domingo, 8 de setembro de 2024

CANALHOCRACIA

Em todos os continentes há democracias para diferentes gostos. No plano conceitual, democracia tem sido classificada ora como liberal (capitalista), ora como igualitária (socialista), ora como mista (social). No plano empírico, vigora o pragmatismo. O governo de cada estado se comporta de acordo com as conveniências e exigências do momento e da época. O governo pode estar nas mãos de uma elite (aristocracia), de um grupo econômico (plutocracia), de um grupo social (oligarquia) ou de um estamento civil/militar (ditadura). 
Democracia, na sua origem ateniense, significava o exercício do poder político pelo povo. Negócios de estado decididos diretamente pelo povo. O vocábulo povo expressava categoria política reservada a uma parcela da população. Os costumes e as leis excluíam dessa categoria os escravos, os soldados, as mulheres, os homens agregados e também os homens livres que não fossem proprietários de bens ou não tivessem certa renda. A democracia só era viável em cidades pouco povoadas. A densidade demográfica dos países no evolver da história tornou quase impossível o exercício direto do poder político pelo povo. A solução foi o povo escolher representantes. O povo continuou fonte e sede do poder político. O exercício desse poder coube aos representantes. Entretanto, aos representantes coube também o dever de acatar decisões dos representados (titulares da soberania) proferidas em plebiscitos, referendos e projetos oriundos da iniciativa popular. 
Outrossim, a vontade da massa popular manifestada nas ruas necessita exame por critérios quantitativo e qualitativo tendo em vista: (i) a informalidade e a irracionalidade desse tipo de movimento social (ii) a facilidade de torna-lo presa de manobras (iii) a diversidade de sentimentos, opiniões, linhas ideológicas, na sociedade contemporânea. 
Vox Populi Vox Dei é expressão enganosa que agrada aos democratas e favorece o populismo.  
Desde as antigas civilizações e por quatro mil anos prevaleceu a autocracia como exercício legítimo do poder político nas suas expressões imperial, monárquica e feudal. Após as revoluções americana e francesa no século XVIII e as revoluções russa e chinesa no século XX, a forma democrática de governo ganhou legitimidade e universalidade. A autocracia perdeu espaço para a democracia, mormente depois da segunda guerra mundial. Poderá recuperá-lo agora com o renascimento do nazifascismo. 
Constituições jurídicas e leis complementares passaram (i) a disciplinar o processo de escolha dos governantes pelos governados (ii) a selecionar a parcela dos governados com direito de votar (iii) a estabelecer os requisitos para alguém ser candidato a cargo público eletivo. 
A política no Ocidente, neste século XXI, dominada por interesses econômicos e estratégicos, sem pudor algum, exibe a sua canalhice. Os fundamentos ideológicos que embasaram as democracias nos séculos XIX e XX, ficaram em segundo plano. Os princípios morais ficaram em terceiro plano. A canalha compõe-se [1] individualmente: (i) dos donos do dinheiro na casa dos bilhões de dólares (ii) dos demagogos de todos os calibres e de todos os matizes [2] coletivamente: (i) das grandes empresas privadas nacionais e multinacionais (ii) dos chefes de governo, ministros de estado, parlamentares e magistrados de países da América e da Europa. 
No Brasil, os membros da canalha parlamentar se tornaram conhecidos ao saírem do anonimato e promoverem, sem amparo na realidade, na moral e no direito, ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF). O motivo dos ataques consiste na pretensão da canalha (i) à impunidade (ii) à liberdade para cometer ilícitos civis e penais (iii) à prerrogativa de não ser investigada e processada judicialmente.
A canalha apelidou de xerife o ministro do STF relator de processo que apura a responsabilidade dos criminosos de colarinho branco. O apelido, em tom injurioso, foi dado publicamente. A canalha acertou a hora, mas, errou na forma e no conteúdo. A palavra xerife pertence ao vocabulário anglo-americano e designa o agente do estado encarregado de fiscalizar o cumprimento da lei e de garantir a ordem e a paz públicas. Trata-se de agente essencial à segurança pública. Ao combater o crime, o xerife se põe na defesa da vida e dos bens das pessoas físicas e jurídicas e da sociedade em geral. No lado oposto, a canalha se entrincheira para defender os seus crimes e organizações criminosas. 
De modo premeditado, a canalha inventa fatos, ou torce os que já existem, a fim de incriminar inocentes, como aconteceu com a presidente Dilma Rousseff em 2016 e acontece agora, em 2024, com o ministro Alexandre de Moraes. Desta vez, contudo, a canalha parlamentar dificilmente terá êxito. O impeachment só é válido se ficarem provadas, quantum satis, a autoria e a materialidade de crime de responsabilidade. No processo parlamentar respectivo, o acusado que protestar inocência tem o direito de provocar o tribunal para que, no devido processo legal, decida se houve ou se não houve crime no caso concreto. Se a decisão judicial for pela inexistência de crime, o processo parlamentar será arquivado. Se a decisão judicial for pela existência de crime, o processo parlamentar conservará a sua eficácia. Assim funciona o mecanismo de freios e contrapesos (checks and balances) no estado em que os poderes estão separados, independentes, porém, harmônicos entre si. 
Os canalhocratas acertaram nesse ponto: O Brasil tem xerife. Sim. Graças a Deus. Nem tudo está perdido. Ainda há juízes em Brasília! 

Nenhum comentário: