Na XVI Cúpula do BRICS realizada em Kazan/Rússia nos dias 22 a 24 de outubro de 2024, o veto brasileiro impediu a admissão da Venezuela como parceira do grupo. O Ministro das Relações Exteriores do Brasil disse que o veto obedeceu a “critérios”. Entretanto, não os especificou. O Chefe da Assessoria Especial do Presidente da República disse que o veto se deve à “quebra de confiança”, eis que a Venezuela não cumpriu a promessa de entregar ao Brasil as atas das eleições de julho de 2024. Entretanto, as notícias publicadas pela imprensa informam que o presidente venezuelano rechaçou as exigências do presidente brasileiro. Este fato não combina com a existência de promessa de entregar. O venezuelano agiu em sintonia com a Constituição do seu país a fim de assegurar a sua soberania. O brasileiro agiu contra a Constituição do Brasil (artigo 4º) a fim de imiscuir-se nos assuntos internos do país vizinho.
O presidente da Cúpula do BRICS, na entrevista coletiva à imprensa, declarou o seu apoio à Venezuela e reafirmou o reconhecimento da legitimidade (i) do governo daquele país (ii) do resultado das eleições lá realizadas. Isto indica que o Brasil foi o único membro a votar contra o ingresso da Venezuela no BRICS. Para admissão de membros é exigida unanimidade. Basta o veto de um só membro para excluir qualquer país da lista de postulantes.
Os representantes do governo brasileiro agiram de acordo com as instruções dadas pelo Presidente da República. A soberbia obnubilou o córtex cerebral do presidente brasileiro e o privou de uma visão clara da realidade. Ele esperava que o venezuelano se curvasse às suas ordens. Ora, como chefe de um país soberano, o venezuelano não está obrigado a acatar ordens de estrangeiros; subordina-se exclusivamente à ordem jurídica da Venezuela. O brasileiro não gostou da reação do venezuelano e levou o caso para o terreno pessoal. Acima da fraterna relação bilateral Brasil + Venezuela alçou-se a hostil relação bilateral Lula x Maduro.
O sentimento de vingança, a vaidade, o ciúme, a autoestima excessiva, levaram o presidente brasileiro a agir com prepotência e arrogância. Das alturas olímpicas nas quais ele se coloca, atirou seus raios sobre o mortal que se atreveu a contrariá-lo. Aproximadamente, usou o seu poder de veto do seguinte modo: Ou você, reles venezuelano, me entrega as atas ou você não entra no BRICS do qual sou membro ativo. Se já é difícil a tua nação obter ajuda econômica, financeira e tecnológica dos organismos ocidentais dominados pelos Estados Unidos, mais difícil será obtê-la do BRICS comigo lá.
De um modo geral, a História realça as virtudes dos seus personagens. Ao talante do historiador, ocasionalmente, também apresenta os defeitos. Todo personagem que se destaca na política, na economia, na técnica, na arte, na ciência, na filosofia, na religião, está sujeito às fraquezas da natureza humana, por maior que seja o seu esforço de autodomínio. A história das civilizações oriental e ocidental mostram chefes de estado (imperadores, reis, presidentes, ditadores) que atuam por motivos pessoais no interesse privado e não só no interesse público.
Foi o que aconteceu no caso do veto do presidente brasileiro à admissão da Venezuela no BRICS. “Quebra de confiança” é disfarce para encobrir motivos pessoais. Confiança provém do foro íntimo de cada pessoa: acreditar em alguém, em alguma doutrina, em alguma instituição, na solidez de alguma coisa. Confia-se hoje, desconfia-se amanhã. Quem ontem confiou em Lula, hoje não confia mais. Em agosto de 2023, Lula apoiou o pedido do governo da Venezuela para ingressar no BRICS. Em outubro de 2024, Lula retirou esse apoio.
Nas relações internacionais quem se fia na palavra do outro assume o risco de se ferrar. Não há lugar para ingenuidade. O solo é movediço. A validade da palavra tem prazo curto. Garantias não são garantidas.
BRICS é uma aliança estável que visa o multilateralismo do desenvolvimento e da segurança globais. Estriba-se nos seguintes valores: paz, segurança, justiça social, qualidade de vida. Defende o desenvolvimento sustentável, o compartilhamento da inovação e do conhecimento, a governança política e econômica mundial. Prioriza a ajuda aos países em desenvolvimento e mercados emergentes da América Latina, da África e da Ásia. Criou o Novo Banco do Desenvolvimento com sede na China, atualmente dirigido por mulher brasileira. Pretende: 1. Reduzir a dependência do dólar nas relações comerciais entre os seus membros; quiçá, cunhar moeda própria. 2. Aliviar a carga tributária. 3. Participar dos organismos internacionais em assuntos como energia, tecnologia da informação, segurança alimentar, agropecuária, saúde, meio ambiente, transporte, educação, cultura, direitos humanos. Compõe-se de 9 estados soberanos com direito a voto: África do Sul, Brasil, China, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Índia, Irã, Rússia. Outros estados soberanos podem ser admitidos na categoria de parceiros, sem direito a voto.
A aliança começou em 2006 com 4 países e a sigla BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China). Depois, incluiu: (i) em 2011, a África do Sul e o S de South África na sigla: BRICS (ii) em 2023: Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã, sem alterar a sigla. As cúpulas são realizadas a cada ano em país diferente, num rodízio entre os membros. Não há carta ou estatuto formalizado em documento escrito. As normas são postas pelas cúpulas e lançadas nas atas e declarações. Para cada reunião forma-se uma secretaria. A receita vem das contribuições dos países membros.