No início desta semana (28/10/2025) a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro realizou operação policial em duas comunidades da capital causando impacto na população brasileira pelo número elevado de mortos, vazão do instinto tanatológico dos planejadores e executores. A gravidade do ocorrido justifica intervenção federal nos termos do inciso III do artigo 34 da Constituição da República.
O dever do estado de zelar pela segurança pública inclui combate à criminalidade. Essa tarefa é executada pelo aparelho policial do estado federado sob o comando do governador, conforme artigos 184 e 189 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
Da independência, em 1822, até a proclamação da república, em 1889, o Brasil foi um estado unitário. Poder político centralizado na pessoa do Imperador. Antes, o poder político centralizava-se na pessoa do Rei de Portugal. A centralização marcou profundamento a alma dos brasileiros. Apesar do modelo federativo decorrente do golpe republicano, a consciência do povo ficou mais ligada à Constituição Federal e ao poder central emanado da União Federal, do que à Constituição Estadual e ao poder emanado do governo do estado federado.
O estado unitário e a centralização do poder político continuam colados na alma do povo. Isto explica o motivo pelo qual a massa popular atribui ao governo federal, a responsabilidade pela segurança pública genérica, embora tal responsabilidade seja do governo estadual, conforme o disposto no artigo 144, §§ 4º a 6º, da Constituição da República e nos artigos 184 e 189 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
Neste passo, oportuno lembrar que a federação brasileira é artificial. O movimento republicano imitou a forma federativa norte-americana sem lhe captar o espírito. Ao contrário do país setentrional, não havia no Brasil estados soberanos para se unirem em federação. Havia províncias do soberano estado monárquico e unitário que foram transformadas em estados federados por decreto do marechal comandante do movimento republicano. Aos estados assim criados foi outorgada autonomia. A soberania ficou reservada ao estado federal. Tudo à revelia do povo. Tudo sob geral pasmaceira.
No Rio de Janeiro, há precedentes da operação policial em tela. A novidade está na quantidade de soldados combatentes, o que importa em gastos excepcionais com a logística. Isto exige auditoria feita de preferência pela Polícia Federal, a fim de verificar se o dinheiro foi aplicado corretamente e se a sua origem é legal e legítima.
O sistema de segurança pública previsto na Constituição da República e na Constituição do Estado do Rio de Janeiro existe para garantir a paz, a ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio. Quando a repressão policial é excessiva, a imprensa noticia, às vezes de modo sensacionalista e tendencioso, e as autoridades investigam a fim de apurar a responsabilidade de quem se excedeu. Se houver indícios de a operação ter sido motivada por interesses privados e/ou eleitoreiros, o governador do estado e o comandante da polícia militar ficam sujeitos a investigação criminal.
Diante da mortandade provocada pela polícia militar, governadores de alguns estados vieram apoiar o governador do Estado do Rio de Janeiro. Revelaram-se adeptos da política de extermínio. Em seus estados, a mortandade aumentou. A pública confissão dos governadores coloca-os na posição de mandantes de operações policiais exterminadoras, nivelando-os aos chefes de organizações criminosas. Quanto ao Rio de Janeiro, impõe-se a instauração de inquérito pela Polícia Federal com o precípuo objetivo de apurar se a operação policial foi deflagrada para favorecer uma das facções criminosas em detrimento de outra rival na luta por território. Não custa lembrar: nesse comércio circulam bilhões de reais.
Bandido bom é bandido morto. Policial civil do antigo Estado da Guanabara cunhou esta frase que repercutiu nacionalmente. O significado encaixa-se no modo de pensar e de sentir de parte da população brasileira e da corporação policial. Outrora, extra-oficialmente, para burlar barreiras levantadas pelo direito positivo e pelos juízes, policiais organizavam esquadrões da morte para caçar bandidos não só no intuito de matar como, também, no de extorquir. Do contexto social e político em que aquela frase foi proferida e divulgada, verifica-se que o alvo era o criminoso violento, que ordinariamente atemoriza a sociedade, causa insegurança às pessoas e à nação. Mata, lesiona, rouba, trafica. Contudo, a parcela democrata e humanista do povo brasileiro repudia a "solução final" preconizada pelo nazifascismo que permeia a sociedade civil e o estado.
E da favela/ que era minha e que era dela/ só ficou muita saudade/ porque o resto ela levou. Visão romântica do poeta na primeira metade do século XX, mostrada ao público através do rádio, na voz bem postada do cantor, substituída no século XXI, pela sonoridade dos tiros de fuzil e de metralhadora e pelos lamentos e lágrimas das mães que perderam os seus filhos na desigual e desnecessária batalha. Daquela favela do poeta, só a saudade restou.
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