quarta-feira, 1 de outubro de 2008

CARMA COLETIVO E PLUTOCRACIA

Crença oriental que se irradiou para o ocidente, o carma é concebido como um mecanismo cósmico de compensação que funciona tanto no mundo da natureza como no mundo da cultura. Há diferentes expressões verbais do carma, tais como: “para toda ação há uma reação”, “não há efeito sem causa”, “com a medida que julgares, sereis julgados”; “quem com ferro fere, com ferro será ferido”; “quem semeia vento, colhe tempestade”; “após a tempestade vem a bonança”, “aqui se faz, aqui se paga”. O carma pode ser individual ou coletivo e corresponde: (i) na esfera científica, à lei da causalidade (ii) na esfera moral, à lei da retribuição (talião): o bem que hoje fizeres, amanhã o receberás (carma positivo); o mal que hoje fizeres, amanhã o receberás (carma negativo). As duas modalidades se compensam. Se houver saldo positivo, a alma do indivíduo entra na bem-aventurança. Se houver saldo negativo, a alma prosseguirá nos ciclos das reencarnações. No plano religioso, prevalece o caráter punitivo da lei do carma: cada indivíduo carrega a sua cruz, cujo peso está na razão direta dos seus pecados. Visto do ângulo místico, o carma se apresenta como atuação da justiça divina.
Dos pensamentos, sentimentos, ações e omissões de cada grupo humano (família, empresa ou nação) há conseqüências boas e más. Trata-se do carma coletivo. Os atuais problemas do Rio de Janeiro podem ser atribuídos à conduta pretérita do carioca. Do seu espírito galhofeiro, da aversão a regras, do hedonismo, do imediatismo, da indisciplina e da esperteza enganosa resultaram construção civil predatória, expansão descontrolada das favelas, poluição das praias, comércio informal, sujeira nas ruas, flanelinhas, fiscais e policiais corruptos, violência e todo tipo de transgressão às normas de civilidade. Os governantes refletem essa conduta licenciosa e contribuem para a má qualidade de vida. De modo displicente e demagógico tratam dos negócios públicos sem se preocuparem com o futuro da cidade. Obras maquiadas e superfaturadas. Serviços mal prestados. Povo e governo emporcalharam uma das regiões mais bonitas do planeta.
Entre os fatores do carma coletivo dos EUA se incluem a voraz exploração dos outros países, as mortes e os sofrimentos causados a outros povos. A conduta do povo e do governo dos EUA gerou crises econômicas e financeiras (1853, 1929, 2008) e a tragédia das torres gêmeas (2001). Com a guerra de 1914, os EUA ganharam em 4 anos quantia em dólar equivalente a todo o ouro produzido no mundo em 4 séculos. Na segunda metade do século XX, patrocinaram ditaduras na América Latina e apoiaram os israelenses nos massacres dos palestinos. Na primeira década do século XXI invadiram o Afeganistão e o Iraque. Sobre a crise de 1929, Churchill advertiu: “não é acelerando vertiginosamente a circulação monetário-creditória que uma nação enriquece”. Após uma década e graças à intervenção do governo, cessou a depressão nos EUA. O egocentrismo do capitalista voltou a preponderar. Como os libertinos em geral, os plutocratas detestam freios éticos, jurídicos e algemas. A especulação amoral ganhou velocidade. A liberdade econômica chegou ao paroxismo. A economia se converteu em crematística. A jogatina superou o investimento produtivo. Dirigido pela mão invisível, o trem descarrilou (2008). O povo sofre as nefastas conseqüências. A intervenção permanente e moderadora do Estado no mercado é necessária à estabilidade da economia. Daí a importância de estadistas honestos no governo. Nem liberdade plena, nem dirigismo estatal absoluto. A intervenção episódica para proteger meliantes de colarinho branco repugna ao senso moral. Com alma plutocrática e verniz matemático, economistas arquitetam o furto do dinheiro público e privado. Os legisladores legalizam a roubalheira. Banqueiros, seguradores, empresários, tratam o mercado como cassino e lupanar. A canalha gosta do Estado mínimo, pródigo e cúmplice. Os governantes garantem a safadeza. O erário cobre os danos. Da negligência dos governantes resultaram a expansão das favelas e o agravamento dos problemas urbanos. Do simulacro de democracia resultou a ascensão da escória ao governo. A nação verga com o peso da tributação abusiva. Vigora a lei de bronze: os pobres cada vez mais pobres, os ricos cada vez mais ricos. A jurisprudência favorece os interesses dos plutocratas. Juizes corajosos são vistos como exceção e comparados aos juízes de Berlim (alusão à desavença entre dois vizinhos, na Alemanha, em que o mais fraco mostrava confiar no Judiciário ao advertir o mais forte: “ainda há juízes em Berlim”). Juiz brasileiro do tipo berlinense enfrenta resistência tenaz. A independência o faz maldito.

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