quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

SOBERANIA

A soberania popular é uma das colunas da democracia ao lado da liberdade, da igualdade e da fraternidade. A expressão reveste-se de forte componente emocional.
Soberania significa: (1) qualidade do que é ou de quem é soberano; (2) superioridade moral ou intelectual: virtude soberana, razão soberana; (3) poder supremo sobre o universo: soberania divina; (4) poder superior sobre a extensão de um país: soberania territorial; (5) poder superior de um povo ou de uma nação: soberania popular, soberania nacional; (6) supremacia do poder político organizado na sociedade: soberania estatal; (7) independência de um estado em relação aos demais estados da sociedade das nações. 
O vocábulo soberano vem do latim: super anus que significa: (1) o que esta acima do ânus ou superior ao ânus; (2) o que não se mistura com o que sai do ânus. Designa: (i) o mais alto grau (ii) o poder superior máximo em determinado domínio (iii) o órgão supremo no comando de uma instituição. Soberano também é o título de quem exerce o poder em grau máximo no seio de uma comunidade (imperador, rei, ditador, papa, dalai-lama, ayatolá, legislador, presidente, juiz).
Na esfera social, soberania liga-se emocionalmente: (1) ao sentimento patriótico; (2) ao zelo da nação por sua independência e por seu patrimônio; (3) à capacidade da nação de: (i) traçar o seu destino e fixar objetivos sem interferência alheia (ii) se fazer respeitar no cenário internacional. Diante da interdependência dos estados no mundo contemporâneo, a soberania política tornou-se flexível. A Carta das Nações Unidas estabelece restrições à soberania dos estados membros no propósito de: (1) preservar a paz e a segurança; (2) assegurar a solução pacífica das controvérsias e a eficácia dos acordos; (3) submeter todos: (i) ao principio da igualdade e do respeito mútuo (ii) ao direito internacional (iii) às decisões da Corte Internacional de Justiça.
Os povos vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU) firmaram sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos do homem e da mulher (1945). No espírito da Carta, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Declaração Universal dos Direitos do Homem a ser respeitada pelos estados membros (1948). A redução consensual da soberania decorre também das obrigações derivadas dos tratados internacionais. Segundo o princípio de direito internacional pacta sunt servanda os tratados devem ser cumpridos por seus signatários. O estado que assinou o tratado de não proliferação de armas atômicas está proibido de fabricá-las. EUA, Rússia, China, França, Índia, Paquistão, possuem armas atômicas. Brasil, Argentina e outros países se comprometeram a não fabricá-las.
A soberania do Vietnã, do Afeganistão, do Iraque, foi violada pela força militar dos EUA. A soberania do Brasil e de outros países latino-americanos sofre restrições pela astúcia dos EUA, país orientador e patrocinador de golpes de estado nas chamadas “repúblicas de bananas”. Grupos nacionais dessas repúblicas fazem o serviço sujo para a Casa Grande. O petróleo brasileiro e venezuelano está na mira das companhias estrangeiras. Depois do golpe de estado, o petróleo brasileiro foi entregue a essas companhias (2016). A Venezuela resiste heroicamente.        
De acordo com a real e histórica situação de uma sociedade política, o titular da soberania pode ser o chefe de estado (autocracia), a elite (aristocracia) ou o povo (democracia). Soberano era o faraó no antigo Egito, o rei na Babilônia, o imperador na Macedônia. Na clássica Atenas, soberano era o povo. Na clássica Roma, soberano era o senado. Na Europa medieval e moderna, soberano era o papa, o monarca da Inglaterra, o da França, o imperador da Áustria/Hungria, o czar da Rússia, o kaiser da Alemanha. Geralmente, os soberanos procuravam obter a aprovação e a simpatia dos súditos, porém refugavam a participação do povo nos negócios de estado. Essa rejeição persistente aliada ao sofrimento dos súditos gerou revolta e revoluções.
O toque inicial do declínio do poder absoluto dos reis europeus foi dado pela Inglaterra com a revolta dos barões da qual resultou a Carta Magna de 1215. A esta, seguiram-se: a petição de direito de 1628, a lei de habeas corpus de 1679, a declaração de direitos de 1689, o ato de estabelecimento de 1701, documentos que exibiram a marcha em direção: (1º) da supremacia do poder do parlamento em face do poder do monarca e (2º) da prevalência do poder da Câmara dos Comuns em face da Câmara dos Lordes, configurando soberania popular no estado monárquico.
Na França, a soberania do monarca sofre o duro golpe da revolução de 1789. O Comitê de Salvação Pública encarna a soberania e inaugura o período de atrocidades conhecido como “Terror”. A teoria do poder constituinte exposta pelo abade Sieyes, que advogava a soberania para o povo, integrou o suporte intelectual da revolução francesa. Segundo essa teoria, os privilégios dos dois primeiros estados (clero e nobreza) era uma iniquidade, posto ser o terceiro estado (povo) o verdadeiro construtor e mantenedor da sociedade. A soberania (poder de fato e de direito) pertence ao povo, dizia convicto o abade. Cabe à nação organizar o estado mediante leis fundamentais. Os governantes ficam a elas submetidos. As leis devem emanar da vontade nacional, emitida pelos mais ilustres cidadãos representantes do povo.
Os limites ao poder do governante foram anunciados no preâmbulo da declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789: “Os representantes do povo francês, constituídos em Assembleia Nacional, considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos governos, resolveram expor em declaração solene os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do Homem, a fim de que esta declaração, constantemente presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre, sem cessar, os seus direitos e os seus deveres, a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser, em cada momento, comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam por isso, mais respeitados, a fim de que as reclamações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral”.    
Após tais conquistas inglesa e francesa, a monarquia europeia se torna constitucional, ou seja, os reis ficaram submetidos às leis fundamentais ditadas pelos representantes do povo. A soberania popular erigiu-se dogma da política e pilar da democracia. Tanto no estado liberal como no estado socialista, vige o dogma da soberania popular: todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido. A soberania é exercida pelos representantes do povo (parlamentares, chefes de governo, magistrados) e diretamente pelo povo (plebiscito, referendo, iniciativa de leis).
Os sinuosos movimentos da história moderna e contemporânea mostram que, em países de todos os continentes, a sede da soberania ora é o povo, ora um grupo (civil, militar, religioso, misto), ora uma dinastia, ora um ditador. Cada nação tem o governo que merece e o natural direito de determinar a si própria. Na Rússia, a soberania da dinastia reinante sucumbiu diante da revolução socialista (1917). O mesmo aconteceu na China (1949). Em ambos os casos, a soberania foi empolgada pelo partido comunista. Na Alemanha, pelos republicanos (1919). No Oriente Médio, dinastias árabes dispõem do poder soberano. Na Síria e na Coreia do Norte, o poder soberano está nas mãos de ditadores hereditários. No Brasil, a soberania, como poder de fato, está nas mãos do grupo de gatunos que golpeou a democracia em 2016.
Sob o ângulo econômico e social, a nação brasileira regrediu: o estado caminha para a bancarrota; os programas sociais sofrem cortes. Sob o ângulo político, o estado brasileiro virou baderna. “Crise” é eufemismo. Legislativo e Executivo? Repletos de bandidos do colarinho branco, alguns chefiando o Senado Federal e a Câmara dos Deputados e outros na presidência da república e nos ministérios. Presidente do Senado? Réu em processo criminal; indefere pedidos de impeachment formulados contra indecoroso e faccioso ministro do Supremo Tribunal Federal que, por sua vez, orienta o Presidente do Senado a permanecer no cargo e a resistir à ordem judicial em contrário. Juízes e procuradores? Ultrapassam o teto do subsídio mensal; colocam-se a serviço de um partido político; engajam-se no movimento contra a democracia e a favor do golpe de estado; rejeitam medida que vise a apurar responsabilidade pelos abusos que cometem. Organismos brasileiros e estrangeiros? Apoiam: (1) o golpe de estado e a súcia que assumiu o governo; (2) a impunidade de juízes e procuradores que se excedem ilegalmente no exercício da função. A Constituição da República? Vilipendiada. O Guardião da Constituição? Aviltado. [Saulo Ramos estava certo]. O guardião abandonou o posto e as armas; ajoelhou-se aos pés dos delinquentes que integram o grupo subversivo. Vade retro.                

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