domingo, 7 de dezembro de 2008

SAQUEADORES
Antonio Sebastião de Lima

Os saques durante a tragédia coletiva no Estado de Santa Catarina (chuvas, inundações, desmoronamentos, perdas de vidas e de bens materiais em novembro e dezembro de 2008) não é conduta exclusiva de brasileiros. Há saques também em outros países, durante calamidades públicas quando algumas pessoas liberam instintos e afrouxam os freios éticos, jurídicos e religiosos. Daí o direito penal considerar circunstância agravante o fato de o agente praticar crimes aproveitando-se da ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública. Todavia, sob outra ótica, o direito não considera crime o ato praticado em estado de necessidade. Diante de situações excepcionais, cabe à autoridade buscar a norma ou o princípio adequado ao caso.
Em programa de TV, um experiente engenheiro, especialista nesse tipo de catástrofe, questionado sobre a falta de medidas preventivas, incluiu na resposta a probabilidade de omissão intencional dos governantes. A omissão teria por objetivo arrecadar polpuda receita extra para o Município e/ou para o Estado, a cada catástrofe. Do ser humano, tudo se espera, de bom e de ruim. Prevenção e visão de futuro são moedas raras na administração pública brasileira federal, estadual e municipal. Estão aí favelas cada vez mais numerosas, excesso de veículos e falta de vias de trânsito para suportá-lo, calçadas obstruídas, excesso de população em algumas cidades e pequena densidade demográfica em outras, poluição ambiental em todas as modalidades, perda de recursos naturais, falta de recursos artificiais, fronteiras nacionais ameaçadas, governantes politiqueiros, governados lenientes, desonestidade geral, e assim por diante. Evitar problemas a tempo ou solucioná-los de maneira plena, satisfatória e definitiva, reclama gente honesta, inteligente, solidária, operosa, com senso de responsabilidade e espírito público.
A União Federal destinou 1 (um) bilhão e 49 milhões de reais ao Estado de Santa Catarina, a fundo perdido (sem prestação de contas) por causa das inundações. Além disso, pessoas naturais e jurídicas enviaram ajuda em dinheiro (milhões de reais) e em coisas (artigos de higiene, remédios, água potável, mobiliário, eletrodomésticos, alimentos, roupas, calçados, brinquedos). Esses bens não são contabilizados. Ficam sujeitos, portanto, ao desvio, ao armazenamento e entesouramento para uso futuro de políticos sem escrúpulos. Cuida-se, nessa hipótese, de indústria da desgraça coletiva.
Isto explica a existência de problemas crônicos nas diversas regiões do país, que solicitam verbas públicas e ajuda humanitária da população. Por diversas vezes, o povo brasileiro se mostrou generoso, sensível ao sofrimento dos seus irmãos de pátria. Milhares de brasileiros prestam serviços gratuitamente e enviam dinheiro e bens materiais em socorro dos flagelados. Campanhas por jornais, rádio e TV solicitam auxílio e arrecadam dinheiro e coisas. Missas e cultos são realizados pedindo ajuda divina. Houve época em que casais doaram até as alianças de casamento para abastecer de ouro o Brasil. Em todas essas ocasiões os saqueadores, oportunistas e aproveitadores estiveram presentes. A população não fica sabendo se o produto foi entregue de fato a quem dele necessitava.
Tal como o programa bolsa-família, que o governo pouco fiscaliza e o dinheiro é entregue a quem menos necessita, assim, também, a crise financeira mundial serve aos saqueadores do dinheiro público. Aproveitam-se do estado psicológico favorável e do mimetismo próprio do povo brasileiro, para forjar situação semelhante à das empresas e estabelecimentos bancários do hemisfério norte. Desse modo, arrancam dinheiro dos cofres públicos (Banco Central, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social). Alegam queda na produção e despedem empregados para coagir o governo (quando, na véspera, os balanços apresentavam lucros extraordinários, principalmente os balanços dos bancos privados). O capitalismo moderado pelo Estado, a partir de 1930, foi apenas uma camuflagem do capitalismo selvagem e amoral. Segundo o employment act, de 1946, o governo dos EUA se comprometia a atenuar os efeitos das flutuações econômicas e a manter a economia em expansão com o máximo de emprego, de produção e de poder de compra. Aos poucos, os donos do capital privado e do crédito foram se soltando. No caso de turbulência, o tesouro dos EUA resolveria. Realmente, na atual crise, os agentes financeiros privados foram prontamente atendidos pelo governo estadunidense. O mesmo ocorreu na França e na Inglaterra. Os trabalhadores, entretanto, estão amargando demissões em massa e férias coletivas. As empresas usam os trabalhadores como aríete contra o Executivo e Legislativo, a fim de obterem bilhões de dólares sem aumento da produção. Lá e cá, a democracia continua a ser um regime de proprietários e de vigaristas.

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