O Presidente da República Federativa do Brasil discursou na abertura da sessão anual regular da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. Jornalistas interpelaram-no por haver omitido no seu discurso a “crise” na Venezuela. O presidente respondeu que somente a ele cabia decidir o que colocar nos seus discursos. Todavia, equivocou-se ao dizer que gostaria do retorno da Venezuela à normalidade democrática. Não há retorno ao lugar de onde nunca se saiu.
A “crise” da Venezuela está na cabeça dos seus inimigos interessados em deturpar os fatos e denegrir a sua imagem. Tanto pessoas naturais como nações passam por situações aflitivas constantemente. Estão aí, em nossos dias: [1] Rússia x Ucrânia + Estados Unidos. [2] Palestina + Líbano + Síria + Irã x Israel + Estados Unidos. A causa dessas “crises” é sempre a mesma: a natureza humana. Os motivos variam: vizinhança incômoda, riqueza alheia, espaço vital, geopolítica, fé religiosa, crença filosófica, ideologia, fanatismo, ambição, inveja, vaidade, ofensa, vingança.
Na América do Norte, em 1787, encerrados os trabalhos da Convenção Nacional, instauraram-se vigorosas campanhas a favor e contra a recém elaborada Constituição dos Estados Unidos. A favor da Constituição, Alejandro Hamilton, John Jay e Santiago Madison publicaram uma série de ensaios na imprensa sob o pseudônimo Publio. Depois, os ensaios foram reunidos em livro denominado “El Federalista” na edição em espanhol. Ao defender a necessidade da união dos 13 estados em uma única federação, Hamilton diz que, por serem os homens ambiciosos, vingativos e rapaces, confederações separadas seriam um desastre. Ele cita Péricles, governante grego, para ilustrar o argumento de que motivos pessoais se mesclam com motivos políticos. Os ressentimentos, os temores e as paixões de Péricles foram a perdição da república ateniense. [Fondo de Cultura Económica. México. 1943. P.19].
O Presidente do Brasil certamente está informado: (i) de que um dos líderes do frustrado golpe de estado na Venezuela (julho/2024), Edmundo Gonzalez Urrutia, se exilou na Espanha (ii) de que lá, ele admitiu a armação do golpe e confessou que agiu coagido por seu grupo (iii) que ele concordou com a decisão da suprema corte da Venezuela declaratória da legitimidade das eleições.
Ao bater na tecla das atas das eleições após as declarações do co-autor do golpe, o presidente brasileiro: (i) está sendo impertinente e mais realista do que o rei (ii) pretende colocar-se acima da suprema corte venezuelana (iii) viola norma de direito internacional inscrita no artigo 4º da Constituição da República Federativa do Brasil, ao se intrometer em assunto interno de estado soberano.
Para seguir o seu destino como lhe convém, a Venezuela não necessita e nem depende da opinião e fiscalização de nenhum chefe de governo de país americano.
Falante compulsivo, o presidente brasileiro fala tolices como, por exemplo, “retorno da Venezuela à normalidade democrática”, quando aquela nação já mantém forma democrática de governo há muitos anos. O brasileiro parece sugerir ao venezuelano, adesão à democracia liberal e à política estadunidense.
O conceito de democracia conserva a semântica original: poder do povo; porém, na Idade Moderna, adquiriu conotação ideológica. Referido à polis (cidade/estado grega) esse poder significa capacidade do povo de governar a si próprio. Entretanto, esse poder não era – e continua não sendo – exercido pela totalidade da população e sim por uma diminuta parcela que a representa. Constituída inicialmente só de homens adultos, livres e proprietários, essa parcela da população passou, através dos séculos, a incluir homens comuns; depois, homens e mulheres adultos com escolaridade e dentro de determinada faixa etária.
No Brasil, a Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988 incluíu no corpo eleitoral os adolescentes com idade igual ou superior a 16 anos e os analfabetos.
A democracia passou a ser vista com lentes ideológicas tendo por escopo o bem-estar coletivo, a segurança, a paz e a felicidade das pessoas naturais e das nações. Estendeu-se do âmbito político ao social e ao econômico. Relações de pais e filhos na família, de mestres e alunos na escola, de patrões e operários na fábrica, enfim, relações humanas fundadas em princípios democráticos.
Nos estados socialistas modernos, a vida política, social e econômica estriba-se no princípio igualitário; o princípio liberal resta em segundo plano. Nos estados capitalistas modernos, a vida política, social e econômica estriba-se no princípio liberal; o princípio igualitário resta em segundo plano. Nos estados socialistas, a democracia é prioritariamente igualitária; o seu esteio é a igualdade. Nos estados capitalistas, a democracia é prioritariamente liberal; o seu esteio é a liberdade. Nos dois modelos de estado, a sede do poder é o povo.
Na Venezuela, o povo optou pela democracia igualitária no molde bolivariano e rejeitou a democracia liberal estadunidense. As eleições foram legítimas. O presidente foi reeleito no devido processo jurídico.
Foi muito bom o Presidente do Brasil silenciar sobre a Venezuela no seu discurso na ONU. Poupou a nação brasileira de passar por mais um vexame.
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