A convenção dos estados confederados norte-americanos realizada em 1787, na Filadelfia, cidade do estado da Pensilvânia, reorganizou-os juridicamente como união federal e elaborou a Constituição dos Estados Unidos da América. Seguiram-se 27 emendas em diferentes datas durante os seus 237 anos de vigência. A convenção adotou para o novo estado constituído, a doutrina liberal e a forma democrática de governo. Criou três órgãos superiores e independentes entre si para o exercício do poder político: legislativo, executivo e judiciário. Atribuiu a função legislativa ao congresso, órgão bicameral (senado + câmara dos representantes); a função executiva ao presidente, órgão unitário; a função judicial à suprema corte, órgão colegiado. Esse modelo concilia as três formas históricas de governo: democracia (congresso), monarquia (presidente) e aristocracia (magistratura), dentro de um sistema de freios e contrapesos (moderação).
A secção 1 do artigo II, da Constituição, determinou a duração do mandato do presidente em 4 anos. A secção 1 da 22ª emenda votada em 24/03/1947, limitou reeleição a uma única vez. Antes disto, Franklin Roosevelt vencera 3 eleições consecutivas, cumprindo os respectivos mandatos de 1933 a 1945, ex vi consuetudo jugiter servata. Este fato provocou a reação do congresso e a votação da citada emenda restritiva.
O ato de posse do cargo de presidente ocorre em presença dos parlamentares e dos juízes da suprema corte, retratando o princípio ético da harmonia entre os distintos órgãos do poder político. A secção 1 da 20ª emenda, votada em 02/03/1932, fixou a data de 20 de janeiro, ao meio-dia, como término do quadriênio precedente e início do quadriênio subsequente. Nesse dia e nessa hora, o eleito deve tomar posse do cargo para evitar o vácuo no governo. Agora, no dia 20 de janeiro de 2025, essa norma foi obedecida uma vez mais. No Capitólio, coração da democracia liberal americana, sede física do congresso em Washington, o candidato eleito em 2024 tomou posse do cargo de presidente dos Estados Unidos. Diante do juiz-chefe da suprema corte, ele jurou exercer o cargo dentro da lei, sustentar e defender a Constituição, empregar o máximo das suas faculdades neste mister. A seguir, ocupou a tribuna e discursou.
Sem texto escrito, o orador fazia pausas entre um período e outro do discurso como se estivesse a aguardar ajuda da memória ou de algum ponto eletrônico. Os republicanos aplaudiam de pé. Os democratas, inclusive o presidente e a vice-presidente retirantes, ficavam imóveis, sem aplaudir. Os juízes permaneciam sentados, sem aplaudir.
Além da arrogância do orador, o tom do discurso revelava saudosismo da posição hegemônica dos Estados Unidos na segunda metade do século XX, perdida no século XXI ante a ascensão e o fortalecimento dos países da aliança BRICS+.
Ao falar do projeto de recuperar a soberania do seu país, o orador se equivocou. Recuperar supõe perda anterior. No entanto, os Estados Unidos ainda são soberanos (supremos internamente, independentes externamente) e mantêm: (i) liderança em relação aos países satélites (ii) potencial bélico (iii) pujança econômica (iv) produção e aplicação do conhecimento científico e tecnológico (v) excelência das instituições de ensino e pesquisa.
Preocupado em desvalorizar a administração do seu antecessor, o orador, além de falar asneira, foi grosseiro ao violar princípio ético da urbanidade. Pensou e falou como se ele e o estado americano fossem uma só pessoa, sem perceber que o fato de estar pessoalmente decrépito não significa que a nação americana também esteja decrépita.
Ao incluir deus no seu discurso, o orador evocou o embrião religioso da nação americana. A liberdade religiosa foi o principal motivo da emigração, no século XVII, de grupos ingleses com destino à América. Adeptos do protestantismo, esses grupos fugiam do catolicismo e da influência do Papa. Eles fundaram 13 colônias na costa atlântica da América do Norte (1607-1776). Ao se independerem politicamente da metrópole, converteram as colônias em 13 estados soberanos baseados nas liberdades religiosa e econômica.
Os protestantes: [1] devotam-se: (i) mais à parte hebraica da Bíblia, o Antigo Testamento (ii) menos à parte cristã da Bíblia, o Novo Testamento; [2] adoram: (i) mais o deus diabólico e genocida do Antigo Testamento chamado Javé ou Jeová (ii) menos o deus amoroso e misericordioso do Novo Testamento chamado Pai Celestial. Isto explica: (i) a participação de um rabino e de um pastor na cerimônia de posse do presidente (ii) o apoio do governo diabólico e genocida americano ao governo diabólico e genocida israelense.
O orador manifestou veleidade ao informar que já expedira ordens, inclusive a de extinção da cidadania por nascimento.
A cidadania estadunidense é obtida pelo nascimento ou pela naturalização, conforme dispõe a secção 1 da 14ª emenda (28/07/1868) em consonância com o quinto parágrafo da secção 1 do artigo IV, da Constituição (17/09/1787). Trata-se de vetusto preceito constitucional que não pode ser extinto por ato do presidente. Somente o congresso pode alterar normas constitucionais.
O presidente também não pode ditar ordens aos parlamentares e aos juízes, ex vi do princípio da separação dos poderes, alicerce do edifício constitucional dos Estados Unidos.
Abrir e fechar fronteiras territoriais, exilar cidadãos, expulsar quem não é cidadão, constituem medidas governamentais ditadas pela necessidade e pelos interesses em jogo. Construir e derrubar muros, invadir territórios, apropriar-se das riquezas alheias, acontece nos diversos rincões do planeta. Os governos do México e do Panamá, citados no discurso, podem não gostar das ameaças e oferecer resistência pelos canais diplomáticos ou pelas armas.
A era de ouro da qual o orador se diz vanguardeiro é coisa do passado, reminiscência, bazófia e empáfia para suavizar o choque de realidade. Ao eleger um energúmeno para presidir os Estados Unidos, a parcela machista do eleitorado estadunidense (homens e mulheres) erigiu um monumento à boçalidade. As democracias sociais e os governos socialistas do mundo devem se acautelar, pois, a fera do capitalismo selvagem está solta. O gringo se comporta como imperador das nações do mundo e promete castigar a quem não lhe prestar vassalagem.