Através da TV Justiça, o público assistiu a um espetáculo bestialógico ocorrido na sessão do dia 22.04.2025, da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF): citações bíblicas disparatadas, quer nas sustentações orais dos advogados, quer nos votos dos juízes. Os ministros Alexandre, Carmen e Dino ironizavam. Isto não se ajusta ao decoro. Tal comportamento seria tolerável no privativo recinto do lanche dos juízes ou do gabinete, porém, impróprio na sessão pública de julgamento. Chacotas e austeridade se repelem.
O STF é uma instituição política diferente de um tribunal eclesiástico. No estado brasileiro não há religião oficial, embora a nação brasileira seja religiosa. A liberdade religiosa está amparada na Constituição da República. Há brasileiros seguidores de diferentes religiões: cristã, judaica, islâmica, hinduísta, budista, xintoísta, espírita. Há brasileiros livres pensadores filiados a organizações civis como a rosa-cruz e a maçonaria. Por isto, as questões submetidas à apreciação dos tribunais do estado devem ser examinadas e julgadas de modo racional, objetivo, imparcial, sem apelo a escrituras religiosas e místicas. Constituição, lei infraconstitucional, costume, princípios gerais do direito, fatos provados, são os elementos que alicerçam decisões judiciais. Preceitos da Bíblia, livro da parcela cristã do povo brasileiro, não devem alicerça-las. A cidadania faculta à parcela não cristã do povo brasileiro, exigir dos tribunais do estado, julgamentos isentos de fundamentação bíblica.
Considerando que as citações bíblicas feitas pelos advogados é que provocaram a zombaria dos juízes, a expressão “juristas da internet” utilizada por estes, atinge a dignidade profissional daqueles. Os juízes entraram no terreno da vulgaridade quando mencionaram a palavra “jurista” como sinônimo de agiota (quem empresta dinheiro e cobra juros). Além do mau gosto e da inadequação do lugar e do momento, a pilhéria arranhou e empobreceu a toga.
Jurista é a pessoa natural que estuda o direito como ciência e o pratica como arte, dedica-se à interpretação e à aplicação das leis no exercício da advocacia, do ministério público, da magistratura e do magistério. Portanto, ao contrário do que disse o ministro Dino, a publicação de livro não é conditio sine qua non para alguém ser qualificado como jurista. Caprichoso nos seus gestos teatrais de mãos e braços, confiante na sua imagem e inteligência, esse ministro esqueceu de harmonizar palavra & realidade. Os destinatários do Pentateuco não são os estrangeiros (gentio) e sim os hebreus, povo pequeno, de má índole, cabeça dura (royalties para Moisés), rabeira de culturas superiores (egípcia, babilônica, assíria, persa, grega).
Afigura-se infeliz a inclusão, na sustentação oral e nos votos, dos evangelhos contidos na Bíblia, porque há outros inúmeros evangelhos que ficaram de fora e que podem alterar a visão da cristandade. Jesus, profeta hebreu galileu, nada deixou por escrito. A doutrina atribuída a ele nos 4 evangelhos é apostólica e não jesuítica. Quem primeiro escreveu sobre Jesus foi Paulo de Tarso, que não o conheceu. Paulo intitulou a si próprio de “apóstolo” para competir com a autoridade de Pedro, este sim, apóstolo da primeira hora. Paulo, que era judeu fariseu e conhecia a escritura judaica (Torá), instituiu o cristianismo no molde farisaico e saiu a pregar fora do território judeu. As raízes da igreja, pois, são paulianas e não jesuíticas. Jesus não fundou igreja alguma. A Bíblia é uma coleção de contos da carochinha (royalties para Albert Einstein). A fé cega é a estupidez humana elevada ao grau máximo.
Amparado no Antigo Testamento, o ministro Dino refere-se aos hebreus (judeus + israelitas = hebreus) como “Povo de Deus”. Esse “povo de deus” é o mesmo que, atualmente, inferniza a vida dos povos vizinhos, massacra os palestinos e não acata decisões do tribunal internacional. Javé, ou Jeová, deus nacional dos hebreus, cruel, vingativo, genocida, criado por Moisés, príncipe egípcio, difere do Pai Celestial, deus universal e único, amoroso e misericordioso, criado por Jesus, profeta hebreu israelita galileu.
Quando os semitas ainda eram politeístas, a doutrina monoteísta já era conhecida no Egito. Vigorou oficialmente de 1379 a 1362 a.C., no governo do faraó Amenhotep IV (Ikhnaton). Aton era o deus universal, único, simbolizado pelo Sol.
Arrelientos e forasteiros em Canaã, os semitas foram apelidados de hebreus pelos cananeus, palavra com o duplo significado de bandidos e nômades. “Povo de Deus” é toda a humanidade e não uma única nação. O deus que criou o universo é um deus universal e não um deus nacional.
“A democracia não pode ficar à mercê dos filisteus”. Dito assim, pelo ministro Alexandre, faz parecer que os filisteus eram bandidos. Esse povo conquistou Canaã e submeteu os povos que lá habitavam, entre os quais: (i) cananeus nativos (ii) hebreus adventícios que haviam chegado 50 anos antes dos filisteus. Canaã passou a ser chamada Filistia, que significava "terra dos filisteus". Latinizou-se Palestina. Eles permaneceram 500 anos na Palestina (1.100 - 604 a.C.), fundaram 5 cidades, sendo Gaza a maior delas. O povo hebreu, no reinado de Davi (1001 - 961 a.C.), conseguiu recuperar parte do território e manter os filisteus acantonados no sul da Palestina. Filisteus e hebreus sucumbiram diante dos exércitos assírio e caldeu.
“Nesta fase não há o que perdoar. Sabiam o que estavam fazendo”. Ao dizer isto, a ministra Carmen (i) referia-se à fase do recebimento da denúncia, à consciência dos rebeldes e ao perdão inoportuno (ii) mostrava estar convencida de que os acusados agiram dolosamente. O clima evangélico da sessão envolveu o tema do perdão. Jesus perdoaria. O estado não perdoa. Encerrado o devido processo legal, cogitar-se-á do perdão se a decisão for condenatória.
Bíblia Sagrada. São Paulo. Editora Ave Maria. 58ª Edição. 1987.
Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.
Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Lei Complementar 35/1979.
Estatuto da Advocacia. Lei 8.906/1994.
Breve Historia de las Religiones. Francisco Diez de Velasco. Madrid. Alianza Editorial. 2008.
História da Civilização Ocidental. Edward McNall Burns. RJ/SP/RS. Editora Globo. Volume I. 3ª Edição. 1955.
Um Estudo Crítico da História. Helio Jaguaribe. São Paulo. Paz e Terra. Volume I. 2ª Edição. 2001.