enquanto milhões de brasileiros passam fome, necessitam de assistência médica e hospitalar, desempregados, sem fonte de renda para sustento da família, vivem de bicos e da mendicância. Os civis que estão empregados cumprem duras jornadas por salários irrisórios. O sistema produtivo carece de incentivos do estado. Os civis são os alicerces da nação; empregam a sua inteligência, os seus conhecimentos, os seus talentos e a sua força de trabalho na produção nacional de bens e na prestação de serviços. Há insuficiência de dinheiro e de material nos setores da saúde, educação, cultura, ciência, tecnologia, meio ambiente, comunidade indígena. O aumento da verba orçamentária para tais setores é justo e necessário.
Na tradição militarista do Brasil, desde o golpe desferido contra a monarquia em 1889 até o golpe desferido contra a república democrática em 2022, as forças armadas se constituíram em poder militar absorvente do poder civil. Nivelaram a república brasileira às repúblicas de bananas do continente americano, submissas ao governo estadunidense. Outrossim, o Brasil não entra em conflito bélico com outras nações há 152 anos. Portanto, mostra-se razoável e compatível com a decência, a redução do efetivo e da verba orçamentária das forças armadas, bem como, o corte radical das mordomias e dos penduricalhos.
Quer na democracia liberal, quer na democracia social, o papel das forças armadas não é o de poder militar e sim o de servidoras do poder civil. Elas integram o sistema de segurança nacional, atuam em tempo de guerra e se recolhem ao quartel em tempo de paz, sem se imiscuir (i) nos assuntos da constitucional competência dos poderes legislativo, executivo e judiciário (ii) nos negócios privativos da sociedade civil.
Nas repúblicas democráticas federativas, cada ente federado, dentro dos seus limites territoriais, tem o seu sistema de segurança pública estadual a fim de manter a ordem e combater o crime. A intervenção federal nessa área é limitada e casuística ante a soberania residual dos estados federados, como acontece na União norte-americana, ou, ante a autonomia dos estados federados, como acontece na União brasileira. Tanto na guerra como na paz, as forças armadas subordinam-se ao Chefe de Estado (Poder Executivo) e aos Representantes da Nação (Poder Legislativo).
Historicamente, no Brasil, as forças armadas impõem os seus projetos. A espada atemoriza e constrange a autoridade civil. O legislador constituinte se curvou às forças armadas e as colocou no texto constitucional (i) em primeiro lugar, como defensoras da “Pátria” (ii) em segundo lugar, como garantidoras dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. Tal colocação facilita golpes de estado. Os conspiradores se dizem amparados no texto constitucional. Urge dar nova redação ao artigo 142 da Constituição da República e alterar a legislação militar em sintonia com os novos tempos.
Alencar, Francisco e/os. História da Sociedade Brasileira. Rio. Ao Livro Técnico. 1985. Pag. 158 + 255.
Código Penal Brasileiro. Artigos 13/14.
Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Artigo 142.
Kennedy, Paul. Preparando para o Século XXI. Rio. Campus. 1993. Pag. 126/27 + 337/39.
Supremo Tribunal Federal. A Constituição e o Supremo. Vol. 2. 2016. Pag. 1199/1200.