quinta-feira, 11 de setembro de 2008

A gravação da conversa por telefone entre um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e um parlamentar federal gerou artificioso escândalo. Relevante foi o ato de gravar e não o conteúdo da conversa. Se não houve autorização judicial, o ato tipifica crime. A citada gravação está relacionada, provavelmente, com o episódio Dantas. O ministro agitou a opinião pública ao invadir competência de outro tribunal e imprimir incomum velocidade nas ordens de habeas corpus em favor de Dantas. Entre as motivações do ministro é possível que se encontrem a de exibir poder e a de satisfazer vaidade. A sombra da suspeita paira sobre o ministro. Normalmente, os processos de habeas corpus, mandado de segurança, mandado de injunção, têm andamento mais lento, mesmo sendo prioritários.
Sirva de paradigma o mandado de injunção nº 860 (MI 860), em trâmites no STF desde 04/07/2008. Ali se pede que o tribunal discipline juridicamente preceito constitucional sobre moralidade para exercício de cargo eletivo. Cuida-se de integração do ordenamento jurídico realizada pelo Judiciário no caso concreto. Tal procedimento de caráter normativo contém-se no poder jurisdicional. A disciplina do preceito constitucional é necessária para o eleitor impetrante, com base na vida pregressa do candidato, impugnar pedido de registro de candidatura. A vida pregressa inclui ações e omissões do candidato quanto aos seus deveres para com a família, a sociedade e o Estado. Não se limita à ficha criminal. Daí a necessidade de regras que disciplinem a matéria enquanto o Legislativo se mantiver omisso. Em atenção ao ofício expedido pelo STF, o presidente do Congresso Nacional prestou informações. O Procurador-Geral da República devia se pronunciar a seguir, consoante regra constitucional e regimental. O relator, ministro Marco Aurélio, suprimiu essa fase e negou seguimento ao mandado. Nula de pleno direito, essa decisão monocrática põe à mostra surpreendente raquitismo lógico e jurídico. No HC de Dantas, pelo menos, houve substanciosa fundamentação. No MI 860 a decisão não está fundamentada. Há, somente, curta referência a outra ação julgada: ADPF 144-7/DF (consulta: stf.gov e antoniosebastiaolima.blogspot). Sobre as diferenças essenciais entre a ADPF 144 e o MI 860, a decisão silencia. Quando a diferença é essencial e a semelhança acidental, a analogia não tem cabimento. Lógica elementar. Há outros processos cuja morosidade nos trâmites contrasta com o tratamento que recebeu o caso Dantas. Da ausência de tratamento isonômico resultou a desconfiança e a investigação contra o ministro Gilmar. A proporção entre o número noticiado de aparelhos grampeados e o número de linhas telefônicas existentes no Brasil mostra alguma insignificância. As escutas autorizadas representam interferência pouco significativa em termos quantitativos. As regiões com maior incidência de escutas autorizadas serão apontadas em levantamento idôneo. A autoria dos crimes de inteligência oferece maior dificuldade de apuração. Os negócios ilícitos das organizações criminosas e dos criminosos do colarinho branco estão protegidos pelo sigilo legal e extralegal. No combate a esse tipo de atividade criminosa a gravação de conversa telefônica entra para a categoria de prova judicial comum. Não se trata de banalizar a escuta e sim de tratá-la como meio idôneo para se chegar à prova da existência e autoria de certos crimes. O número de escutas autorizadas indica a extensão dos crimes de inteligência praticados no País. Revela o tamanho do lodaçal em que se atolam autoridades do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. A reação de setores da sociedade e do Estado para impedir a utilização dessa técnica investigativa ocorre nesse contexto. Após a varredura no Senado, nada foi encontrado. No STF, um só ministro teve sua comunicação telefônica gravada. Isto indica que esse ministro estava sob suspeita desde o episódio Dantas. Diante dos fatos, a escuta era compreensível e realizável por qualquer araponga interessado em vender a matéria. A desautorizada violação do sigilo é praticada por qualquer pessoa capaz, a qualquer hora e em qualquer lugar. Essa pessoa pode agir por conta própria ou sob ordem de alguém do setor privado ou do setor público. O mandante e o executor respondem pela prática criminosa. O sigilo das comunicações telefônicas só pode ser afastado mediante autorização judicial. A Constituição veda prova obtida por meios ilícitos. O episódio Dantas/Gilmar deve ser apurado com as cautelas legais. A investigação compete ao Ministério Público e à Polícia Federal. O processo, no que tange ao ministro, compete ao Senado Federal.

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