quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

COMPLEMENTO

Complemento ao artigo abaixo: A iniciativa popular da “persecutio criminis”, em consonância com o modelo democrático de governo também é admitida especificamente pelo artigo 5º, § 3º, do Código de Processo Penal, enquadrando-se na regra geral do artigo 14, inciso III, da Constituição da República (direitos políticos). 10/12/2025. 

domingo, 7 de dezembro de 2025

IMPEACHMENT

Em trâmites no Supremo Tribunal Federal (STF), ação judicial de arguição de descumprimento de preceito fundamental. O polo ativo da relação processual ocupado pelo partido político Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros. O polo passivo ocupado pelo Presidente da República e pelo Congresso Nacional. Questionam normas da Constituição da República versus normas da Lei do Impeachment (1.079/50) e do Código de Processo Penal. A relatoria coube ao ministro Gilmar Mendes. O pedido de concessão liminar da pretensão deduzida na petição inicial do processo principal foi deferido parcialmente em 03/12/2025. 
O relator deu interpretação conforme à Constituição aos artigos 41, 47 e 54, da Lei do Impeachment e [I] suspendeu: (i) a expressão “a todo cidadão” relativa à legitimidade para propositura de denúncia contra magistrados por crimes de responsabilidade (ii) o termo “simples” relativo ao quórum para formação do juízo de admissibilidade da denúncia [II] atribuiu ao Procurador-Geral da República (PGR) a exclusiva legitimidade para denunciar magistrados na hipótese de crime de responsabilidade [III] fixou em 2/3 o quórum necessário para o Senado Federal admitir o processamento da denúncia [IV] equiparou esse quórum inicial  ao quórum necessário à condenação do acusado na sentença final. 
Aos juízes do STF, em sessão plenária, compete aprovar ou desaprovar, total ou parcialmente, a decisão do relator. Se houver empate na votação, os trâmites do processo ficarão suspensos até que seja preenchida a vaga aberta pela saída do ministro Barroso.
Decisão monocrática em tribunal judiciário no bojo de processo judicial pode ser qualificada de aberração lógica e jurídica. O fato de ser permitida por lei e/ou por regimento interno não a torna menos aberrante. Esse tipo de decisão é próprio do juízo de direito singular (cível, criminal, trabalhista, eleitoral). Decisão de tribunal judiciário no âmbito de processo judicial tem que ser colegiada. Esta é a razão de existir tribunal judiciário, enraizada no direito do jurisdicionado ao exame da causa por três ou mais juízes, em conjunto, trazendo maior segurança jurídica. 
O número ímpar na composição do tribunal é necessário ao Voto de Minerva (critério de desempate). A experiência forense mostra que os requisitos de faixa etária, notável saber jurídico e reputação ilibada exigidos dos juízes da suprema corte não garantem, por si sós, nos casos concretos, julgamentos justos, isentos de idiossincrasias e de indevidos favorecimentos. O magistrado deverá ser processado e julgado no devido processo jurídico se a sua conduta tipificar crime comum ou crime de responsabilidade. Incide a regra da isonomia: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". 
A decisão ora em comento sintoniza-se com o sistema jurídico. Na forma da lei, o STF foi provocado para solucionar o caso exposto. A decisão do relator está sub judice. Em sessão plenária, o STF decidirá o caso em definitivo. Provavelmente, será considerado o fato de a Lei do Impeachment de 1950 ter sido alterada pela lei 10.028 de 2000, quando a Constituição de 1988 já vigorava. O legislador do ano 2000 reconheceu a vigência da lei do ano 1950 e sua compatibilidade com a Constituição do ano 1988. Se assim não fosse, ao invés de modificar a lei, o legislador a teria excluído da ordem jurídica. Apesar de idosa, a lei não caducou. 
Nota-se na decisão do relator: (i) primeiro, a negativa de recepção da lei pela Constituição (ii) depois, o tratamento dado à lei como se recepcionada. Não há sentido emendar lei inconstitucional (não recepcionada). Cabe substituição por nova lei. Essa tarefa compete ao legislador e não ao juiz, consoante princípio da separação dos poderes. A decisão do relatdor considerou incompatíveis com a Constituição apenas alguns dispositivos da lei. Detectou inconstitucionalidade parcial. 
Destarte, a Lei do Impeachment ainda vigora afinadíssima com a Constituição de 1988. Ao atribuir legitimidade ativa a todo cidadão da república (eleitor/eleitora) para oferecer denúncia contra juiz do STF, a lei de 1950, emendada em 2000, harmoniza-se com princípios fundamentais da república democrática brasileira: cidadania, soberania popular, direito de petição
A proposta contida na decisão do relator de substituir todo cidadão da república (eleitor/eleitora) por um servidor do estado (PGR) ajusta-se ao modelo autocrático, porém, não se ajusta ao modelo democrático de governo. Por isto mesmo, o legislador constituinte de 1987/1988 retirou do PGR a exclusividade de arguir a inconstitucionalidade das leis. Tendo em vista o sistema jurídico constitucional em vigor no Brasil, o PGR não pode substituir o cidadão no oferecimento da petição inicial de impeachment contra juízes da suprema corte acusados da prática de crimes de responsabilidade. Tal iniciativa nem está incluída nas funções institucionais do Ministério Público. A proposta do relator atende aos interesses corporativos da magistratura, porém, colide com o republicano interesse nacional de garantir a expressão escrita do entendimento e da vontade do cidadão (eleitor/eleitora) nessa delicada matéria. 
Compete ao cidadão (eleitor/eleitora) protocolar a petição inicial (denúncia) – não na Procuradoria-Geral da República – e sim na secretaria do Senado Federal. O presidente do Senado organiza a comissão especial de senadores que examinará a petição inicial (denúncia). Após os procedimentos legais e regimentais, a comissão emitirá parecer sobre: (i) materialidade e autoria de crime de responsabilidade (ii) oportunidade e conveniência de instaurar ou de não instaurar processo de impeachment. O parecer será submetido à apreciação dos senadores em sessão plenária. A aprovação dependerá do voto da maioria simples. Se faltar esse quórum, a petição inicial (denúncia) será arquivada. A modificação desse quórum é da privativa competência do Senado Federal. O legislador constituinte adotou o quórum qualificado (2/3) exclusivamente para a sentença condenatória prolatada quando, depois de instaurado e instruído, o processo chegar ao fim. Se o condenado sustentar a inexistência do crime, poderá recorrer ao STF, guardião da Constituição, máxima instância nacional, para que no caso concreto, sob o ângulo estritamente jurídico, o tribunal declare se os atos e fatos debatidos no processo de impeachment tipificam ou não tipificam crimes.  

Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Artigos: 1º, caput, incisos I, II e parágrafo único + 2º + 5º, caput, incisos XXXIV, letra a, LIV + 14, inciso III + 52, incisos II, XII, XIII e parágrafo único + 103 + 129, incisos I a IV.
Lei do Impeachment (1.079 de 1950). Artigos: 39, 39-A; 41, 41-A; + 44 a 57 + 58 a 73.   

domingo, 30 de novembro de 2025

DESVARIO

Amâncio – O quê sou eu?
Fabrício – Como assim? O quê sou eu! Você é você, pessoa de carne e osso tal como eu, ora bolas!  
A – Tudo bem, mas, quem sou eu?
F – Você é meu amigo, casado com a bela Marisa, nossa colega dos tempos de colégio, pai da Maristela e do Marcos, mora em casa própria, num bairro calmo e arborizado da cidade, dirige o seu automóvel e faz caminhadas e escaladas.  
A – Tudo bem, mas, o quê sou eu?
F - Caramba! Vá lá! Você é um organismo biológico humano, sexo masculino, nascido neste país, alto, robusto, esbanjando saúde, bem humorado, bonito aos olhos da Marisa, inteligente, engenheiro, sócio de empresa construtora, contribuinte do fisco municipal, estadual e federal. 
A – Tudo bem, mas, quem sou eu?
F – Arre! Você é uma alma penada que abusa da minha paciência ao repetir, de modo enfadonho, a mesma pergunta, insatisfeito com as minhas respostas. Você é masoquista torcedor de clube de futebol que jamais foi campeão. 
A – Chateado com meu questionamento, você apelou pra ignorância. Referiu-se ao time do meu coração, do qual não me envergonho, embora sabendo muito bem que eu também sou torcedor do Real Madrid, clube espanhol campeoníssimo. Ademais, sempre pensei que eu era um corpo com cabeça, tronco e membros, que respira, bebe, come, anda, trabalha, transa e dorme. Agora você diz que eu sou alma penada.
F – Amâncio, estimado amigo, reconheça: o teu questionamento aborrece. Falei alma penada porque você, eu e todos os humanos não vivemos só de prazeres e alegrias, mas também de privações, sofrimentos e tristezas. Na minha opinião, ora solicitada com insistência, você não é um corpo. Você tem um corpo habitado por uma alma personalizada.
A – Os animais irracionais também têm corpos. A valer tua opinião, eles também são almas viventes personalizadas.
F – Essa é a opinião de muita gente, porém, minha não é. Os irracionais não são pessoas e sim apenas seres vivos do reino animal. Os humanos também são seres vivos do reino animal submetidos às leis da natureza. Entretanto, gozam de autonomia de vontade para contrariá-las. Só não podem revogá-las. Sacrificam a natural sensualidade sob pressão de dogmas religiosos, de preconceitos sociais e de ficções jurídicas. Na concepção científica de Aristóteles, você, eu e todos os humanos somos animais portadores da capacidade específica de raciocinar e de ter consciência de si mesmos. Somos gregários por natureza e eremitas por decisão pessoal. Organizamo-nos em comunidades e sociedades. Criamos leis que nos conferem personalidade civil. Preservamos a ordem quando conservadores. Promovemos a desordem quando liberais. Primamos pela obediência. Praticamos a desobediência. Seguimos a razão. Sucumbimos ao sentimento dela excludente.
A – Fabrício, meu estimado amigo, retribuo o afetuoso tratamento. Você passou da existência para a essência nesta análise do eu exterior e do eu interior da minha pessoa. Ajudou-me na trilha do “conhece-te a ti mesmo”, aberta por Hipócrates, inscrita no frontispício do templo de Delfos e adotada por Sócrates na sua filosofia. Você considerou a alma principal e o corpo acidental. Discordo dessa colocação. Eu não tenho corpo. Eu sou um corpo enquanto viver neste mundo. O meu corpo ramifica-se em físico e mental. Tenho dúvida sobre a fonte do mental, se cerebrina ou se anímica. “Cogito ergo sum” afirmou Descartes. “Penso, logo existo”. Esse pensar é função do cérebro ou da alma? Esta pergunta só terá sentido se acreditarmos na existência autônoma da alma como substância autoconsciente, imaterial, invisível, de origem divina ou sobrenatural. Eu não creio nesse trato metafísico. Inclino-me a acreditar na alma como energia fundamental do universo, independentemente da questão sobre a existência ou inexistência de deus. Alma como força motriz de todos os seres vivos e geratriz dos pensamentos e sentimentos humanos. 
F – Sinto muito, meu caro Amâncio, mas não estou apto a te ajudar na busca do conhecimento desse aspecto subjetivo da tua personalidade. Trata-se do minado campo de crenças cultivado pela humanidade no curso da história. Atrevo-me a dizer apenas que os teus pensamentos, os teus sentimentos, os teus propósitos e ações, têm muito a ver com a tua experiência de vida, desde a tua infância até a idade presente. A psicanálise deu um cunho científico ao exame desse campo anímico da vida humana e contribuiu para as pessoas conhecerem melhor a si mesmas. Quanto mais descobertas a ciência fizer sobre a mecânica do psiquismo humano, maiores serão as chances de refinamento das relações humanas na sociedade e no estado. O sistema educacional se aperfeiçoará. O sentimento afetuoso, amigável, solidário, ampliar-se-á. Os instintos selvagens ficarão sob controle. Conflitos serão menos frequentes.  
A – A conversa está boa, cerveja gelada, salgadinho bem preparado e temperado pelo Tonico, neste bar pequeno, limpo e providencial, próximo à cancha. Está na hora de pegar o rumo de casa, tomar banho e almoçar com a mulher e os filhos. Até sábado. Abraço. 
F – Até sábado. Você esqueceu de mencionar o cálix e a oferenda ao orixá que antecedem o primeiro copo. Eu vou ficar aqui um pouco mais. A nossa turma do futebol sabático está menos numerosa do que há 10 anos atrás. Vida que flui. Abraço. 

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

FUTEBOL

Londres. 15.11.2025. Jogo amistoso. Seleção ítalo-brasileira de futebol masculino x seleção senegalesa. Primeiro tempo: vitória da ítalo-brasileira (2 x 0). Segundo tempo: empate sem gol (0 x 0). Resultado final: vitória da ítalo-brasileira (2 x 0). O desempenho da senegalesa no primeiro tempo foi razoável; no segundo tempo, melhorou. O desempenho da ítalo-brasileira foi muito bom no primeiro tempo e razoável no segundo. A seleção do Senegal, em jogo anterior, vencera a do Brasil (4 x 2). Agora, perdeu. Questionamento: Nesse interregno, foi a seleção do Senegal que piorou ou foi a seleção do Brasil que melhorou? Ou nada mudou?
Lille (França). 18.11.2025. Jogo amistoso. Seleção ítalo-brasileira de futebol masculino x seleção tunisiana. Primeiro tempo: empate pelo placar mínimo (1 x 1). Segundo tempo: empate sem gol (0 x 0). Resultado final: empate (1 x 1). Nos dois tempos da partida, a seleção ítalo-brasileira foi menos defensiva e mais ofensiva enquanto a tunisiana foi mais defensiva e menos ofensiva. Apesar disto, o gol da tunisiana foi através de passes (bola rolando) e o gol da ítalo-brasileira foi de cobrança de pênalti (bola parada). No segundo tempo, a seleção ítalo-brasileira desperdiçou a cobrança de outro pênalti. Além disto, ficou a dever gol resultante de táticas, de dribles e de passes. Por pouco, o árbitro não assinalou um terceiro pênalti. 
Os jogos amistosos foram ótimos como testes preparatórios para a copa mundial de seleções nacionais de 2026 a ser realizada na América do Norte (Canadá, Estados Unidos e México). Para o primeiro trimestre de 2026 estão previstos mais 2 jogos amistosos da seleção ítalo-brasileira. Depois de encerrada a fase dos testes, haverá nova e última convocação de jogadores para compor o elenco definitivo que disputará os jogos oficiais.
Meses atrás, o treinador italiano da seleção ítalo-brasileira de futebol masculino (comissão técnica composta de italianos), solicitou aos jogadores convocados que praticassem o “futebol brasileiro”. Certamente, estava a dizer para que eles fossem autênticos e não imitassem o “futebol europeu”. No contexto em que foi usada, aquela expressão reveste conotação saudosista. Provavelmente, o treinador estava se referindo ao futebol jogado pelas seleções brasileiras em 1938 e de 1950 a 1970, que encantou europeus e americanos por sua inteligência lúdica, eficiência técnica e beleza plástica. Desse futebol, o pai do treinador/jogador europeu Pepe Guardiola era admirador. Talvez, o pai do treinador/jogador europeu Carlo Ancelotti também tenha sido admirador daquele futebol. Os filhos herdaram dos pais essa admiração e esse respeito pelo “futebol brasileiro”.
As seleções brasileiras de 1994 a 2002 exibiram um reflexo daquele “futebol brasileiro”. De lá para cá, só restou saudade. Entretanto, isto não significa o “canto do cisne” do futebol brasileiro. Basta não se fixar no passado. Convém tomar consciência do presente e nutrir esperança para o futuro bem próximo. Os jogadores brasileiros selecionados neste século XXI exibem futebol de alta qualidade e nada ficam a dever aos jogadores estrangeiros. Outros são: (i) os tempos, hábitos, costumes e relacionamentos (ii) os recursos materiais, financeiros, tecnológicos, médicos e psicológicos. Dessa nova realidade comungam africanos, americanos, asiáticos e europeus. 
Tanto quanto as mais tradicionais seleções nacionais da América e da Europa, a atual seleção ítalo-brasileira tem potencial para conquistar a cobiçada copa mundial.

domingo, 9 de novembro de 2025

PALRICE

Certo dia, minha avó materna, dona de casa desde que casou até o fim da sua vida, estava na cozinha preparando o diário e parco jantar. O marido, a filha e o genro palreavam na pequena sala. Quando o assunto enveredou para a beleza feminina que atrai os homens, a minha avó, em tom zangado, a todos lembrando  a superior utilidade da dona de casa, arrematou: 
- Beleza não se põe na mesa.
Meu avô materno, sempre tranquilo, na sua cadeira de embalo, fumando o seu cigarro de palha (fumo picado enrolado na folha de palha), aposentado da Rede Ferroviária Paraná-Santa Catarina, onde era chefe de trem, contesta: 
- É, mas se põe na cama.
Minha avó replicou:
- Velho sem vergonha!
Meu avô ria sacudindo a pança, gordo e bem alimentado pela minha avó que passava a maior parte do dia na cozinha. O almoço e o café da tarde eram os momentos mais importantes do dia. À noite, ouvir rádio. Depois, dormir. Para eles, ser gordo era sinal da boa saúde do homem forte. Minha avó não era gorda e nem magra. Teve 5 filhos: 2 meninos e 3 meninas. Meu avô teve 6 filhos: os 5 do casamento e 1 menino fora do casamento. Lar modesto. Família unida. Divisão do trabalho doméstico entre minha avó e minhas tias enquanto solteiras.

Recorte da lenda. A formiga e o elefante trilhando sentidos opostos no mesmo caminho se encontram frente a frente. A formiga diz para o elefante:
- As coisas não são bem assim!
O elefante estufa o peito e responde:
- As coisas são bem assim, sim.
Enquanto falava, ele pousava a sua pata dianteira sobre as costas da formiga. 
Assim, também, tem sido no reino dos animais racionais. O argumento do mais fraco não prevalece contra o mais forte. 
No reino das trevas, a luz não penetra. Bom senso e fanatismo são inconciliáveis. Razão e paixão se repelem.

domingo, 2 de novembro de 2025

POLÍCIA x BANDIDO

No início desta semana (28/10/2025) a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro realizou operação policial em duas comunidades da capital causando impacto na população brasileira pelo número elevado de mortos, vazão do instinto tanatológico dos planejadores e executores. A gravidade do ocorrido justifica intervenção federal nos termos do inciso III do artigo 34 da Constituição da República.
O dever do estado de zelar pela segurança pública inclui combate à criminalidade. Essa tarefa é executada pelo aparelho policial do estado federado sob o comando do governador, conforme artigos 184 e 189 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. 
Da independência, em 1822, até a proclamação da república, em 1889, o Brasil foi um estado unitário. Poder político centralizado na pessoa do Imperador. Antes, o poder político centralizava-se na pessoa do Rei de Portugal. A centralização marcou profundamento a alma dos brasileiros. Apesar do modelo federativo decorrente do golpe republicano, a consciência do povo ficou mais ligada à Constituição Federal e ao poder central emanado da União Federal, do que à Constituição Estadual e ao poder emanado do governo do estado federado. 
O estado unitário e a centralização do poder político continuam colados na alma do povo. Isto explica o motivo pelo qual a massa popular atribui ao governo federal, a responsabilidade pela segurança pública genérica, embora tal responsabilidade seja do governo estadual, conforme o disposto no artigo 144, §§ 4º a 6º, da Constituição da República e nos artigos 184 e 189 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. 
Neste passo, oportuno lembrar que a federação brasileira é artificial. O movimento republicano imitou a forma federativa norte-americana sem lhe captar o espírito. Ao contrário do país setentrional, não havia no Brasil estados soberanos para se unirem em federação. Havia províncias do soberano estado monárquico e unitário que foram transformadas em estados federados por decreto do marechal comandante do movimento republicano. Aos estados assim criados foi outorgada autonomia. A soberania ficou reservada ao estado federal. Tudo à revelia do povo. Tudo sob geral pasmaceira.
No Rio de Janeiro, há precedentes da operação policial em tela. A novidade está na quantidade de soldados combatentes, o que importa em gastos excepcionais com a logística. Isto exige auditoria feita de preferência pela Polícia Federal, a fim de verificar se o dinheiro foi aplicado corretamente e se a sua origem é legal e legítima. 
O sistema de segurança pública previsto na Constituição da República e na Constituição do Estado do Rio de Janeiro existe para garantir a paz, a ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio. Quando a repressão policial é excessiva, a imprensa noticia, às vezes de modo sensacionalista e tendencioso, e as autoridades investigam a fim de apurar a responsabilidade de quem se excedeu. Se houver indícios de a operação ter sido motivada por interesses privados e/ou eleitoreiros, o governador do estado e o comandante da polícia militar ficam sujeitos a investigação criminal.
Diante da mortandade provocada pela polícia militar, governadores de alguns estados vieram apoiar o governador do Estado do Rio de Janeiro. Revelaram-se adeptos da política de extermínio. Em seus estados, a mortandade aumentou. A pública confissão dos governadores coloca-os na posição de mandantes de operações policiais exterminadoras, nivelando-os aos chefes de organizações criminosas. Quanto ao Rio de Janeiro, impõe-se a instauração de inquérito pela Polícia Federal com o precípuo objetivo de apurar se a operação policial foi deflagrada para favorecer uma das facções criminosas em detrimento de outra rival na luta por território. Não custa lembrar: nesse comércio circulam bilhões de reais.  
Bandido bom é bandido morto. Policial civil do antigo Estado da Guanabara cunhou esta frase que repercutiu nacionalmente. O significado encaixa-se no modo de pensar e de sentir de parte da população brasileira e da corporação policial. Outrora, extra-oficialmente, para burlar barreiras levantadas pelo direito positivo e pelos juízes, policiais organizavam esquadrões da morte para caçar bandidos não só no intuito de matar como, também, no de extorquir. Do contexto social e político em que aquela frase foi proferida e divulgada, verifica-se que o alvo era o criminoso violento, que ordinariamente atemoriza a sociedade, causa insegurança às pessoas e à nação. Mata, lesiona, rouba, trafica. Contudo, a parcela democrata e humanista do povo brasileiro repudia a "solução final" preconizada pelo nazifascismo que permeia a sociedade civil e o estado. 
E da favela/ que era minha e que era dela/ só ficou muita saudade/ porque o resto ela levou. Visão romântica do poeta na primeira metade do século XX, mostrada ao público através do rádio, na voz bem postada do cantor, substituída no século XXI, pela sonoridade dos tiros de fuzil e de metralhadora e pelos lamentos e lágrimas das mães que perderam os seus filhos na desigual e desnecessária batalha. Daquela favela do poeta, só a saudade restou.

domingo, 26 de outubro de 2025

DEMOCRACIA SUICIDA

Sem os elementos da natureza humana como instinto, vontade, sentimento, simbologia, racionalidade, trabalho, valores, sonhos, não haveria comunidade e sociedade. Ideias vulgares, tecnológicas, artísticas, científicas e filosóficas, crenças religiosas e místicas, princípios morais e jurídicos, obras materiais e intelectuais, convenções gerais, moldam a civilização. Como seres vivos sujeitos ao determinismo da natureza, os humanos perfazem ciclos da vida desde o nascimento até a morte. As instituições humanas também perfazem ciclos. Não são eternas. Extinguem-se na fluência do tempo. Algumas, estáveis e de longa duração, transformam-se. Entre as instituições vigentes encontram-se o estado, os sistemas políticos, os partidos políticos. Neste campo, as paixões humanas têm larga escala. A lógica binária satisfaz ao intelecto, porém, cede a sua pureza ante as paixões humanas e a flexibilidade da vida política.
No mundo ocidental moderno, a paixão monocrática, a paixão aristocrática, a paixão democrática, as tendências ao despotismo, ao elitismo, ao populismo, são perceptíveis: (i) à direita e à esquerda do espectro político (ii) nos partidos políticos (iii) nos órgãos do estado. O poder político é objeto de desejo, alvo da inveja e motivo de disputa. O discurso político dirigido ao público raramente expressa a ideia raiz e verdadeira. Forma atraente, matéria mistificadora. O real intento repousa no interior da mente do autor. A presença do interesse privado e a ausência do interesse público são frequentes nas ações e omissões dos governantes (legisladores, chefes de governo, juízes).
A imprensa, lato sensu, não se descuida dos seus interesses comerciais e da sua sustentação econômica quando entra no jogo político. Mostra-se mendaz ou veraz, segundo as circunstâncias. Neste século XXI, a parcialidade e a mendacidade da imprensa são exibidas de modo claro e desafiador. O jornalismo perdeu a vergonha e o senso moral. Relevante, neste particular, aqui no Brasil, a condenação de 7 réus na sessão de julgamento de 21/10/2025, no Supremo Tribunal Federal (STF). 
Trata-se da tentativa de golpe de estado praticada por ex-presidente da república e comparsas. Os juízes da 1ª Turma do STF reconheceram: (i) a mentira como causa eficiente de delito, mormente se difundida através dos meios de comunicação social (ii) nexo causal entre mentiras e efeitos danosos (iii) que mentiras ofendem bens tutelados por normas penais. A decisão majoritária (4 x 1) harmoniza-se com a jurisprudência do tribunal sobre o exercício abusivo da liberdade de expressão. A mentira pode causar – como de fato tem causado – danos às vítimas (suicídio, distúrbio mental, conflitos, separações). Destarte, além de imoral, a mentira pode ser criminosa. O voto divergente absolveu os réus como se os fatos narrados na denúncia não tipificassem crimes. O ministro sequer cogitou de nova definição jurídica dos fatos, como permite o artigo 384 do Código de Processo Penal. 
A parcela democrata do povo brasileiro (maioria do corpo eleitoral, por enquanto) necessita acautelar-se contra a metástase nazifascista que se espalha pelo organismo estatal e pela sociedade civil. A situação atual lembra a europeia de 1938/1939, quando o governo da Inglaterra menosprezou o perigo da expansão nazista. Hoje, o governo brasileiro menospreza o perigo da expansão nazifascista. Acomoda-se em berço esplêndido na doce ilusão da paz e do amor. Ao presidente brasileiro parece faltar o que sobra no presidente venezuelano: tutano e colhão.
No momento, o presidente brasileiro pensa na reeleição. Entretanto, há o risco de se repetir o episódio da presidente Rousseff. O fato de ter sido reeleita no devido processo legal e de não ter praticado crime algum, não impediu a sua deposição mediante golpe de estado em 2016. Forças nazifascistas integradas por políticos profissionais, por empresa emissora de rádio e televisão e por jornalistas amestrados, instigaram a população e executaram o golpe. Repetição civil do golpe militar de 1964. Excluíram do pleito eleitoral o candidato à presidência da república que gozava da simpatia da parcela democrata do povo. Utilizaram processo criminal fraudulento para prendê-lo. Elegeram o líder nazifascista em 2018. Pretenderam mantê-lo na presidência em 2022. Tentaram golpe de estado. Fracassaram por falta de adesão do Exército e da Aeronáutica. A parcela democrata do povo brasileiro sagrou-se vencedora.
Notável a vocação da democracia brasileira para o suicídio político. Sob equivocada concepção de democracia, o Legislativo e o Executivo induzem-na ao suicídio quando se omitem diante da ampla liberdade de ação dos partidários do nazifascismo. O legislador constituinte brasileiro de 1987/1988, escaldado pela ditadura nazifascista de 1964/1985, vedou a criação de partido político que não resguarde a soberania nacional e o regime democrático. Assegurou o pluripartidarismo, porém, dentro dessas duas coordenadas. Apesar da proibição, aí está o Partido Liberal de inequívoco caráter nazifascista, visceralmente antidemocrático, atuando contra o estado democrático de direito e prestando continência à bandeira dos Estados Unidos. Por inércia, a norma constitucional resta sem eficácia. 

Constituição da República Federativa do Brasil. Artigos: 17 caput e inciso II + 221, IV.
A Condição de Homem. Lewis Mumford. Trad. Miranda Reis. Rio/SP. Editora Globo. 2ª Edição. 1956. P. 9/21.
A Filosofia Moral. Jacques Maritain. Trad. Amoroso Lima. Rio. Agir Editora. 1973. P. 490/495.
La Democracia En América. Alexis de Tocqueville. Trad. Negro Pavon. Madrid. Aguilar Ediciones. 1971. P. 96/101. 

domingo, 19 de outubro de 2025

FUTEBOL

Mediante jogos amistosos, a seleção brasileira de futebol masculino vem sendo orientada e testada pelo treinador italiano. Jogo amistoso significa busca de aprimoramento individual e coletivo fora de campeonato. Neste mês, a seleção brasileira jogou com as seleções coreana e japonesa. 
Na Coreia, em 10/10/2025, a seleção local perdeu de 5 x 0. Os brasileiros atuaram com alta velocidade nos movimentos, admirável entrosamento e bom preparo físico. Praticaram o drible sem oposição do treinador. Há treinadores obcecados pelo coletivismo, castradores do individualismo. Acham o drible exibicionista e contraproducente. Neutralizam talentos. Para o bom desempenho do time, o drible é tão importante quanto o passe. Basta moderação nos dois fundamentos. 
No Japão, em 14/10/2025, quer durante a execução dos hinos nacionais, quer durante o minuto de silêncio, o público japonês se manteve quieto e respeitoso. Requinte cultural. Os jogadores japoneses e comissão técnica mostraram espirito esportivo durante a partida. No primeiro tempo, perderam: 2 x 0. No segundo tempo, venceram: 3 x 0. Placar final: vitória da seleção japonesa por 3 x 2. Os japoneses mostraram-se aguerridos, velozes, com bom preparo físico e técnico. Sabem driblar. Marcaram os gols aproveitando vacilos da defesa brasileira. O treinador japonês mostrou que entende de táticas e sabe como alterar o movimento da equipe durante o jogo. O treinador da seleção brasileira, no primeiro tempo, experimentou colocar 8 jogadores que não haviam participado do jogo na Coreia. No segundo tempo, substituiu alguns, sem evitar a derrota.  
O resultado dos jogos amistosos, quando as equipes estão sendo testadas, deve ser submetido a análise racional e a crítica construtiva. Euforia na vitória e rigor condenatório na derrota são sinais de que as partidas amistosas não estão sendo encaradas como testes. Honra ao mérito: os brasileiros se esforçaram e fizeram boa exibição. Eventual vacilo é comum nesse esporte. Quase todo gol marcado tem na sua origem o casual vacilo dos defensores do time que o sofreu. Os jogadores que vacilam não merecem massacre moral. Erram hoje. Acertam amanhã. Errar é humano, diziam nossos avós.   
Tão logo concluída a fase dos testes, neste ou no próximo ano, o treinador montará a estrutura definitiva da seleção brasileira. Há craques que ainda não foram convocados (por ordem alfabética): Coutinho, Dudu, Gabigol, Gerson, Hulk, Lucas Moura, Thiago Silva. A experiência, a capacidade técnica e a criatividade desses craques ensejarão segurança, equilíbrio e eficiência à seleção, principalmente diante de seleções solidificadas e de alto nível técnico. 
Aos treinadores em geral, cabe enxergar a realidade e agir com autonomia e bom senso. Eles enfrentam desafios como: 
1. Escalar os jogadores mais aptos na ocasião dos jogos. 2. Distribuir 11 jogadores em campo: 1 goleiro + 5 zagueiros + 5 atacantes. [Terminologia simplificada].
2.1. Estática: I. Na grande zaga: (i) em cada lado da área: 1 zagueiro (ii) no meio do campo: 1 zagueiro no centro, 1 no lado esquerdo e 1 no lado direito. II. No campo adversário: 1 centroavante, 1 meio-atacante à esquerda, 1 meio-atacante à direita e 1 atacante em cada ponta.
2.2. Dinâmica: Conforme o potencial do elenco e a personalidade, o conhecimento e a experiência do treinador, o movimento dos jogadores em campo pode ser planejado: I. De modo rígido: (i) o treinador traça as linhas de ação no mapa que pretende ver respeitado independente da tática da equipe adversária (ii) mantém um núcleo estável e escala os mesmos jogadores em todos os jogos (iii) coloca a sua vontade e a sua autoridade acima de qualquer contingência ou intervenção. II. De modo flexível: (i) adota esquema aberto ajustando-o à tática do adversário (ii) varia a escalação segundo as características dos jogadores nas respectivas funções (iii) ouve opiniões dos dirigentes, dos auxiliares, dos jogadores, dos torcedores, dos jornalistas esportivos, ainda que não as siga total ou parcialmente. 
Os treinadores se deparam com as seguintes dificuldades: 1. Real situação doméstica e social dos jogadores (conflitos, baladas, desregramentos). 2. Ciclos do rendimento de cada jogador (altos e baixos). 3. Excesso de compromissos esportivos e consequente desgaste da equipe. 4. Jogadores fora de ação para tratamento médico ou por motivo disciplinar. 5. Erros dos árbitros. 6. Pressão das torcidas. 7. Questões financeiras do clube. 8. Questões éticas com os jogadores, com a comissão técnica, com a diretoria e/ou com a entidade dirigente do esporte. 9. Questões jurídicas nos tribunais esportivos e/ou nos tribunais judiciários.
O cultivo do espírito esportivo contribui para fortalecer virtudes humanas e amenizar destemperos. Jogadores sul-americanos costumam ser catimbozeiros, mais indisciplinados e reclamadores do que os europeus. Os asiáticos amarelos são respeitosos e disciplinados. Os asiáticos morenos e os africanos, nem tanto. Isto pode mudar para melhor ou para pior. Nas relações humanas, congelar ideias, vontades e comportamentos não é a regra e sim a exceção.

terça-feira, 14 de outubro de 2025

VAGA NO STF

O jurista Luiz Roberto Barroso aposentou-se do cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Para sucedê-lo, nomes de juristas foram apontados pelos meios de comunicação e nas esferas política e forense. O nome de Rogério Favreto não foi cogitado. Trata-se do desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, em 2018, concedeu habeas corpus em favor de Luiz Inácio Lula da Silva, político preso por decisão e ordem abusivas das autoridades judiciais da fraudulenta Operação Lava-Jato.
Cabe exclusivamente ao Presidente da República (PR), quando achar oportuno, indicar o candidato ou a candidata ao cargo. A Constituição da República (CR) estabelece os requisitos para cidadãos serem nomeados ministros do STF: (i) idade superior a 35 anos e inferior a 65 anos (ii) notável saber jurídico (iii) reputação ilibada. Cabe ao Senado Federal, por maioria absoluta, sabatinar e aprovar ou reprovar o/a candidato/a. Se houver reprovação, o PR será comunicado e, então, indicará outro/a candidato/a. Renova-se o procedimento. Em havendo aprovação, o PR nomeará a pessoa aprovada quando achar oportuno. Não há prazo certo para indicar candidato e tampouco para nomear quem for aprovado. Isto fica ao talante do PR. 
O vocábulo cidadão, que o preceito constitucional utiliza no plural, abrange brasileiros natos no pleno gozo dos direitos políticos. Pessoas com idade igual ou menor de 35 anos e com idade igual ou superior a 65 anos, não poderão ser nomeadas. Os limites foram impostos pelo legislador constituinte de 1988. Antes disto, o PR nomeava pessoas que ficavam poucos dias no cargo e se aposentavam. Havia o propósito de premiar apoiadores civis da ditadura com proventos pagos pelo estado.
O notável saber jurídico exigido do/a candidato/a distingue-se do conhecimento genérico dos bacharéis em direito. Certa vez, em sessão do STF, o ministro Barroso ironizou o “notável saber jurídico” como se tratasse de algo imaterial, subjetivo, de difícil avaliação e fácil enganação. Entretanto, no plano conceitual, trata-se de conhecimento científico e filosófico do fenômeno jurídico na sociedade. Conhecimento haurido da teoria e da prática do direito pelo advogado, pelo defensor público, pelo agente do ministério público, pelo magistrado, pelo professor universitário. Conhecimento notabilizado pela excelência da sua produção no exercício das citadas profissões. Nessa produção entram arrazoados forenses, pareceres, sentenças, votos em sessão de julgamento nos tribunais, títulos acadêmicos, seminários, conferências, artigos em revistas especializadas, livros, aprovações em concursos públicos. Este saber, aferido pelo Senado, inclui maturidade e sensatez decorrentes do modus vivendi do seu portador.
A reputação do/a candidato/a há de ser ilibada, isto é, sem mácula, sem antecedentes desabonadores, não apenas como jurista e cidadão ou cidadã, mas, também, como pessoa natural honesta e cumpridora dos seus deveres para com a família e a sociedade. 
A pessoa nomeada toma posse de um cargo de alta relevância e se investe de autoridade togada cuja função não é só jurídica. O legislador constituinte atribuiu especial função política ao STF quando lhe confiou a guarda da Constituição. Manteve, pois, na competência do tribunal, o controle da constitucionalidade das leis. Isto significa autorizada e legítima interferência judicial, a posteriori, no processo legislativo. Porém, tal como nos demais tribunais judiciários, o STF só atua quando provocado no devido processo legal. Portanto, para sair da passividade, o tribunal depende da iniciativa dos interessados. Como a CR é analítica e extensa, abrangendo as dimensões política, social e econômica da nação, a competência do seu guarda, o STF, adquire igual extensão. Disto resulta o que se convencionou chamar de “judicialização”. Todavia, se os poderes legislativo e executivo atuarem em consonância com os preceitos constitucionais, não haverá “judicialização”. 
A pessoa nomeada para o cargo leva consigo uma incógnita. As qualidades pessoais positivas podem sofrer mutação. O Dr. Jekyll transforma-se no Mr. Hyde. As fraquezas humanas podem macular o caráter daquela pessoa. Espírito público, imparcialidade, independência, serenidade, senso de justiça, dedicação à judicatura, assiduidade, celeridade, eficiência, tudo se avilta por vaidade, arrogância, ímpetos despóticos, atividade política partidária e outros fatores incompatíveis com a magistratura.
A escolha de ministro/a cai regularmente sobre jurista afinado/a com os sentimentos, pensamentos e visão do mundo do PR. Via de regra, tanto nos períodos democráticos como nos períodos autocráticos da história do Brasil, os presidentes seguiram esse caminho que eles não inventaram. Esse caminho foi aberto pelo presidente dos Estados Unidos em 1789 e planificado por seus sucessores após o caso Marbury versus Madison julgado pela Corte Suprema em 1803. A decisão do tribunal, lavrada pelo juiz John Marshall, firmou os princípios: (i) da supremacia da Constituição Federal ante leis federais e estaduais (ii) do controle judicial da constitucionalidade das leis. A decisão foi acatada pelos poderes legislativo e executivo. Isto significou importante conquista política do judiciário e se tornou dogma do constitucionalismo na América e na Europa. Desde aquela época, os presidentes dos Estados Unidos, ad cautelam, indicam e nomeiam para a Suprema Corte, juristas vinculados ao seu partido político (democrata ou republicano).

Constituição da República Federativa do Brasil. Artigos: 52, X + 84, XIV + 101, p.ú. + 102 caput e inciso I, letra a.
A Corte Suprema e o Direito Constitucional Americano. Lêda Boechat Rodrigues. Rio. Revista Forense. 1958. Pág. 35/41.
Direito Político Brasileiro. Fernando Whitaker da Cunha. Rio. Forense. 1978. Pág. 205/214.
Poder Constituinte e Constituição. Antonio Sebastião de Lima. Rio. Plurarte. 1983. Pág. 84/85.


domingo, 28 de setembro de 2025

BLINDAGEM II

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal (CCJ), em sessão do dia 24 de setembro de 2025, rejeitou, por unanimidade, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 3/2021, sobre prerrogativas parlamentares, encaminhada pela Câmara dos Deputados. Os deputados nela haviam incluído presidentes de partidos. Fizeram tábula rasa do fato de o partido político ser pessoa jurídica de direito privado. Outorgaram prerrogativa a quem não era parlamentar e nem autoridade pública. O objetivo era blindar os presidentes, principalmente o do Partido Liberal, livrando-os de inquéritos e processos criminais. 
O Partido Liberal talvez seja o maior partido nazifascista da América do Sul. [Os termos nazifascismo e nazifascista são empregados neste artigo no sentido doutrinário ideológico]. Esse partido contornou exigência constitucional de resguardar a soberania nacional e o regime democrático. A sua atividade é incompatível com a norma constitucional. O nazifascismo é essencialmente autocrático, demolidor das instituições democráticas. O seu líder no Brasil, ao bater continência para a bandeira dos Estados Unidos, sobrepõe a soberania estrangeira à nacional. Ao desfilar na Avenida Paulista sob imensa bandeira daquele país, esse partido mostrou sua devoção à supremacia estrangeira. A bandeira não é simples pedaço de pano para mané enrolar no corpo. Mais do que tecido, a bandeira é símbolo da independência e da soberania da nação juridicamente organizada.    
Na CCJ, os senadores do partido nazifascista mostravam desconforto ao rejeitar a PEC 03/2021. Eles tiveram dificuldade para deglutir a opinião pública exposta no colossal e significativo movimento popular do dia 21/09/2025. Ao coincidir com o início da Primavera, esse movimento simbolizou o florescimento da consciência cívica do povo brasileiro, um novo ciclo do civismo nacional que, por longo tempo, fica adormecido nas profundezas da alma coletiva para só despertar quando surge premente ocasião.  
Senadores do partido nazifascista, despeitados e inconformados por se verem na contingência de seguir a maioria dos senadores da CCJ – pois, se não o fizessem, cairiam em desgraça perante o eleitorado e poderiam não ser reeleitos – discordavam do peso político atribuído ao movimento do dia 21. Disse, um deles, que o movimento anterior do seu partido reuniu multidão maior na Avenida Paulista sem que houvessem semelhantes avaliação e efeito. Esse tipo de reação é apelidado, no jargão forense, de “jus esperneandi”, frase jocosa para indicar o desespero de quem está perdendo a demanda. A citada e almejada superioridade numérica da anterior multidão antidemocrática em relação à posterior multidão democrática na Avenida Paulista, depende da verificação honesta por cálculo sem truques. Além disto, o movimento democrático não se limitou à capital de São Paulo. Aconteceu, também, em Copacabana e em diversas capitais do Brasil. Portanto, trata-se de movimento nacional contrário à blindagem e à anistia. 
O movimento popular democrático, no propósito claro e específico de impedir o ingresso da PEC e do PL no ordenamento jurídico do estado, significou exercício direto da soberania e da cidadania, dois princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. Portanto, não foi mero e pálido protesto e sim determinante expressão da vontade soberana do povo que vincula os seus representantes no Congresso Nacional e na Presidência da República. Trata-se do exercício direto do poder do povo pelo povo. Ao rejeitar a PEC, o Senado obedeceu à expressa vontade do povo. A “voz rouca das ruas”, frase agradável aos ouvidos e de sabor poético, destoa do movimento popular de 21 de setembro. Neste, não houve rouquidão. Nada existiu de cavernoso e sem nitidez. Tudo foi bem claro e de alta sonoridade. 
O PL sobre anistia, ainda que camuflado com os arbustos da dosimetria, provavelmente não será aprovado no Senado. Mediante esperteza enganosa, os deputados adentraram seara do Poder Judiciário ao pretenderem reduzir as penas aplicadas a quem cometeu crime contra o estado democrático de direito. Imoralidade e antijuridicidade explícitas.  
Ao contrário do que afirmaram os amargurados senadores nazifascistas na CCJ, os parlamentares democratas não consultam o Supremo Tribunal Federal (STF) por medo ou subserviência e sim por cautela e respeito à Constituição. Amparados no constitucional princípio da harmonia, buscam informar-se a fim de evitar que as normas projetadas, uma vez publicadas, sejam declaradas inconstitucionais pelo tribunal. 
Por outro lado, consulta jurídica é atividade privativa dos advogados. Se feita a ministro do STF e este responder oralmente ou por escrito, ficará tipificado o exercício ilegal da advocacia. Os juízes de direito e os tribunais judiciários não são órgãos de consulta. Por isto mesmo, não podem funcionar como assessores jurídicos do Legislativo e do Executivo e nem como consultores jurídicos de partidos políticos. Essas funções cabem: (i) aos advogados das estruturas administrativas do estado e dos partidos e/ou (ii) aos escritórios de advocacia contratados. Os juízes e tribunais devem manter equidistância, julgar com imparcialidade e se comportar com austeridade, sob pena de: (i) perderem autoridade moral, credibilidade, respeito e assim (ii) converterem-se em massa amorfa no solo de uma desabrida politicagem. 

Constituição da República Federativa do Brasil. Artigos: 1º incisos I/II e parágrafo único + 2º + 14 e seus incisos + 17 caput e §2º + 95 parágrafo único + 102.
Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Lei Complementar 35/1979. Artigo 36 e seus incisos. 
Estatuto da Advocacia. Lei federal 8.906/1994. Artigo 1º inciso II.

domingo, 21 de setembro de 2025

BLINDAGEM

A Câmara dos Deputados votou, neste mês de setembro/2025, proposta de emenda à Constituição (PEC) sobre prerrogativas dos parlamentares e votou projeto de lei (PL) sobre anistia. Essas votações causaram: (i) indignação à parcela honesta e de feição democrática do povo brasileiro (ii) satisfação à parcela nazifascista do povo e às organizações criminosas. A PEC e o PL: (i) não atendem ao bem comum, ao bem-estar da população, ao interesse público (ii) protegem interesses particulares dos deputados e os livra da persecutio criminis a que homens e mulheres comuns estão sujeitos. Agora, estão no Senado Federal, sem regime de urgência. Portanto, antes de irem ao Plenário, passarão pelo crivo das comissões permanentes, segundo a competência de cada uma. Se forem rejeitados, não serão incorporados à ordem jurídica nacional. Se forem aprovados: (i) a PEC será promulgada diretamente pelas Mesas da Câmara e do Senado (ii) o PL será encaminhado ao Presidente da República para sanção.   
A PEC sobre prerrogativas recebeu da opinião pública os apelidos de “pec da blindagem”, “pec da impunidade”, “pec da bandidagem”, sinal de indignação ao perceber o propósito dos deputados de salvarem a si próprios e à sua clientela, da punição pelos crimes que cometeram e cometem. O público notou a intenção dos deputados de cobrirem a si mesmos e aos seus clientes, com a chapa malhada na fornalha do processo legislativo.  
Os deputados votaram urgência desnecessária e injustificada para os trâmites da PEC. Desde 2021 ela estava na Câmara sem que houvesse impulso fora do curso normal. Agora, em 2025, os deputados consideraram-na urgente em face: (i) dos julgamentos feitos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em ações penais contra civis e militares do alto escalão da república, inclusive ex-presidente (ii) do fato de a maioria dos ministros não se intimidar com as pressões internas e externas que o STF vem sofrendo.    
Para a sociedade civil, a PEC não tem importância alguma, eis que as prerrogativas dos parlamentares já estão descritas e asseguradas nos artigos 14, §9º + 53/56, da Constituição. Isto mostra que a pretensão dos deputados não se refere a prerrogativas e sim a privilégios. As prerrogativas existentes, postas pela Assembleia Nacional Constituinte, garantem a livre atividade legislativa desde o início da vigência da Constituição de 1988 e das emendas 6/1994 e 35/2001. Os adeptos da democracia sabem da necessidade e da importância dessas prerrogativas para: (i) o bom funcionamento da ordem jurídica do estado (ii) o desenvolvimento social e econômico da nação. As prerrogativas do presidente da república e dos juízes são igualmente necessárias e importantes para esses mesmos fins. 
O princípio da separação, independência e harmonia dos poderes é da essência da democracia. Os órgãos legislativos, executivos e judiciários, representam o poder do estado e a soberania da nação. Eles devem respeitar o caráter republicano do estado e a forma democrática de governo. Cada órgão tem o dever de respeitar as funções e as prerrogativas dos outros, na dinâmica do mecanismo constitucional de freios e contrapesos.
Entende-se por prerrogativa, o conjunto de direitos específicos e necessários para o titular exercer a sua função pública. O que os deputados pretendem com a PEC chama-se privilégio, vantagem pessoal não outorgada aos outros. Os deputados querem para si imunidade penal plena e liberdade absoluta, enquanto o presidente da república, os juízes e os cidadãos, gozam de liberdade relativa e estão sujeitos às penas da lei se cometerem crimes.    
Ao PL da anistia, também, faltam moralidade e juridicidade. Nota-se o intuito dos deputados – ao violarem o constitucional princípio da separação, independência e harmonia dos poderes – de afrontar a jurisdição do STF. Pretendem anistiar autores de crimes gravíssimos cometidos contra o estado democrático de direito, alguns já condenados pelo STF no devido processo legal. Anistia ampla, geral e irrestrita adequa-se ao arbítrio da ditadura. [1964-1985]. No vigor da democracia, há limites éticos e jurídicos para concessão de anistia. [1988-2025].

domingo, 14 de setembro de 2025

JULGAMENTO

Nas sessões dos dias 9, 10 e 11 de setembro de 2025, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente o pedido de condenação formulado pelo Ministério Público (MP) na ação penal pública originária proposta contra Jair Messias Bolsonaro e outros acusados da prática de crimes contra o estado democrático de direito e o patrimônio público. Foram aplicadas penas privativas de liberdade e pecuniárias. A sentença condenatória (acórdão) conterá os nomes dos réus, sucinta exposição da acusação e da defesa, os motivos de fato e de direito que fundamentaram a decisão, os artigos de lei aplicados e o dispositivo (juízo final). Publicado o acórdão, começa a fluir o prazo para recursos processuais. Transitado em julgado, inicia-se a execução do acórdão. 
Os votos vencedores lastrearam-se nas provas. A defesa reclamou da abundância de provas e do pouco tempo para examiná-las. Como há réu preso, o prazo não podia ser dilatado. Interessante notar, nas sessões, as posturas dos ministros Moraes e Fux: pareciam disputar a autoria do voto mais longo e erudito. Fux venceu. Ele realizou formidável ginástica cerebrina para absolver os réus: considerações iniciais, premissas teóricas, questões preliminares, pletora de citações doutrinárias e jurisprudenciais, inexistência de prova da autoria dos delitos (?!?!), divagações e 14 horas para concluir o seu voto divergente. 
Serenidade mandada às favas. Moraes assemelhava-se a um guerreiro do MP e Fux a um guerreiro da advocacia. Durante a dosimetria, Fux retornava ao seu voto, numa insistência intempestiva. Deixou a impressão de que ele queria mostrar empenho extraordinário para agradar ao líder da tentativa de golpe e ao presidente dos Estados Unidos, a fim de escapar às sanções da Lei Magnitsky. Interessante, também, a coincidência. Há alguns anos, ambos foram acusados de plágio por omissão da fonte. Fux, em obra de direito processual civil. Moraes, em obra de direito constitucional. A extrema direita também pode plagiar a frase do dólar americano, tal como fizeram os chicaneiros da operação lava-jato de Curitiba, atualizando-a: “In Fux, Fachin, Marques, Mendonça, We Trust”. 
Para preencher vagas no STF, o governo de esquerda nomeou Fux e Fachin. O governo de extrema direita nomeou Marques e Mendonça. No cargo, todos se posicionaram à direita. Isto, por si só, não significa desprimor ao cabedal ético, jurídico e cultural dos magistrados. Na democracia, a bipolaridade esquerda-direita é legítima, produto do evolver da civilização ocidental a partir da Assembleia Nacional Constituinte da França de julho de 1789 a setembro de 1791. [Os deputados conservadores ocupavam os assentos à direita e os deputados proressistas os assentos à esquerda do Plenário].    
Lamentáveis são as relações de ódio, violência, intolerância e rancor geradas nos extremos. Nos processos judiciais, o desprimor pode acontecer durante o exame dos casos concretos quando se infiltram pontualmente: amizade, cortesia, antipatia, esperteza enganosa, retribuição de favores, crença religiosa, afinidade política ideológica. 
Quando o juiz diz que o seu julgamento não será político e sim jurídico, acende-se a luz amarela. Vem à memória, os versos de Vinicius de Moraes: “aquele que diz sou, não é, pois quem é mesmo, não diz”. Parlamentares, chefes de governo e magistrados são agentes políticos que, nas democracias, exercem o poder do estado nos limites da Constituição. Na verdade, o juiz está a dizer: meu juízo é imparcial; não tenho lado nas disputas políticas partidárias. Entretanto, pode acontecer de o magistrado tergiversar valendo-se dos seus dotes intelectuais e culturais para atender compromissos extravagantes. Contudo, essa não é a regra. A honestidade, a juridicidade e o espírito de justiça são as regras. 
Fux cumpriu promessa anterior à sua nomeação para o STF. Com a autoconfiança que caracteriza o portador da faixa preta na arte marcial (jiu-jitsu), em atitude de quem espera receber voto de confiança, diz à presidente Rousseff que, a seguir, o nomeou: deixa comigo que “eu mato no peito”. Realmente, ele “matou no peito” a operação lava-jato e, agora, “matou no peito” o Caso Bolsonaro. Nos tribunais, a divergência entre os julgadores é normal e bem aceita. Todavia, essa normalidade não encampa a chicana, mesmo coberta com o verniz da erudição.    
As diferentes definições de democracia trazidas à colação nos votos dos ministros da 1ª Turma, merecem ponderação. A origem do vocábulo democracia é grega. Demo = povo + cratos = poder. Na polis ateniense, em certo período da história antiga, reconhecia-se a capacidade do povo para governar a si próprio dentro do seu território. No sentido estrito, povo era a parcela da população do sexo masculino e de certa idade, proprietária de bens, com direito ao sufrágio. Ante o declínio da monarquia na Europa moderna, as revoluções americana e francesa (1787 e 1789), com fulcro na liberdade, trouxeram à luz a democracia como forma de governo, deferindo o direito de sufrágio à parcela da população do sexo masculino, homens livres, alfabetizados e de certa idade. Nas democracias americanas e europeias do século XX, as mulheres adquiriram direito ao sufrágio e passaram a integrar o povo no sentido de corpo eleitoral. A vida privada (doméstica, social, econômica) compenetrou-se dos princípios democráticos. Com a revolução russa (1917), entra mais vigorosamente no conceito de democracia, o elemento ideológico. Democracia liberal nos estados capitalistas: prevalecem ideias de liberdade limitada pelo direito (burguês), igualdade formal e de propriedade privada. Democracia igualitária nos estados socialistas: prevalecem ideias de liberdade limitada pelo direito (proletário), igualdade material e de propriedade coletiva dos meios de produção. Nos dois modelos de estado democrático, a sociedade civil é a séde do poder. Os seus representantes são eleitos de forma direta e/ou indireta, conforme as regras vigentes em cada estado. 

Constituição da República Federativa do Brasil. Preâmbulo. Artigos 1º, p.u. + 2º + 5º caput + 102 caput. 
Código de Processo Penal. Artigos 381 + 387.
Lei 8.038/1990. Artigo 12, inciso II.
Regimento Interno do STF. Artigos 230 + 245.


segunda-feira, 8 de setembro de 2025

JUÍZO FINAL

Distinguem-se três operações básicas da inteligência humana: 
1. Apreensão das ideias que, na linguagem oral e escrita, se expressam mediante termos. Exemplos: terra, homem, tribunal, democracia. 
2. Formação de juízos que, na linguagem oral e escrita, se expressam mediante proposições afirmativas e negativas. Exemplos: João Francisco é capitão. João Francisco não é marinheiro. 
3. Inferência de proposições relacionadas entre si, denominadas premissas, das quais se extrai proposição denominada conclusão. Trata-se do raciocínio que, na linguagem oral e escrita, se expressa como argumento. Exemplo: Aquele que comete crime contra o estado deve ser punido; ora, João Francisco cometeu crime contra o estado; logo, João Francisco deve ser punido. 
No ato de pensar há conexão entre essas três operações sem necessária ordenação prévia. 
Juízo pode ser tomado nas acepções de: (i) faculdade mental (ii) capacidade intelectual de julgar (iii) expressão do que foi julgado (iv) opinião, parecer, sentença (v) administração de justiça civil, marcial, eclesiástica. 
O Novo Testamento, parte cristã da Bíblia, menciona o juízo final, derradeiro julgamento da humanidade por Jesus, o Cristo, no seu retorno à Terra, quando o mundo acabar. Trata-se de doutrina cristã elaborada por apóstolos de Jesus, virtual personagem bíblico de questionável existência real. Assemelha-se às fantasias do Antigo Testamento, parte hebraica da Bíblia, inventadas por Moisés. 
Nos tribunais civis também há juízos finais após esgotados os recursos processuais previstos nos códigos. Isto acontecerá no julgamento das ações penais propostas pelo Ministério Público (MP) em face dos autores dos crimes praticados contra o estado democrático de direito, cujos processos têm seus trâmites na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) composta de 5 juízes. Se houver divergência entre os juízes, prevalecerão os votos da maioria (3x2; 4x1). O agente do MP, órgão de acusação, e os advogados dos acusados, sustentaram oral e longamente as suas pretensões na sessão de julgamento realizada na primeira semana de setembro/2025. Na ocasião, a defesa advertiu os juízes sobre: (i) não cometerem com o capitão Bolsonaro o erro que os juízes franceses cometeram com o capitão Dreyfus (ii) a falta de provas (iii) a semelhança carismática entre Bolsonaro e Che Guevara (iv) o esforço hercúleo de um dos réus para demover o então presidente da república, do propósito de utilizar medidas de exceção. A defesa esqueceu de citar os capitães (i) Prestes, herói da intentona comunista e (ii) Virgolino, rei do cangaço.    
Cabe aos juízes da 1ª Turma do STF, a partir da segunda semana de setembro/2025, verificar: (i) se os argumentos da acusação e da defesa estão em sintonia com o conteúdo da instrução processual (ii) se há provas idôneas. As provas podem ser apreciadas livremente pelos juízes, inclusive quanto à existência, pois, se inexistentes, os réus serão absolvidos; se existentes, os juízes verificarão a suficiência delas para sustentar juízo condenatório. Se constatada insuficiência, haverá juízo absolutório
Os juízes podem dar ao caso enquadramento legal distinto do que foi pleiteado pelas partes (CPP 384). Se não houver absolvição, os juízes podem dosar as penas aplicáveis ao caso concreto entre o mínimo e o máximo estabelecidos na lei penal. 
Os condenados por sentença penal transitada em julgado podem obter graça, gênero de favor ou clemência, concedida pelo legislador e/ou pelo chefe de estado. Trata-se de política criminal consubstanciada na anistia, no indulto, na comutação de pena, espécies da graça secular distinta da graça divina. 
Anistia significa esquecimento, livramento da culpa de quem cometeu crime, ato político de perdoar indivíduos ou grupos que praticaram crimes. As circunstâncias influem nas decisões tomadas pela autoridade governamental. "Eu sou eu e minhas circunstâncias" (Ortega Y Gasset). As circunstâncias indicarão se convém conceder a anistia, se o momento é oportuno, se o condenado a merece. Os motivos da concessão devem estar amparados na Moral e no Direito. 
No Brasil, a decisão sobre anistia compete ao Congresso Nacional = Câmara dos Deputados + Senado Federal, com a sanção do Presidente da República (CR 48, VIII). Legislar é atribuição do Congresso. Inobstante, o Congresso não pode votar leis incompatíveis com a Constituição. Tal como o poder de tributar, o poder de anistiar tem que ser exercido dentro dos limites éticos e jurídicos. Se o motivo da concessão não se afinar com as circunstâncias, a anistia concedida pode ser anulada pelo STF dentro do constitucional mecanismo de freios e contrapesos. Isto acontece, por exemplo, quando a anistia resulta da vontade e da ação de partidos da extrema direita, porque lhes falta legítimo interesse. Esses partidos padecem de anomalia congênita: são visceralmente antidemocráticos (CR 17, caput). Destarte, há de prevalecer o interesse nacional por valores de superior hierarquia: vida, liberdade, igualdade, democracia, soberania, situados acima dos interesses individuais e coletivos da comunidade criminosa que se pretende anistiar. Os registros desses partidos no Tribunal Superior Eleitoral devem ser anulados ante a inconstitucionalidade das suas ações e do seu existir no seio da nação brasileira.  
A concessão (i) de indulto = perdão da pena aplicada ao condenado (ii) de comutação de pena = troca do tipo de pena e/ou redução do seu quantum, nos limites da Moral e do Direito, compete privativamente ao Presidente da República (CR 84, XII + parágrafo único). 

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

FUTEBOL

O treinador europeu contratado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) convocou jogadores brasileiros para formar a equipe masculina que enfrentará as seleções do Chile no dia 4 e da Bolívia no dia 9 de setembro/2025. Craques ativos e consagrados ficaram fora da lista: Rodrygo, Vini, Coutinho, Dudu, Gabigol, Hulk, Lucas Moura, Thiago Silva. Os dois primeiros jogam na Espanha; os demais, no Brasil. Como noticiado pela imprensa, o selecionador pretende testar jogadores que ainda não conhece bem. Dos 24 jogadores da lista de convocados, 6 atuam no Brasil: Hugo Souza (goleiro do Corinthians), Vitinho (lateral do Botafogo), Jean Lucas (volante do Bahia), Fabricio Bruno e Kaio Jorge (zagueiro e atacante do Cruzeiro), Samuel Lino (atacante do Flamengo). Dos restantes, 17 jogam na Europa e 1 na Arábia Saudita. Essa preferência do selecionador indica certa cautela ante a proximidade dos jogos e o pouco tempo disponível para ampliar o seu conhecimento. Provavelmente, assim raciocinou: Os jogadores brasileiros no exterior não seriam contratados por clubes europeus e árabe se não exibissem nível técnico e desempenho acima da média; tê-los na seleção brasileira, portanto, significa boa aposta e boa chance de êxito. Ademais, eles estão sob comando de treinadores europeus. Isto facilita o meu trabalho como treinador também europeu.  
Depois de cumpridos os dois compromissos imediatos, haverá nova convocação. A lista de convocados será atualizada conforme o tempo disponível do selecionador para observação e estudo. No momento, embora trabalhe em ambiente cultural distinto do europeu, o treinador italiano parece incluir na sua análise, além da capacidade física e técnica dos jogadores, o critério comportamental, elemento ético influente nas relações internas, no desempenho em campo e na imagem da seleção. Mostra-se determinado a vencer a Copa/2026.
Quanto ao ambiente natural, a seleção brasileira enfrentará adversária invencível: a altitude boliviana. As adversárias humanas são vencíveis. Entretanto, o preconceito não é bom conselheiro. Nas seleções adversárias certamente estarão os melhores jogadores chilenos e bolivianos. Mui remota se afigura a possibilidade de a seleção brasileira fazer com elas o que o Flamengo, clube carioca, fez com o Vitória, clube baiano, em jogo do campeonato nacional: 8 x 0. Mais provável, algo semelhante ao jogo do Bahia, clube baiano, contra o Fluminense, clube carioca, nesse campeonato: 1 x 0. No mundo, sob aspecto técnico, o futebol sul-americano está entre os melhores. Portanto, o desdém é incompatível: (i) com essa realidade (ii) com o devido respeito entre os competidores (iii) com o espírito esportivo.  
A situação da seleção brasileira é cômoda, pois, já está classificada para disputar a Copa/2026. Eventual derrota ou empate agora não pesará na balança. O afeto do povo pela seleção neste século XXI está morno se comparado com a fervura no século XX. As novas gerações não vêem na seleção a “pátria de chuteiras” do período da ditadura militar (1964-1985). O perfil do craque brasileiro mudou de lá para cá. Ficou irreconhecível para os ainda vivos aficionados do esporte bretão daquela época. Ganhos e padrão de vida altíssimos, hipervalorização dos craques, conforto, mimo, salão de beleza; mercantilização, modernidade, derrotas acabrunhantes; tudo a contribuir para a evaporação do encanto.  
No que concerne aos treinadores no Brasil, nota-se invasão estrangeira. O sucesso do português que treina o Palmeiras provocou febre nos dirigentes dos outros clubes por treinadores portugueses. Trouxeram até um venezuelano português (nascido na Venezuela de pais portugueses). Durante 23 anos esse português venezuelano rodou por 12 clubes em vários países de distintos continentes, com média de permanência de 2 anos em cada clube, apimentada com desavenças e resultados pífios. O campeonato mundial de clubes de futebol masculino/2025 mostrou ao mundo esportivo que os treinadores brasileiros são tão bons quanto os treinadores portugueses. As derrotas das seleções brasileiras nas copas mundiais dos últimos 20 anos têm como causa diversos fatores e não só a qualificação profissional dos treinadores. Cabe lembrar que as seleções campeãs mundiais de 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002, foram treinadas por brasileiros. 
Há treinadores brasileiros e portugueses com traços comuns: autoritarismo, arrogância, vaidade. Eles não suportam o brilho dos craques. Apagam as estrelas. Querem os holofotes voltados para si e mostrar ao público como eles são isonômicos, justos, inteligentes e capazes. Sempre acham ocasião para justificativas capengas a fim de manter na penumbra os craques que os sombreiam. Mal disfarçam o ciúme diante da consagração dos craques pelo público e pela imprensa esportiva. 
Esse tipo de treinador posta-se como estrela de maior grandeza. Os craques devem abdicar da personalidade própria e se comportar como planetas a girar submissos em torno do treinador. Esse tipo, seja português de Portugal, seja português da Venezuela, de Macau, de Moçambique, chega ao Brasil com a pose de rei da cocada preta, colonizador a constranger colonizado. 

domingo, 24 de agosto de 2025

O PROCESSO E O TEMPO

Movimento, força, essência, existência, espaço, tempo, são categorias condicionadoras do pensamento e da visão de mundo nas quais está imersa a ideia de processo com o significado geral de sequência de procedimentos ordenados a um fim. Há processos naturais como (i) geração, crescimento, maturidade e envelhecimento dos animais (ii) fotossíntese nas plantas verdes. Há processos culturais originários da inteligência, da vontade e do agir dos seres humanos, baseados na necessidade, na utilidade, no interesse. Trata-se do modus operandi pelo qual alimentos e bebidas são preparados; roupas e calçados são fabricados; remédios são elaborados; energia, armas, ferramentas, motores, computadores, são produzidos; casas, estradas, navios, aeronaves, são construídos; ensino e aprendizagem são organizados. Além desse processo social que inclui a produção artesanal, artística, tecnológica, científica, filosófica, religiosa, há também o processo político ramificado em legislativo (elaboração das leis), administrativo (funcionamento do governo) e judicial (solução de controvérsias à luz do direito).   
Entende-se por processo judicial "stricto sensu", o conjunto dos procedimentos em trâmites perante a autoridade judiciária provocado por vontade humana na busca de solução de questões de fato e de direito e/ou de reconhecimento da existência ou da inexistência de relações jurídicas. Implica tensão bipolar: autor no polo ativo versus réu no polo passivo. As partes devem ter legitimidade para agir perante o juiz/tribunal. Na esfera criminal, a legitimidade para propor ação penal pública é do Ministério Público (MP); para propor ação penal privada é do ofendido; para responde-las é do responsável pela ação delituosa. A provocação se dá mediante petição inicial dirigida ao juiz/tribunal denominada denúncia se a ação penal for pública e queixa se a ação penal for privada. A petição deve preencher requisitos estabelecidos na lei, inclusive o pedido de citação da parte contrária. Apresentada a resposta, abre-se ensejo para a parte autora se pronunciar. Exaurido o prazo, inicia-se a instrução: depoimentos das partes e das testemunhas, documentos, perícias. Concluída esta, vem a fase das diligências para esclarecimentos e, a seguir, as alegações finais das partes e  a sentença do juiz/tribunal. 
O tempo tem função relevante no direito. Coisa julgada, perempção, prescrição, decadência, são limites de tempo postos pelo legislador para as questões e os processos não se alongarem em demasia (não se "eternizarem"). 
No processo da ação penal pública os prazos são curtos se o indiciado ou réu estiver preso. A estreiteza do tempo justifica-se pelo apreço à liberdade erigida em direito humano fundamental. Extrapolados os curtos prazos para o inquérito policial estar pronto ou para o MP oferecer denúncia ou para a instrução processual ser concluída, o preso deve ser posto em liberdade por ordem do juiz/tribunal expedida de oficio ou por deferimento do pedido de habeas corpus. No tribunal, o MP, o assistente de acusação e o advogado do réu poderão fazer sustentações orais na sessão do julgamento. Os juízes votam na ordem ascendente (do mais novo no cargo ao mais antigo). Colhido o último voto, o presidente do tribunal proclama o resultado. Na hipótese de condenação, o juiz/tribunal aplicará penas dentro dos limites mínimo e máximo previstos na lei (dosimetria).  
Ao esforço institucional para dar eficácia aos preceitos constitucionais da razoável duração do processo e da celeridade de sua tramitação, opõe-se a praxe dos tribunais que retarda a marcha processual: o deferimento de pedidos de vista dos autos do processo feitos pelos juízes. Contam-se entre os motivos dessa chicana: amizade, cortesia, ideologia, afinidade religiosa, retribuição de favor. Contam-se entre as justificativas: doença do juiz, acúmulo de serviço, necessidade de mais detido exame da questão. Ao contrário do que pensa o vulgo, chicana (ardil, tramóia, trapaça) não é apanágio dos advogados. Fazem-na, também, os magistrados e os membros do MP, como singularmente evidenciado nos processos da denominada “operação lava-jato” da justiça federal de Curitiba/PR. 
A garantia do devido processo legal declarada na Constituição inclui não só o processo judicial como, também, o processo legislativo e o processo administrativo. Para elaborar a lei, por exemplo, o Congresso deve seguir os trâmites regimentais. Caso não o faça, a lei não terá validade. Para participar de um concurso público, o candidato deve preencher os requisitos expostos no edital. Caso não o faça, o seu pedido de inscrição será indeferido. Para se registrar no Tribunal Superior Eleitoral, o partido político deve preencher os requisitos exigidos pela Constituição. Caso não o faça, o seu pedido será negado. Aliás, mesmo formalizado, o registro de partido pode ser cassado por discrepância entre a estática (estatutos) e a dinâmica (ação política). Isto acontece com o Partido Liberal, cuja ação política está longe, muito longe (i) de resguardar a soberania nacional e o regime democrático (ii) de acatar o preceito constitucional que proíbe subordinação a governo estrangeiro. O poderoso chefão desse partido, patriarca da Família Bolsonaro, subordina-se, notória e publicamente, à bandeira e ao governo dos Estados Unidos. Esse partido caracteriza-se pelo nazifascismo evangélico revelado na contínua ação antidemocrática e no visível propósito de instituir governo autocrático. Aqui no Brasil, enquanto vigorar a Constituição da República de 1988, não é lícito a partido político algum (i) exercer o direito à liberdade para eliminar a liberdade (ii) utilizar os mecanismos da democracia para destruir a democracia.  

Constituição da República Federativa do Brasil. Artigos: 5º caput e incisos LIV, LXXVIII + 17 caput e inciso II + 93, inciso XII. 
Código Penal, artigo 32. 
Código de Processo Penal, artigo 387.


domingo, 17 de agosto de 2025

PUNIBILIDADE

A civilização resultou da experiência de milhões de anos de vida em grupo neste planeta para domesticar a fera humana. A domesticação ocorre no contínuo processo civilizatório desde o longínquo passado, quando as comunidades primitivas se organizam em cidades, até o presente, quando as nações se engalfinham em guerras com inovações tecnológicas e em batalhas nos campos das comunicações e das ideologias. Ante a vasta experiência social, os humanos se conscientizaram da conveniência de um comportamento coletivo ordenado, pacífico, preservador da vida e do patrimônio. Criaram regras que, no conjunto, formam o ordenamento social. Defrontaram-se com a necessidade de garantir a vigência e a eficácia dessas regras. 
A desobediência é uma das características do modus vivendi humano. Advém do anseio por liberdade absoluta. Embora a consciência coletiva facilite o respeito ao ordenamento, há sempre pessoas cujas condutas contrariam as convenções, os padrões artísticos, científicos, morais e jurídicos. Alguns avanços nas artes e nas ciências partiram da rebeldia contra o status quo. Célebres são os atrevimentos de Picasso na pintura, de Jorge Amado na literatura, de João Gilberto na música popular, de Nicolau Copérnico e de Galileu Galilei na astronomia. No que tange às regras jurídicas, se a desobediência não tiver o condão de instituir nova ordem válida e aceita pelo detentor do poder político (povo, grupo civil/militar, monarca, ditador) os desobedientes serão castigados. Por não aprovar violações, o estado utiliza medidas preventivas para evitá-las e repressivas para puni-las. A manutenção da ordem se dá (i) pela força moral da autoridade pública e consenso dos jurisdicionados (ii) pela garantia do devido processo jurídico (iii) pela força física. Todo violador do direito está sujeito a ser processado, condenado e punido, seja qual for o seu status social. Incide o princípio da igualdade de todos perante a lei, próprio do regime democrático.
Punir significa: (i) castigar (ii) aplicar pena a quem praticou alguma falta, algum pecado, algum crime (iii) restringir direitos de quem violou direitos de outrem. A punição aplicada pela autoridade privada (pai, mãe, empregador) ou pela autoridade pública (judiciária, administrativa) pode ser justa ou injusta, legal ou ilegal, comedida ou excessiva. Quando aplicada pelo juiz ao criminoso, a pena satisfaz a aspiração do povo a uma justiça concreta. Quando aplicada a um inocente, causa repulsa. No Brasil, as penas previstas são: prisão, multa, indenização, perda de bens e valores, prestação de serviços, interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana. [Código Penal 32, 43].  
A paixão por justiça se manifesta individual e coletivamente, de modo equivocado ou não, no ambiente doméstico, nas ruas, nas assembleias, nos templos, nos tribunais. A massa popular vibrava de alegria com a morte das feiticeiras na fogueira, dos bandidos na forca, dos cristãos no Coliseu. A expectativa de punição acompanha o povo. Há permanente espera de algum castigo divino ou secular. “O que aqui se faz, aqui se paga” (Lei do Karma). // “Quem com ferro fere, com ferro será ferido. Olho por olho, dente por dente” (Lei do Talião). 
Os punidos podem ser pessoas físicas, pessoas jurídicas, nações. No curso da história, algumas guerras foram deflagradas por um estado a fim de punir outro estado. Das 3 guerras entre Cartago e Roma (264-146 a.C.), a terceira teve nítido propósito punitivo. Em outubro de 2001, os Estados Unidos (EUA) invadiram o Afeganistão com o propósito de castigar o governo Talibã pelo ataque, em 11 de setembro, às torres gêmeas e ao Pentágono.  
Porque ouviste a voz de tua mulher e comeste do fruto da árvore que eu te havia proibido comer, maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida”. // “Assim fala o Senhor dos exércitos: Vou pedir contas a Amalec do que ele fez a Israel, opondo-se-lhe no caminho, quando saía do Egito. Vai, pois, fere Amalec e vota ao interdito tudo o que lhe pertence, sem nada poupar: matarás homens e mulheres, crianças e meninos de peito, bois e ovelhas, camelos e jumentos.” // “Quando fores com o teu adversário ao magistrado, faze o possível para entrar em acordo com ele pelo caminho, a fim de que ele te não arraste ao juiz, e o juiz te entregue ao executor, e o executor te ponha na prisão. Digo-te, não sairás dali, até pagares o último centavo”. // “Não matarás; mas quem matar será castigado pelo juízo do tribunal”. // “Do mesmo modo que julgardes, sereis também vós julgados e com a medida com que tiverdes medido, também vós sereis medido”. [Bíblia. AT. Gênesis 3: 17 + I Samuel 15: 2/3. NT. Lucas 12: 58/59 + Mateus 5: 21 e 7: 2].
A punibilidade é intrínseca ao sistema de segurança do estado. Trata-se da real probabilidade de alguém ser punido por conduta tipificada como ilícita. Supõe o conceito de responsabilidade. A partir da idade fixada na lei, a pessoa passa a ser responsável por suas ações e omissões. Quando os atos são criminosos, o agente deve responder por eles, deve ser judicialmente processado e sentenciado. O presidente dos EUA manifestou-se contra esse procedimento ético e jurídico ao exigir do supremo tribunal brasileiro a impunidade de réu acusado de cometer crimes gravíssimos. Segundo o artigo 107 do Código Penal brasileiro, as hipóteses de extinção da punibilidade são: (i) a morte do agente (ii) a anistia, a graça ou indulto (iii) a retroatividade da lei que não mais considera o fato como criminoso (iv) a prescrição, a decadência ou a perempção (v) a renúncia ao direito de queixa ou o perdão aceito, nos crimes de ação penal privada (vi) a retratação do agente ou o perdão judicial, nos casos permitidos por lei. Da vigente legislação, não consta extinção de punibilidade por ordem executiva do presidente dos EUA e nem, tampouco, por ordem apostólica do Papa.

domingo, 10 de agosto de 2025

PRISÃO

O ex-presidente do Brasil, patriarca da Família Bolsonaro, teve a sua prisão decretada pelo juiz relator do caso sub judice no Supremo Tribunal Federal (STF). Estribada nos artigos 312 e 319, do Código de Processo Penal e 21 do Regimento Interno, confirmada pela 1ª Turma, a decisão é consistente e adequada, amparada nos fatos e no direito. Entretanto, prolixa. Repetições desnecessárias. Mais parece tediosa postulação do que técnica e serena sentença judicial. 24 laudas! Bastavam duas. 
A Família Bolsonaro (pai e filho) está sendo acusada da prática dos crimes definidos nos artigos 344 e 359-L, do Código Penal e 2º, §1º, da Lei 12.850/2013: coação no curso do processo judicial, abolição violenta do estado democrático de direito, obstrução da investigação sobre organização criminosa. A Polícia Federal representou pela prisão. O juiz optou por aplicar medidas cautelares. Ao invés de cumprir, o patriarca tergiversou. O juiz, então, decretou a prisão domiciliar com fulcro na lei, em sintonia com os incisos LIV, LXI, LXIII, do artigo 5º, da Constituição da República (CR). 
Este episódio insere-se na batalha das forças democráticas contra as forças antidemocráticas no seio da nação brasileira. Nas eleições presidenciais de 2022, as forças democráticas obtiveram 60 milhões de votos; as forças antidemocráticas, 58 milhões. Nas eleições de 2026, esse quantitativo será diferente em consequência da agressão à soberania nacional feita pelo governo dos Estados Unidos com apoio da Família Bolsonaro e seus agregados. Nas eleições de 2022, as forças antidemocráticas colocaram seus representantes no Congresso Nacional. No Estado do Paraná, por exemplo, elas elegeram ex-juiz parcial, lavajatista, nazifascista e deficiente cultural, para ocupar cadeira no Senado. O menor número de participantes no movimento de domingo (03/08/2025) nas capitais do Rio de Janeiro e de São Paulo, comparado com movimentos anteriores, não significa, ipso facto, redução substancial do eleitorado da direita. 
Nazifascismo é corrente política de natureza autocrática e extensão internacional com raízes no nazismo alemão e no fascismo italiano da primeira metade do século XX. No Brasil, essa vertente penetra nas câmaras municipais, nas assembleias legislativas, na câmara dos deputados, no senado federal, nas prefeituras, no governo dos estados, no governo da república e nos tribunais. 
A fatia nazifascista da oposição ao governo federal insurge-se contra o STF. Pretende impunidade aos bandidos. Protesta contra o fato de uma dezena de juízes contrariar cinco centenas de parlamentares. No entanto, esta foi a vontade do legislador nacional constituinte ao organizar os poderes da república dentro do sistema de freios e contrapesos: 01 chefe de estado (presidente da república) x 11 juízes (supremo tribunal) x 531 representantes do povo (câmara dos deputados).    
No figurino ético, juiz não atua por volúpia. Quando as circunstâncias sociais e processuais permitem, o juiz ameniza a punição ou até substitui a prisão por restrições a outros direitos, como permite o artigo 44 do Código Penal. Subjetivamente, o juiz pode ter íntima satisfação por cumprir dever funcional no processo jurídico sob sua direção, quando afasta do convívio social pessoa cuja conduta criminosa se mostra nociva e/ou perigosa à sociedade e ao estado. 
Prisão significa privação da liberdade. O pássaro na gaiola. O peixe na rede. O tigre na jaula. O paciente no hospital. O motorista no engarrafamento. O amante no feitiço da amada. Na seara do Direito Penal, prisão significa perda da liberdade de quem praticou crime. Implica noções de culpa, de castigo e de segurança. No Brasil, a pessoa que não estiver in flagranti delicto, só pode ser presa mediante ordem escrita do juiz. O preso conserva os seus direitos e pode exercê-los enquanto compatíveis com o regime prisional a que estiver submetido ex vi legis. Assim, por exemplo, o preso tem o direito de: 1. Pensar, porém, a manifestação, a expressão e a comunicação do seu pensamento ficam sob controle da autoridade pública (censura oficial específica, individual, legítima e necessária). 2. Locomover-se, porém, dentro do espaço que lhe for reservado e pelo tempo que lhe for assinado pela autoridade judicial. 3. Transar sexualmente com a pessoa que o visita, porém, no dia, no horário e no local indicados pela autoridade administrativa.
A prisão penal não é folguedo liberal e democrático; tem caráter punitivo fundado nas ideias de (i) castigo a quem pratica delito e de (ii) segurança aos demais cidadãos.  
Democracia é forma de governo que: 1. Admite (i) pluralismo político (ii) igualdade de direitos (iii) liberdade de ser, ter e agir (iv) coexistência de opiniões contrárias. 2. Funciona segundo regras de direito postas pelo povo diretamente ou por seus representantes. 
No Brasil, o pluripartidarismo está condicionado ao respeito à soberania nacional e ao regime democrático (CR 17). Destarte, tendo em vista a essência antidemocrática da extrema direita, o seu partido não pode ser registrado no Tribunal Superior Eleitoral. Ainda que os estatutos do Partido Liberal declarem ser ele constituído de anjos amantes da democracia, o seu registro é inconstitucional por causa da notória atividade nazifascista desse partido. A tomada da Mesa da Câmara dos Deputados por essa malta no dia 06/08/2025, foi a mais recente demonstração da necessidade de cassar o registro desse partido e os mandatos eletivos dos seus filiados. A tomada da Praça dos 3 Poderes, no dia 08/01/2023, foi outro episódio típico da violência nazifascista. Os membros desse partido não respeitam: (i) o estado democrático de direito (ii) ordens judiciais (iii) resultado das urnas (iv) a vontade da maioria do povo (v) o patrimônio público (vi) o pluralismo religioso da nação brasileira (vii) a laicidade do estado brasileiro. Utilizam violência física e moral. Isto exige das forças democráticas resistência firme e permanente. Como dizia um político baiano do século XX: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”.