domingo, 26 de outubro de 2025

DEMOCRACIA SUICIDA

Sem os elementos da natureza humana como instinto, vontade, sentimento, simbologia, racionalidade, trabalho, valores, sonhos, não haveria comunidade e sociedade. Ideias vulgares, tecnológicas, artísticas, científicas e filosóficas, crenças religiosas e místicas, princípios morais e jurídicos, obras materiais e intelectuais, convenções gerais, moldam a civilização. Como seres vivos sujeitos ao determinismo da natureza, os humanos perfazem ciclos da vida desde o nascimento até a morte. As instituições humanas também perfazem ciclos. Não são eternas. Extinguem-se na fluência do tempo. Algumas, estáveis e de longa duração, transformam-se. Entre as instituições vigentes encontram-se o estado, os sistemas políticos, os partidos políticos. Neste campo, as paixões humanas têm larga escala. A lógica binária satisfaz ao intelecto, porém, cede a sua pureza ante as paixões humanas e a flexibilidade da vida política.
No mundo ocidental moderno, a paixão monocrática, a paixão aristocrática, a paixão democrática, as tendências ao despotismo, ao elitismo, ao populismo, são perceptíveis: (i) à direita e à esquerda do espectro político (ii) nos partidos políticos (iii) nos órgãos do estado. O poder político é objeto de desejo, alvo da inveja e motivo de disputa. O discurso político dirigido ao público raramente expressa a ideia raiz e verdadeira. Forma atraente, matéria mistificadora. O real intento repousa no interior da mente do autor. A presença do interesse privado e a ausência do interesse público são frequentes nas ações e omissões dos governantes (legisladores, chefes de governo, juízes).
A imprensa, lato sensu, não se descuida dos seus interesses comerciais e da sua sustentação econômica quando entra no jogo político. Mostra-se mendaz ou veraz, segundo as circunstâncias. Neste século XXI, a parcialidade e a mendacidade da imprensa são exibidas de modo claro e desafiador. O jornalismo perdeu a vergonha e o senso moral. Relevante, neste particular, aqui no Brasil, a condenação de 7 réus na sessão de julgamento de 21/10/2025, no Supremo Tribunal Federal (STF). 
Trata-se da tentativa de golpe de estado praticada por ex-presidente da república e comparsas. Os juízes da 1ª Turma do STF reconheceram: (i) a mentira como causa eficiente de delito, mormente se difundida através dos meios de comunicação social (ii) nexo causal entre mentiras e efeitos danosos (iii) que mentiras ofendem bens tutelados por normas penais. A decisão majoritária (4 x 1) harmoniza-se com a jurisprudência do tribunal sobre o exercício abusivo da liberdade de expressão. A mentira pode causar – como de fato tem causado – danos às vítimas (suicídio, distúrbio mental, conflitos, separações). Destarte, além de imoral, a mentira pode ser criminosa. O voto divergente absolveu os réus como se os fatos narrados na denúncia não tipificassem crimes. O ministro sequer cogitou de nova definição jurídica dos fatos, como permite o artigo 384 do Código de Processo Penal. 
A parcela democrata do povo brasileiro (maioria do corpo eleitoral, por enquanto) necessita acautelar-se contra a metástase nazifascista que se espalha pelo organismo estatal e pela sociedade civil. A situação atual lembra a europeia de 1938/1939, quando o governo da Inglaterra menosprezou o perigo da expansão nazista. Hoje, o governo brasileiro menospreza o perigo da expansão nazifascista. Acomoda-se em berço esplêndido na doce ilusão da paz e do amor. Ao presidente brasileiro parece faltar o que sobra no presidente venezuelano: tutano e colhão.
No momento, o presidente brasileiro pensa na reeleição. Entretanto, há o risco de se repetir o episódio da presidente Rousseff. O fato de ter sido reeleita no devido processo legal e de não ter praticado crime algum, não impediu a sua deposição mediante golpe de estado em 2016. Forças nazifascistas integradas por políticos profissionais, por empresa emissora de rádio e televisão e por jornalistas amestrados, instigaram a população e executaram o golpe. Repetição civil do golpe militar de 1964. Excluíram do pleito eleitoral o candidato à presidência da república que gozava da simpatia da parcela democrata do povo. Utilizaram processo criminal fraudulento para prendê-lo. Elegeram o líder nazifascista em 2018. Pretenderam mantê-lo na presidência em 2022. Tentaram golpe de estado. Fracassaram por falta de adesão do Exército e da Aeronáutica. A parcela democrata do povo brasileiro sagrou-se vencedora.
Notável a vocação da democracia brasileira para o suicídio político. Sob equivocada concepção de democracia, o Legislativo e o Executivo induzem-na ao suicídio quando se omitem diante da ampla liberdade de ação dos partidários do nazifascismo. O legislador constituinte brasileiro de 1987/1988, escaldado pela ditadura nazifascista de 1964/1985, vedou a criação de partido político que não resguarde a soberania nacional e o regime democrático. Assegurou o pluripartidarismo, porém, dentro dessas duas coordenadas. Apesar da proibição, aí está o Partido Liberal de inequívoco caráter nazifascista, visceralmente antidemocrático, atuando contra o estado democrático de direito e prestando continência à bandeira dos Estados Unidos. Por inércia, a norma constitucional resta sem eficácia. 

Constituição da República Federativa do Brasil. Artigos: 17 caput e inciso II + 221, IV.
A Condição de Homem. Lewis Mumford. Trad. Miranda Reis. Rio/SP. Editora Globo. 2ª Edição. 1956. P. 9/21.
A Filosofia Moral. Jacques Maritain. Trad. Amoroso Lima. Rio. Agir Editora. 1973. P. 490/495.
La Democracia En América. Alexis de Tocqueville. Trad. Negro Pavon. Madrid. Aguilar Ediciones. 1971. P. 96/101. 

domingo, 19 de outubro de 2025

FUTEBOL

Mediante jogos amistosos, a seleção brasileira de futebol masculino vem sendo orientada e testada pelo treinador italiano. Jogo amistoso significa busca de aprimoramento individual e coletivo fora de campeonato. Neste mês, a seleção brasileira jogou com as seleções coreana e japonesa. 
Na Coreia, em 10/10/2025, a seleção local perdeu de 5 x 0. Os brasileiros atuaram com alta velocidade nos movimentos, admirável entrosamento e bom preparo físico. Praticaram o drible sem oposição do treinador. Há treinadores obcecados pelo coletivismo, castradores do individualismo. Acham o drible exibicionista e contraproducente. Neutralizam talentos. Para o bom desempenho do time, o drible é tão importante quanto o passe. Basta moderação nos dois fundamentos. 
No Japão, em 14/10/2025, quer durante a execução dos hinos nacionais, quer durante o minuto de silêncio, o público japonês se manteve quieto e respeitoso. Requinte cultural. Os jogadores japoneses e comissão técnica mostraram espirito esportivo durante a partida. No primeiro tempo, perderam: 2 x 0. No segundo tempo, venceram: 3 x 0. Placar final: vitória da seleção japonesa por 3 x 2. Os japoneses mostraram-se aguerridos, velozes, com bom preparo físico e técnico. Sabem driblar. Marcaram os gols aproveitando vacilos da defesa brasileira. O treinador japonês mostrou que entende de táticas e sabe como alterar o movimento da equipe durante o jogo. O treinador da seleção brasileira, no primeiro tempo, experimentou colocar 8 jogadores que não haviam participado do jogo na Coreia. No segundo tempo, substituiu alguns, sem evitar a derrota.  
O resultado dos jogos amistosos, quando as equipes estão sendo testadas, deve ser submetido a análise racional e a crítica construtiva. Euforia na vitória e rigor condenatório na derrota são sinais de que as partidas amistosas não estão sendo encaradas como testes. Honra ao mérito: os brasileiros se esforçaram e fizeram boa exibição. Eventual vacilo é comum nesse esporte. Quase todo gol marcado tem na sua origem o casual vacilo dos defensores do time que o sofreu. Os jogadores que vacilam não merecem massacre moral. Erram hoje. Acertam amanhã. Errar é humano, diziam nossos avós.   
Tão logo concluída a fase dos testes, neste ou no próximo ano, o treinador montará a estrutura definitiva da seleção brasileira. Há craques que ainda não foram convocados (por ordem alfabética): Coutinho, Dudu, Gabigol, Gerson, Hulk, Lucas Moura, Thiago Silva. A experiência, a capacidade técnica e a criatividade desses craques ensejarão segurança, equilíbrio e eficiência à seleção, principalmente diante de seleções solidificadas e de alto nível técnico. 
Aos treinadores em geral, cabe enxergar a realidade e agir com autonomia e bom senso. Eles enfrentam desafios como: 
1. Escalar os jogadores mais aptos na ocasião dos jogos. 2. Distribuir 11 jogadores em campo: 1 goleiro + 5 zagueiros + 5 atacantes. [Terminologia simplificada].
2.1. Estática: I. Na grande zaga: (i) em cada lado da área: 1 zagueiro (ii) no meio do campo: 1 zagueiro no centro, 1 no lado esquerdo e 1 no lado direito. II. No campo adversário: 1 centroavante, 1 meio-atacante à esquerda, 1 meio-atacante à direita e 1 atacante em cada ponta.
2.2. Dinâmica: Conforme o potencial do elenco e a personalidade, o conhecimento e a experiência do treinador, o movimento dos jogadores em campo pode ser planejado: I. De modo rígido: (i) o treinador traça as linhas de ação no mapa que pretende ver respeitado independente da tática da equipe adversária (ii) mantém um núcleo estável e escala os mesmos jogadores em todos os jogos (iii) coloca a sua vontade e a sua autoridade acima de qualquer contingência ou intervenção. II. De modo flexível: (i) adota esquema aberto ajustando-o à tática do adversário (ii) varia a escalação segundo as características dos jogadores nas respectivas funções (iii) ouve opiniões dos dirigentes, dos auxiliares, dos jogadores, dos torcedores, dos jornalistas esportivos, ainda que não as siga total ou parcialmente. 
Os treinadores se deparam com as seguintes dificuldades: 1. Real situação doméstica e social dos jogadores (conflitos, baladas, desregramentos). 2. Ciclos do rendimento de cada jogador (altos e baixos). 3. Excesso de compromissos esportivos e consequente desgaste da equipe. 4. Jogadores fora de ação para tratamento médico ou por motivo disciplinar. 5. Erros dos árbitros. 6. Pressão das torcidas. 7. Questões financeiras do clube. 8. Questões éticas com os jogadores, com a comissão técnica, com a diretoria e/ou com a entidade dirigente do esporte. 9. Questões jurídicas nos tribunais esportivos e/ou nos tribunais judiciários.
O cultivo do espírito esportivo contribui para fortalecer virtudes humanas e amenizar destemperos. Jogadores sul-americanos costumam ser catimbozeiros, mais indisciplinados e reclamadores do que os europeus. Os asiáticos amarelos são respeitosos e disciplinados. Os asiáticos morenos e os africanos, nem tanto. Isto pode mudar para melhor ou para pior. Nas relações humanas, congelar ideias, vontades e comportamentos não é a regra e sim a exceção.

terça-feira, 14 de outubro de 2025

VAGA NO STF

O jurista Luiz Roberto Barroso aposentou-se do cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Para sucedê-lo, nomes de juristas foram apontados pelos meios de comunicação e nas esferas política e forense. O nome de Rogério Favreto não foi cogitado. Trata-se do desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, em 2018, concedeu habeas corpus em favor de Luiz Inácio Lula da Silva, político preso por decisão e ordem abusivas das autoridades judiciais da fraudulenta Operação Lava-Jato.
Cabe exclusivamente ao Presidente da República (PR), quando achar oportuno, indicar o candidato ou a candidata ao cargo. A Constituição da República (CR) estabelece os requisitos para cidadãos serem nomeados ministros do STF: (i) idade superior a 35 anos e inferior a 65 anos (ii) notável saber jurídico (iii) reputação ilibada. Cabe ao Senado Federal, por maioria absoluta, sabatinar e aprovar ou reprovar o/a candidato/a. Se houver reprovação, o PR será comunicado e, então, indicará outro/a candidato/a. Renova-se o procedimento. Em havendo aprovação, o PR nomeará a pessoa aprovada quando achar oportuno. Não há prazo certo para indicar candidato e tampouco para nomear quem for aprovado. Isto fica ao talante do PR. 
O vocábulo cidadão, que o preceito constitucional utiliza no plural, abrange brasileiros natos no pleno gozo dos direitos políticos. Pessoas com idade igual ou menor de 35 anos e com idade igual ou superior a 65 anos, não poderão ser nomeadas. Os limites foram impostos pelo legislador constituinte de 1988. Antes disto, o PR nomeava pessoas que ficavam poucos dias no cargo e se aposentavam. Havia o propósito de premiar apoiadores civis da ditadura com proventos pagos pelo estado.
O notável saber jurídico exigido do/a candidato/a distingue-se do conhecimento genérico dos bacharéis em direito. Certa vez, em sessão do STF, o ministro Barroso ironizou o “notável saber jurídico” como se tratasse de algo imaterial, subjetivo, de difícil avaliação e fácil enganação. Entretanto, no plano conceitual, trata-se de conhecimento científico e filosófico do fenômeno jurídico na sociedade. Conhecimento haurido da teoria e da prática do direito pelo advogado, pelo defensor público, pelo agente do ministério público, pelo magistrado, pelo professor universitário. Conhecimento notabilizado pela excelência da sua produção no exercício das citadas profissões. Nessa produção entram arrazoados forenses, pareceres, sentenças, votos em sessão de julgamento nos tribunais, títulos acadêmicos, seminários, conferências, artigos em revistas especializadas, livros, aprovações em concursos públicos. Este saber, aferido pelo Senado, inclui maturidade e sensatez decorrentes do modus vivendi do seu portador.
A reputação do/a candidato/a há de ser ilibada, isto é, sem mácula, sem antecedentes desabonadores, não apenas como jurista e cidadão ou cidadã, mas, também, como pessoa natural honesta e cumpridora dos seus deveres para com a família e a sociedade. 
A pessoa nomeada toma posse de um cargo de alta relevância e se investe de autoridade togada cuja função não é só jurídica. O legislador constituinte atribuiu especial função política ao STF quando lhe confiou a guarda da Constituição. Manteve, pois, na competência do tribunal, o controle da constitucionalidade das leis. Isto significa autorizada e legítima interferência judicial, a posteriori, no processo legislativo. Porém, tal como nos demais tribunais judiciários, o STF só atua quando provocado no devido processo legal. Portanto, para sair da passividade, o tribunal depende da iniciativa dos interessados. Como a CR é analítica e extensa, abrangendo as dimensões política, social e econômica da nação, a competência do seu guarda, o STF, adquire igual extensão. Disto resulta o que se convencionou chamar de “judicialização”. Todavia, se os poderes legislativo e executivo atuarem em consonância com os preceitos constitucionais, não haverá “judicialização”. 
A pessoa nomeada para o cargo leva consigo uma incógnita. As qualidades pessoais positivas podem sofrer mutação. O Dr. Jekyll transforma-se no Mr. Hyde. As fraquezas humanas podem macular o caráter daquela pessoa. Espírito público, imparcialidade, independência, serenidade, senso de justiça, dedicação à judicatura, assiduidade, celeridade, eficiência, tudo se avilta por vaidade, arrogância, ímpetos despóticos, atividade política partidária e outros fatores incompatíveis com a magistratura.
A escolha de ministro/a cai regularmente sobre jurista afinado/a com os sentimentos, pensamentos e visão do mundo do PR. Via de regra, tanto nos períodos democráticos como nos períodos autocráticos da história do Brasil, os presidentes seguiram esse caminho que eles não inventaram. Esse caminho foi aberto pelo presidente dos Estados Unidos em 1789 e planificado por seus sucessores após o caso Marbury versus Madison julgado pela Corte Suprema em 1803. A decisão do tribunal, lavrada pelo juiz John Marshall, firmou os princípios: (i) da supremacia da Constituição Federal ante leis federais e estaduais (ii) do controle judicial da constitucionalidade das leis. A decisão foi acatada pelos poderes legislativo e executivo. Isto significou importante conquista política do judiciário e se tornou dogma do constitucionalismo na América e na Europa. Desde aquela época, os presidentes dos Estados Unidos, ad cautelam, indicam e nomeiam para a Suprema Corte, juristas vinculados ao seu partido político (democrata ou republicano).

Constituição da República Federativa do Brasil. Artigos: 52, X + 84, XIV + 101, p.ú. + 102 caput e inciso I, letra a.
A Corte Suprema e o Direito Constitucional Americano. Lêda Boechat Rodrigues. Rio. Revista Forense. 1958. Pág. 35/41.
Direito Político Brasileiro. Fernando Whitaker da Cunha. Rio. Forense. 1978. Pág. 205/214.
Poder Constituinte e Constituição. Antonio Sebastião de Lima. Rio. Plurarte. 1983. Pág. 84/85.